terça-feira, 20 de abril de 2010

Interfaces 6 – MÚSICA, DANÇA E CINEMA

Interfaces Antropologia e História do urbano. CIDADESSERTÃO: A CIDADE RECEBE E ACOLHE O SERTÃO: 6 – Música, Dança e Cinema


Quando oiei a terra ardendo
Qual a fogueira de São João
Eu preguntei a Deus do céu,ai
Por que tamanha judiação
Que braseiro, que fornaia
Nem um pé de prantação
Por farta d'água perdi meu gado
Morreu de sede meu alazão
Inté mesmo a asa branca
Bateu asas do sertão
"Intonce" eu disse adeus Rosinha
Guarda contigo meu coração
Hoje longe muitas légua
Numa triste solidão
Espero a chuva cair de novo
Pra mim vortar pro meu sertão
Quando o verde dos teus óio
Se espanhar na prantação
Eu te asseguro não chore não, viu
Que eu vortarei, viu
Meu coração


(Luiz Gonzaga / Humberto Teixeira - “Asa Branca”)

Vicente Deocleciano Moreira
vicentedeocleciano@yahoo.com.br
vicentedeocleciano@gmail.com
FONTE DIRETA – Blog http://www.viverascidades.blogspot.com


Em Campina Grande (Paraíba – Brasil), as emissoras de rádio tocam forró o ano inteiro, todos os dias. É lá que acontece o maior São João do Nordeste e do Brasil, numa praça chamada “Pátio do Povo”; e que oferece aos foliões viagens no “Trem do forró”. Em São Paulo, existem animadas casas de forró ... até porque são imensas a presença e a influência cultural dos nordestinos naquela capital.


Compositores e cantores nordestinos parecem nordestinados a fazer nascer uma estrela que dance, exatamente porque têm dentro de si um caos que é o próprio Nordeste. Um caos grave e conciso como a literatura de Graciliano Ramos. Eles são heróis nietzscheanos, incorporam nas veias e nmas vísceras a frase de Nietzsche: “É preciso ter um caos dentro de si para fazer nascer uma estrela que dance”. E quantos de nós já nos deliciamos e já dançamos com Luiz Gonzaga (cantor e compositor pernambucano – 1912-1989) cantando Asa Branca”? Quanto de nós – nesses momentos de êxtase – se concentro no significado e no conteúdo de desolação e de guerra perdida que “Asa Branca” evoca?

Guerra perdida mas, mesmo assim, o sertanejo é uma fortaleza antes e depois de tudo. A cidade recebe e acolhe o Sertão quando canta suas músicas, quando dança suas danças, forró, maracatu, xaxado, maculelê, bumba-meu-boi, baião, carimbó, chula, xote, com toda alegria, ainda que nem sempre a letra seja alegre. Quando vê filmes do Cinema Novo se vê em tudo o que ali se vê: familiaridades com violência e seca, mandonismo, coronelismo, guerra entre famílias ... planetários arcaicos.

Rimando sem rimar amor e dor, Elomar (cantor e compositor baiano – 1937) também faz nascer – dum caos – uma estrela que dança:

Vai pela istrada enluarada
Tanta gente a ritirar
Levando só necessidade
Saudades do seu lugar
Esse povo muito longe
Sem trabalho, vem prá cá
Vai pela istrada enluarada
Com tanta gente a ritirar
Rumano para a cidade
Sem vontade de chegar
Passa dia, passa tempo
Passa o mundo devagar
Lembrança passa com o vento
Pidindo não ritirar
Tudo passa nesse mundo
Só não passa o sofrimento
Vai pela istrada enluarada
Com tanta gente a ritirar
Sem saber que mais adiante
Um ritirante vai ficar
Se eu tivesse algum querer
Nesse mundo de ilusão
Não deixava que a saudade sociada cum penar
Vivesse pelas estradas do sofrer a mendigar
Vai pela estrada enluarada
Com tanta gente a ritirar
Levando nos ombros a cruz
Que Jesus deixou ficar
Eu não canto por soberba
Nem tanto por reclamar
Em minha vida de labuta
Canto o prazer, canto a dor
Que as beleza devoluta
Que Deus no sertão botou
Vai pela estrada enluarada
Com tanta gente a ritirar
Passando com taça e veno
Bebendo fé e luar
.

(Elomar Figueira Melo – “Retirada”)



Sábado passado, dia 17 de abril/2010, como um Zaratustra sertanejo Elomar emocionou mais de 1.400 admiradores, de vários estados do Brasil que viajaram, desde suas cidades de origem até o sertão do distrito de Iguá (20 Km de Vitória da Conquista – Bahia – Brasil). Todos extasiados sob a luz de candeeiros que iluminavam a boca de cena do palco, armado na fazenda de Elomar, que abrigou o concerto “Sete violeiros lá na Casa dos Carneiros”. Todos viveram momentos de iluminação e bemaventurança. Graças ao canto e à magia de Elomar.

Com “uma câmara na mão e mil idéias na cabeça”, Gláuber Rocha (cineasta baiano – 1939-1981), nascido, como Elomar, em Vitória da Conquista, foi um outro herói nietzscheano. Ele nos presenteou e ao mundo com “Barravento” (1962), “Deus e o Diabo na terra do sol” (1963), “Terra em transe” (1967), “O dragão da maldade contra o santo guerreiro” (1968) e tantas outras estrelas dançantes.

Luiz Gonzaga, Elomar Figueira Melo e Gláuber Rocha têm sido demiurgos e portas do arco da aliança entre cidade e Sertão. Eles são deuses que dançam. E Nietzsche só acredita em deuses que dançam.

Nenhum comentário:

Postar um comentário