ITAPAGIPE E ITAPUÃ / SALVADOR, 461 ANOS
Vicente Deocleciano Moreira
Itapagipe e Itapuã são duas penínsulas que têm cada uma, um farol em seus extremos: o farol de Itapuã e o farol de Humaitá.,
Itapuã e Itapagipe têm ethos bastante diferenciados. O primeiro, guarda o visível e o invisível de uma vila de pescadores que o bairro nunca deixou de ser, embora não o seja mais, mesmo sem tantos pescadores e apesar de tantos loteamentos e hotéis de luxo. Itapagipe, lá embaixo, nunca perdeu o ar de lugar de veraneio. Um lugar de veraneio não é um lugar de veraneio para quem nele vive, todos os dias, todos os anos. Mas é um lugar de veraneio – estranho veraneio de algumas horas – para quem vive, mora, na Pituba, Cabula, Brotas ... na Cidade Alta, enfim. Lembrem, por favor, que somos Cidade Alta e Cidade Baixa com direito a todos os pejorativos das duas expressões. Quem mora na Cidade Alta costuma dizer: “Faz tanto tempo que eu não vou à Ribeira; vamos lá um domingo desses ...”. Mergulhados na missão de “matar um leão por dia” poucos lembram que a Ribeira existe e, quando o fazem, a forma de falar pode sugerir a uma pessoa desinformada que a Ribeira, que Itapagipe, é outro município.
Morei 10 anos (1962 – 1972) , na Boa Viagem e na Madragoa, península de Itapagipe. Sei que estou falando de coisas e lugares que não foram lembrados – principalmente Itapagipe – ao menos como mereciam nas comemorações dos 461 anos de Salvador. Recordo , perfeitamente, que, nos anos sessenta e setenta (século XX), muitos itapagipanos diziam: “Amanhã eu vou lá na cidade ... “, “Eu estava na cidade ...”. Esta “cidade” não era exatamente a Cidade Alta, mas sim Salvador, de um modo geral, pois esta “cidade” incluía o Comércio (que, de resto, fica na Cidade Baixa). Ir à “cidade” trazia a sensação de uma vigem intermunicipal; na volta, eu ficava ansioso para chegar em casa. E quando a feira de Água de Meninos incendiou (1964) esta ansiedade foi infinitamente maior pois o ônibus teve que ir pela Soledade, Liberdade, até chegar no Largo do Tanque, Mares e seguir adiante. Isso porque lá em baixo (Jequitaia) não passava outra coisa senão dor e tristeza. Tudo isso numa Salvador com poucos carros e – em alguns lugares como Jequitaia, Avenida Fernandes da Cunha e outros que, nesta primeira década do século XXI, com um número espantoso e crescente de automóveis, se constituem a mesma oferta de espaço urbano.
Não sei se ainda as pessoas que moram em Itapagipe continuam pensando/sentindo assim. Gostaria até que essas pessoas me dessem uma resposta um retorno mesmo que vindo de suas subjetividades. Não precisa fazer enquête.
Se os itapagipanos falavam e pensavam assim – nos anos 60/70 - ... tal a distância psicológica que os separava da tal “cidade”, imaginem quem morava em Plataforma, Paripe” e outras localidades do subúrbio ferroviário.
Edifício Colón: não era o “Repórter Esso”, mas foi e continua sendo o testemunho ocular da história. De Itapagipe.
O Edifício Colón, na Avenida Fernandes da Cunha, Mares, Itapagipe foi o primeiro prédio residencial (e comercial?) de dez andares de Salvador. Não sei quando ocorreu a inauguração, mas vi pessoas de vários bairros de Salvador e cidades do interior entre admiradas e espantadas torcendo o pescoço para ver a obra. Idosos e moços protestavam, taxando de irresponsáveis engenheiros e arquitetos que haviam construído o imóvel . “Onde já se viu? Aquilo vai cair e não demora”. “Que absurdo!” “É o fim do mundo ..., dez(!) andares!!!”. Parecia que os baianos haviam construído uma Babel bíblica.
O Edifício Colón está de pé, testemunhando o esquecimento de empresários, políticos e urbanistas – e do próprio capital! - em relação a Itapagipe. Esse prédio, às vésperas de virar um cinquentão mal cuidado, continua sendo o imóvel mais alto de Itapagipe. Quem quer investir em Itapagipe, onde até supermercados fortes fecham as portas?
Além do Colón, outros marcos: Itapagipe construiu o primeiro conjunto residencial de Salvador. Alí próximo ao Largo do Papagaio. Construiu uma das primeiras fábricas da Bahia (Fábrica de Tecidos Luiz Tarquínio) e sua respectiva Vila Operária. Uma novidade ... que só rivalizava, talvez, com a Fábrica Fratelli Vita (refrigerantes) também em Itapagipe.
Pode até ser que espigões não sirvam de régua para medir o quanto é ‘moderno’, ‘adiantado’ e ‘avançado’ um bairro, uma cidade ... mas, convenhamos ...
(E Itapuã? Depois, falaremos sobre Itapuã)
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