quarta-feira, 31 de março de 2010

ENTRE ITAPUÃ E ITAPAGIPE / SALVADOR - 461 AN0S

ENTRE ITAPUÃ E ITAPAGIPE / SALVADOR - 461 AN0S

Vicente Deocleciano Moreira

vicentedeocleciano@yahoo.com.br
vicentedeocleciano@gmail.com



Vou confessar: a Salvador de meus sonhos, da minha fantasia, não teria um só muro, uma só coluna (salvo colunas de postes de iluminação pública) entre Itapuã e Itapagipe.

Se essa Salvador tivesse sido possível, talvez o Rio de Janeiro não batesse com tanta força no peito seu orgulho de ser (com toda a justiça) a 'cidade maravilhosa'.

Bem; quem vê a Salvador real e, em especial, o trecho real entre Itapuã e Itapagipe tem uma idéia do tamanho do meu sonho. Até porque, mesmo com o mar e a costa de grande beleza que Salvador exibe, essa mesma Salvador tem vergonha de olhar o mar. Construímos prédios, espigões, barracões, armazens, colunas de gosto duvidoso e tudo o mais que tenha o poder de impedir que o transeunte e mesmo omotorista ou o passsageiro possa ver e admirar o mar.

De ônibus ou de carro ficamos cegos em relação ao mar desde o final da Avenida Beira Mar, imediações do Porto do Bomfim. Daí em diante somente quando chegamos na rampa do Mercado (proximidades do elevador Lacerda) é que recebemos a 'dádiva' da visão do mar. Na parte baixa, seguimos pela Avenida do Contorno. Na parte alta, Corredor da Vitória e seus espigões, perdemos o mar. Ladeira da Barra, Porto e Farol da Barra, |Ondina de pois das muralhas dos hotéis, eis o mar novamente. Rio Vermelho, Amaralina ... alguns obstáculos ... verdadeiros monumentos à nossa vergonha de nosso belo mar. Na Pituba, Jardim dos Namorados, fizemos obras de gosto duvidoso que nos impede a visão nosso mar verde-azul. Daí até Itapuã, inventamos colunas de péssimo gosto que, durante pouco tempo, serviu de belvedere para jovens do Salva Mar.

Por que temos tanta vergonha de ver o nosso próprio mar? O mar, em Salvador (e demais cidades litorâneas) foi transformado em moeda de ouro ... em privilégio de pouquíssimas pessoas. Apartamento com vista (de preferência eterna) para o mar valem mais e são vendidos ou alugaos a peso de ouro por causa da vista para o mar como se não fôssemos cercados quase completamente pelo mar.


Baianos, temos vergonha de nosso mar ... de Itapuã a Itapagipe, temos vergonha de ver e de mostra o mar. construímos ao longo da orla Itapuá/Itapagipe caixorrosos deprimentes, deprimentes ainda que não estivessem, há décads, vazios e inúteis.


Porisso, numa cidade com tão poucas praças e tanto litoral prosseguimos escondendo de nós mesmos nosso belo mar.

terça-feira, 30 de março de 2010

SENHOR DO BOMFIM, NOSSO ESCULÁPIO\ SALVADOR 461 ANOS

SENHOR DO BOMFIM, NOSSO ESCULÁPIO\ SALVADOR 461 ANOS


Vicente Deocleciano Moreira


Sim, nossa salavação está nas colinas que apontam torres e coluna para o céu e nas terras que avançam para o mar.

Temos uma colina, a Colina Sagrada,de onde se erguem - com mais força ecommais tradição - os pedidos, os clamOres de salvação:a Basílica do Senhordo Bomfim ...na parte alta da Cidade Baixa.

Alí está o "patio dos milagres' - uma coleção extraordinária de ex-votos, objetos, fotos ... agradecendo ao Senhor do Bomfim os favores que Ele proporcionou principalmente na área da Saúde.

Na Grécia Antiga, Esculápio (ou Asclépio), o pai mítico da Medicina, recebia ex-votos, braços e pernas de madeira para agradecer benefícios de cura que esse deus proporcionav a seus fiéis seguidores.

segunda-feira, 29 de março de 2010

ACRO-SOTERÓ-POLIS / SALVADOR 461 ANOS

ACRO-SOTERÓ-POLIS / SALVADOR 461 ANOS
Vicente Deocleciano Moreira
vicentedeocleciano@yahoo;com.br
vicentedeocleciano@gmail.com


Tomé de Souza fundou Salvador, em 29 de março de 1549. Na praia do Porto da Barra, existe um marco simbolizando sua chegada aproximadamente naquele local, há 461 anos.

São Salvador cresceu dali em diante sob forma de acrópole não por um partido diríamos hoje urbanístico, mas pela adequação das necessidades geomilitares de defesa e ataque (ante as ameaças de índios, europeus e demais invasores) ao relevo e à geografia física daquela que foi a primeira capital do Brasil. A experiência da união Estado e Igreja Católica, em Portugal, foi repetida na colônia.

O Brasil e a Bahia receberam Tomé de Souza e seus acompanhantes já com quase meio século de história (1500-1549). Por força desta união, também a Igreja Católica adaptou ao relevo e à geografia física suas necessidades e interesses - por assim dizer - georreligiosos de defesa e ataque (ante as ameaças dos pagãos e infiéis).

Estado e Igreja Católica deram à luz São Salvador. O nome não nega os cromossomas “y” e “x” herdados de cada uma das duas instituições. São Salvador não nega o santo (catolicismo) e a salvação (militarismo).
Porém, com o passar dos séculos e antes do divórcio Estado/Igreja, temos Salvador, na oralidade e na escrita correntes, e não mais – nunca mais! – São Salvador.

(Se ao desembarcar no aeroporto de Salvador (capital da Bahia), alguém teve sua bagagem desviada para San Salvador (xapital de El Salvador), este episódio pode ser até trágico para a pessoa prejudicada e cômico para as demais ... porém não nos ajuda aqui e agora).

O fato é que Salvador desde sempre é a cidade da salvação instalada em acrópole. Daí ... Acro-soteró-polis.

No berço e, desde a tenra infância, ela foi nutrida pelas mitologias salvacionistas ou soterológicas [sotero (grego) = salvação]. Sua bandeira, uma das mais antigas do Brasil, exibe o desenho de uma pomba com um trevo ao bico. A pomba que, pssados quarenta dias e quarenta noites de dilúvio, a pomba retornou à arca de Noé com uma folha ao buço para avisar à reipulação que as águas já haviam baixado em algum lugar a ponto de a ave ter encontrado algum sinal de terra firme, de vida vegetal ao menos.

Emoldurando a bandeira, uma inscrição em latim: “Sic illa ad arcam reversa est”; então, a pomba voltou à arca – depois do dilúvio bíblico, evidentemente.

Militares, governantes e religiosos exploraram com maestria as condições topográficas, geológicas e geográficas de Salvador. Nas terras mais elevadas, as hierofanias das torres das igrejas católicas pedindo a Deus proteção e salvação . Fortes militares e faróis, nos outeiros e em terras avançadas para o mar, apontam seus bastiões e colunas na direção do céu e na direção do mar para nos salvar dos inimigos dos reinos deste mundo e das ilusões do mar que desnorteiam navios e navegadores.

Quem nasce em Salvador é soteropolitano(a); e por causa do destino e da missão salvacionistas da cidade, está salvo. Salvo de que? Está salvo.

FONTE DIRETA – Blog http://www.viverascidaes.blogspot.com

domingo, 28 de março de 2010

MUNDO VASTO MUNDO DE 28 DE MARÇO DE 2010. - Nazaré das Farinhas – Bahia – Brasil.

MUNDO VASTO MUNDO DE 28 DE MARÇO DE 2010.

Nazaré das Farinhas – Bahia – Brasil.

Das capitais dos matagais às capitais mundiais, católicos celebram o “Domingo de Ramos”. Plagiadores impunes das obras dos deuses, filhos de deuses, avatares e demiurgos, como todos os seres humanos católicos fazem hoje procissões empunhando ramos. Católico co -memoram (lembram juntos) a entrada de Jesus Cristo em Jerusalém onde uma multidão O acompanha exibindo ramos, nesse momento dominical em que Ele diz sim ao Pai e ao destino da cruz que Lhe reserva o desejo paterno. Para concluir essa aligeirada e introdutória apreciação antropológica, eu diria que – ontem e hoje, em Jerusalém e bem mais além - aqueles e aquelas que seguiram/seguem o Cristo estavam/estão comprometidos espiritualmente, eticamente, simbolicamente com Ele, a cruz e a cruz de seu destino e com o sacro-ofício (ou ofício sagrado ou sacrifício).

Mar-a-dentro, mar-a-fora, dois milênios de era cristã depois, saindo de Jerusalém eis que estamos em Nazaré das Farinhas – bela cidade do Recôncavo baiano (Brasil) que, infelizmente, poucos humanos conhecem.
O deus dos judeus, o deus dos cristãos e, pelo menos, o deus dos muçulmanos , inventaram Adão a partir do barro.

“Recorda-te de quando o teu Senhor disse aos anjos: ‘De barro criarei um homem. Quando o tiver plasmado e alentado com o Meu Espírito, prostrai-vos ante ele.” (Alcorão 38:71-72)

“....Prostrais-vos ante Adão! E todos se prostraram, menos Lúcifer...” (Alcorão 7:11)

O barro - depois de seco ao sol e ainda inanimado como uma coisa qualquer - recebeu o sopro, o anima, a alma divinos e, assim, adquiriu movimento vida, linguagem e um nome diferente , especial: Adão. Afinal, o ‘sopro’ divino nada mais foi que o ‘sopro’ da linguagem, da palavra – atributos exclusivos (ao menos até hoje – 28 de março de 2010 d C) dos seres humanos.

“Ele ensinou a Adão todos os nomes.” (Alcorão 2:31)

(Há mesmo um tipo de bairro chamado adão – é o barro adão ou barradão)



Mas, se entre judeus e cristãos existe a crença que Deus criou o primeiro humano (Adão significa primeiro humano) à Sua imagem e semelhança, os muçulmanos crêem que, apesar da importância de Adão ele não foi – segundo o profeta Maomé, criado à imagem e semelhança de Alá. Se Alá não criou Adão à sua imagem e semelhança, como aceitar que um(a) fiel à grandeza e à tradição cultural e religiosa do Islã se atreva a imitar a obra de Alá (gente, bichos e plantas), através da pintura, desenho e escultura. Dá, assim, para compreender a exuberância ímpar dos arabescos.

Plagiadores impunes da obra os deuses (dos judeus, cristãos e dos muçulmanos ...), os oleiros de Nazaré das Farinhas inventaram a tradição secular baiana da “Feira dos Caxixis” . Em Nazaré das Farinhas, esses deuses e deusas de corpos magros, esbeltos apolos e afrodites, pele negra, do Recôncavo negro, são carregadores de cruzes profanas, são artistas kafkanianos da fome, todas as fomes e de todos os jejuns.Exibem orgulhosamente suas obras divinas.


Existe um atavismo mítico (Bíblia, Corão) e científico (história da Tecnologia, das Civilizações) que une o barro e os seres humanos. Já falamos sobre o atavismo mítico. O atavismo científico aponta para a descoberta da cerâmica que, conveniada com a anterior descoberta do fogo, revolucionou a tecnologia da culinária (de alimento crus ou assados a alimentos cozidos), a arquitetura e a dinâmica e funcionalidade dos dentes humanos e do trato digestório desses mamíferos.


Para não dizer que não falei de arte: uma das cenas mais expressivas do cinema e mais competentes para representar a ‘sétima arte’ dos terráqueos em futuras (futuríssimas) competições com outros (possíveis e sonhados) habitantes do universo é do filme Ghost. (Ghost, do outro lado da vida, EUA, 1990, direção de Jerry Zucker, com Patrick Swayze e Demi More, 126 minutos) que, faz 10 anos, encanta e emociona platéias em todo o planeta Terra. A cena é o momento em que o personagem vivido por Swayze abraça por trás a personagem de Demi More e as mãos juntas dos dois dão contorno a um objeto de barro em pleno movimento giratório do torno.

Convido-vos a Nazaré , nesta Semana Santa, para, coletivamente, reinventarmos o Mundo. Até mais, até 2011, 2012, 2013 ... até a consumação e a repetição pascal dos séculos, em Nazaré ... a do Oriente e a do Recôncavo.

Vicente Deocleciano Moreira
vicentedeocleciano@yahoo.com.br
vicentedeocleciano@gmail.com

CRÔNICA DOMINICAL 28 de março de 2010

CRÔNICA DOMINICAL

Tenho observado que, aos domingos logo bem cedo, quatro, cinco horas antes das dez, muito papai sai a passear com seus filhos para que tomem sol e “fresca’. A fresca do domingo é diferente da fresca, do ar fresco, dos chamados “dias úteis” e da semana apelidada (não sem razão) de “inglesa” (o sábado).

Observo-os, estão nos quatro cantos da cidade, esses papais têm nos olhos a humilde arrogância da vingança contra os patrões (esses “pais” tão severos) de estar vivendo o domingo ... sem trabalhar ... “pernas pro ar que ninguém é de ferro”.

Vejo-lhes no sorriso a satisfação de, pequeninos, os filhos ainda estarem presos na gaiola de seu pátrio poder, da sua segurança de guerreiro vencedor da batalha da semana que passou (ou que vai começar?). Bebezinhos, levados nos braços, assim que é bom: “filho criado trabalho dobrado”. Esses zelosos papais andam pra lá e pra cá, mostram suas crias - com virtuoso orgulho - a quem vai às igrejas, templos, ashams, mesquitas e sinagogas, a Deus e ao mundo - e aos outros papais, esse mundo divino à parte.

Assobiam, sorriem, imitam cantos de pássaros, estalam os dedos para os filhotes. Não estão ‘nem aí’ para as testemunhas oculares daquele momento histórico, da tragicomédia dominical do ridículo de seus gestos e trejeitos para arrancar alguma graça, algum som engraçado de seus pequenos prisioneiros ..., ‘vítimas’ do desejo e dos quefazeres paternos. Quase parecidos com os quefazeres da maternagem.

Nunca vi mamães exibindo, publicamente - ruas, praças e matos - esses cuidados com seus filhos. Porque estou falando sobre esses homens de todas as idades e segmentos sociais que criam passarinhos em gaiolase e, aos domingos, saem por aí com suas crias engaioladas. Mulheres, nunca as vi fazendo isso.

Vicente Deocleciano Moreira

RESENHA DE LIVRO - SARGENTO GETÚLIO, João Ubaldo

RESENHA DE LIVRO
Sargento Getúlio, de João Ubaldo Ribeiro

Resenhista – Equipe PasseiWeb


Considerado sua obra-prima e já traduzido em várias línguas, Sargento Getúlio, escrito durante a década de 1960 e publicado em 1971, narra a história de Getúlio, um sargento da Polícia Militar de um destacamento sediado em Aracaju, Sergipe. De família pobre, Getúlio trabalha como feirante e engraxate para sobreviver, tornando-se depois soldado. Tendo assassinado a mulher, que o traíra com outro, busca a proteção de um chefe político de Aracaju, ao qual passa a servir como "cabo eleitoral". A mando dele executa "vinte trabalhos" (mortes). Mesmo pretendendo aposentar-se, aceita nova missão, a de prender, no interior, um adversário político do chefe. Cumprida a tarefa, Getúlio começa a viagem de retorno a Aracaju, momento em que se inicia a narração em primeira pessoa, que termina com a morte do protagonista.

Sobre este romance, João Ubaldo, afirma: Sargento Getúlio é um romance engajado — persegui esta espécie de autobiografia fantasmagórica, mas com maior distância. É, de certa forma, um retorno à minha infância, ao universo de Sergipe, com sua brutalidade, seu primitivismo ao qual dei uma dimensão mais ampla — ética e política. (Entrevista, 1987).

João Ubaldo ainda afirmou não ter jamais aspirado mudar coisa alguma na sociedade; talvez na cabeça de algum leitor. Como toda a arte, a literatura é uma forma de conhecimento, podendo, pois contribuir para que as pessoas vejam o mundo através de uma forma sugerida pelos escritores. A literatura pode, portanto, auxiliar na construção do conhecimento humano, abrindo portas. Se a literatura é invenção, a existência humana também o é.

O engajamento de que fala João Ubaldo se realiza de forma muito sutil e, em nenhum momento, compromete o valor literário do texto desta obra. Deste modo, Sargento Getúlio, escrito em 1971, não é um livro datado, resistindo ao passar dos anos. Segue desafiando os leitores por conseguir, partindo de uma temática regional — o banditismo do sertão —, atingir o universal através do questionamento existencial. O "ser ou não ser: eis a questão" shakespeareano se transforma, na pena do escritor baiano, em "levar ou não levar"o prisioneiro a Aracaju, tarefa confiada a Getúlio por seu chefe Acrísio. O autor valoriza ao mesmo tempo o pensamento mágico e popular do nordestino, associando seu impasse existencial ao de grandes personagens da literatura ocidental, como Hamlet, de Shakespeare, ou Antígona, de Sófocles. Esta é uma forma bastante sutil de compromisso literário: para denunciar uma situação de desmedida no sertão nordestino onde o poder despótico de líderes políticos não tem limites, aliciando os jagunços que torturam e matam em seus nomes, João Ubaldo centra a narrativa justamente em um matador profissional, o famigerado Sargento Getúlio, procurando flagrar, através do seu dilema, um mundo em transição.

O autor estrategicamente vai encontrar uma saída para que a obra não se esgote na batida dicotomia civilização x barbárie, cidade x campo, apontando uma terceira via para situar o dilema do "herói", em sua decisão de não acatar as ordens de Acrísio de abortar a "missão" que lhe havia sido confiada. Para além da simples denúncia de uma situação de atraso ainda vigente no sertão nordestino enquanto o Brasil se modernizava, o autor complexifica a situação heroicizando a figura de Getúlio, matador profissional, portanto fora-da-lei, e conferindo-lhe uma espessura de personagem trágica. Ao recusar-se a cumprir as contra-ordens de seu chefe e ao obstinar-se em executar sua missão a personagem surpreende o leitor, até então horrorizado com as brutalidades que pratica em relação ao prisioneiro. A surpresa vem do inesperado de um personagem rude possuir e respeitar um código de ética comparável a de personagens do teatro clássico grego e que se verifica inexistente nos líderes políticos corruptos que lhe dão ordens, ficando evidente que são esses últimos e não Getúlio o alvo da crítica mordaz de João Ubaldo. O respeito a essa deontologia internalizada coloca Getúlio em um patamar superior ao dos chefes políticos e citadinos que o comandam.

Verifica-se, pois uma tentativa do autor de penetrar na lógica "outra" de Getúlio que, inserido no mundo arcaico do sertão, rege-se por um pensamento mágico e sacralizado, não conseguindo entender as mudaças que se operam no Brasil moderno, regido por uma ordenação racional e utilitarista. Neste sentido, a produção ficcional de João Ubaldo Ribeiro constrói-se em consonância com o que há de melhor na literatura latino-americana, como Cem anos de solidão (1967) de Gabriel Garcia Marquez. Na visão do autor colombiano, uma comunidade, Macondo, é varrida do mapa por um furacão junto com toda a geração dos Buendia, simbolizando o desaparecimento da cultura autóctone, alicerçada no maravilhoso. No choque entre o mágico e o racional, entre o arcaico e o moderno, o coronel Aureliano Buendia e sua numerosa decendência desaparecem sem desaparecer, pois suas peripécias ficam preservadas na memória da comunidade. Getúlio, como Aureliano Buendia, encarna o dilaceramente entre dois mundos. Ambos acabam, ao morrer, desafiando as exigências da modernização, por virar lenda, isto é, tendo suas histórias transmitidas pela tradição oral e popular, o que é uma maneira de não morrer.

Como pode-se observar, Sargento Getúlio é uma narrativa de complexa formulação pois está centrada em um longo monólogo (quebrado por alguns diálogos) do sargento da Polícia Militar do Sergipe, Getúlio Santos Bezerra. Sua linguagem é a “variante caboclo-sertaneja”, da qual já se valera Guimarães Rosa, porém acrescida de inúmeros vocábulos do padrão culto do idioma, adulterados pela fala ingênua e criativa do protagonista-narrador: “esguincho”, “almospenados”, “sinfetar”, “consumições” etc.

Ao figurar a voz do Sargento Getúlio, João Ubaldo Ribeiro procura torná-la expressiva do mundo interior do personagem - de sua perspectiva, de seu modo de pensar e de “enxergar a realidade”. Para concretizar seu intento, João Ubaldo propõe uma situação narrativa que se apóia na “fala” de Getúlio. Optando por encenar tal fala, o escritor se vale de modismos e fórmulas populares, nem sempre se distinguindo as expressões de uso geral das contribuições nitidamente regionais - misturando-se a ambas, ainda, as que resultam da “invenção” do escritor. Essa oralidade construída por João Ubaldo Ribeiro constitui um dos recursos mais eficazes para a figuração da identidade existencial e social do seu personagem: servindo-se dos processos expressivos comuns à linguagem falada - como a intensificação e a repetição -, o escritor imprime ao relato de Getúlio um tom extremamente brutal, que reflete com agudeza a enorme carga afetiva que ritma a fala de Getúlio.

Entretanto, a voz do Sargento Getúlio não lhe assegura um destino diferente daquele reservado à “muda” nordestina: Getúlio também morre justamente no momento em que se insurge como sujeito, arriscando-se a construir uma história própria. Sob esse viés - ao qual se acrescenta o da “resistência inconceptível” -, Macabéa e Getúlio revivem o destino dos sertanejos retratados em Os sertões, dizimados pelo Brasil litorâneo quando buscavam a concretização de um projeto afeito às peculiaridades do Brasil interior.

Defendendo a individualidade e a autonomia que acabara de conquistar, o Sargento Getúlio enfrenta, sozinho - resistindo até a exaustão -, o cerco que lhe fazem os soldados do governo. Desta forma, o sertanejo Getúlio constitui uma outra versão do “lutador fantástico” que desafiava de modo tão cabal os esquemas interpretativos de Euclides da Cunha, em Os sertões.

Na figuração do sertanejo proposta por João Ubaldo, é o “lutador fantástico” Getúlio que fala, desvendando a visão de mundo e o imaginário do jagunço sertanejo. Num discurso ininterrupto e tortuoso, Getúlio desvela, então, sua valentia e crueldade, suas contradições e fragilidade - aspectos que, característicos da plebe rural brasileira, traçam igualmente o retrato do sertanejo feito anteriormente por Euclides da Cunha.

Muito semelhante a O coronel e o lobisomem, seja na linguagem, marcada pela variante caboclo-sertaneja, seja na estrutura narrativa, pois, como o coronel Ponciano, Getúlio narra sua própria morte, a obra de João Ubaldo Ribeiro apresenta também um claro conflito entre o mundo da cidade e o do sertão. Produto deste, Getúlio não entende as manobras dos políticos e marcha de forma inevitável para o trágico fim.

Getúlio é jagunço (“cabo eleitoral”) de um importante chefe político de Aracaju, Acrísio Antunes, para quem já efetivara “vinte trabalhos”, isto é, vinte mortes. Quando cogita se aposentar, recebe sua última incumbência: prender um adversário político do interior de Sergipe, (um udenista), e levá-lo para Aracaju. Getúlio narra então – não sabemos exatamente para quem – as peripécias da viagem e a sua própria vida. Através dos longos fluxos de consciência do sargento e sob relativa desordem temporal, sabemos que ele era de origem pobre, trabalhara como engraxate e feirante no interior, tornando-se depois soldado. Tendo assassinado a mulher, que o traía, buscara a proteção de Acrísio Nunes, sendo por sua lealdade contemplado com as divisas de sargento da polícia militar.

No plano presente, Getúlio avança com o prisioneiro do sertão para o litoral. Viajam num velho automóvel, um “hudso”, dirigido por Amaro, motorista e amigo inseparável do sargento. Como jagunço, o narrador nada pode ou quer interrogar. Só conhece ordens, as quais deve obedecer. Socialmente, ele é uma vítima do coronelismo ainda remanescente na década de 1950, quando se passa a ação do romance. Individualmente, é um exterminador, corajoso, fiel, inocente, alternando gestos de incrível violência com explosões de humanidade.

O trágico é que Getúlio precisa avançar sempre, incapaz de entender que, em Aracaju, seu chefe, pressionado pela imprensa e por autoridades superiores, resolvera emitir contra-ordem, mandando libertar o prisioneiro. O jogo político e as mudanças que se verificavam no país são incompreensíveis à mente rústica do sargento, que resolve levar a cabo sua missão de qualquer maneira. Neste momento, e sem que ele saiba o porquê, virou um estorvo e precisa ser eliminado.

Uma das cenas marcantes do romance ocorre quando o padre – também ligado à brutalidade do universo sertanejo – adverte Getúlio, a quem admira, de que este deve sumir. A resposta do sargento vem num jorro de palavras que traduzem sua perplexidade:

Eu sumir, eu sumir? Como que eu posso sumir, se primeiro eu sou eu e fico aí me vendo sempre, não posso sumir de mim e eu estando aí sempre estou, nunca que eu posso sumir. Quem some é os outros, a gente nunca. (...) Depois o chefe me mandou buscar isso aí, e eu fui, peguei, truxe, amansei, e vou levar mesmo porque que o chefe agora não possa me sustentar, eu levei o homem, chego lá entrego. Entrego e digo: ordem cumprida. Depois o resto se agüenta-se como for, mas a entrega já foi feita, não sou homem de parar nomeio. (...) Nem que eu estupore. Quero ver esse bom em Aracaju que me diz que eu não posso, porque eu sou Getúlio Santos Bezerra e igual a mim ainda não nasceu. (...) Corro, berro, atiro melhor e sangro melhor e luto melhor e brigo melhor e bato melhor e tenho catorze balas no corpo e corto cabeça e mato qualquer coisa e ninguém me mata. E não tenho medo de alma, não tenho medo de papafigo, não tenho medo de lobisomem, não tenho medo de escuridão, não tenho medo de inferno, não tenho medo de zorra de peste nenhuma.

Após vários acontecimentos sangrentos, que passam inclusive pela degola de um tenente que fora detê-lo, Getúlio, sempre arrastando o “udenista-comunista”, aproxima-se de Aracaju. Por vezes, perde a lucidez e mergulha em delírios. Chega a imaginar que tem a seu lado um magnífico exército, cujo comandante é tão valente que persegue São Jorge pelo sertão sergipano. Nas imediações de Aracaju, enfrenta uma força militar que termina por abatê-lo. Surpreendentemente, o sargento narra a sua própria morte.

Getúlio sai de casa, isto é, de um mundo arcaico, regido por um código semi-feudal de conduta e marcha para um outro mundo, o urbano, onde se celebram acordos e pactos políticos completamente absurdos para sua mente sertaneja. Esta é a viagem mais profunda do romance. Uma viagem entre dois tempos históricos diversos que se chocam sem alternativas de conciliação.

José Hildebrando Dacanal, o principal analista desta perturbadora narrativa, mostra o caráter trágico de Getúlio: A inevitabilidade de sua trajetória. O protagonista percebe que a realidade foge-lhe aos pés, mas não pode recuar:

Não gosto que o mundo mude, me dá uma agonia, fico sem saber o que fazer.

Avançar rumo ao litoral com um homem que não interessa mais ao chefe político manter como prisioneiro é o destino de Getúlio. Para ele, as ordens de Acrísio só podiam ser desfeitas pelo próprio Acrísio. É um código de honra que não tem mais sentido no Brasil urbano. Preso a valores condenados pela modernização do país, só resta ao sargento a autodestruição. E ele morre como símbolo de um mundo condenado ao desaparecimento:

Eu sou sargento da Polícia Militar do Estado de Sergipe. Não sou nada, eu sou é Getúlio. (...) Eu não sou é nada.



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O terremoto no centro de São Paulo - Marta Suplicy

O terremoto no centro de São Paulo
Marta Suplicy

(Transcrito do jornal Folha de São Paulo. São Paulo, quarta-feira, 17 de março de 2010., p. A3)


Fica claro nessa tragédia que se tornou o centro de São Paulo que ela é produzida por ação humana, pelo despreparo da atual gestão. Estes são dias tristes, em que países do nosso continente vivem a tragédia que desastres da natureza podem impor a uma sociedade. Solidarizamo-nos da maneira mais intensa com nossos irmãos haitianos e chilenos, que precisam enfrentar enorme desafio para refazer seus mundos.

Mas é importante lembrar que São Paulo, nossa cidade, também vive momentos dramáticos e que afetam profundamente a muitos dos que aqui vivem, direta ou indiretamente.

E, para tornar essa situação ainda mais triste, o que vivemos aqui é consequência de ações e omissões humanas. Nosso desastre, diferentemente do que acontece no Haiti ou no Chile, foi criado aqui mesmo.

Como explicar que um universo estimado em aproximadamente 650 pessoas sem lugar nos abrigos em 2002 tenha se multiplicado e se transformado hoje em um mundo de cerca de 6.000 pessoas sem ter lugar para onde ir? São pessoas que vagueiam pelas ruas do centro, sob viadutos, expondo sua miséria diante de nossos olhos, onde quer que olhemos nessa São Paulo de 2010. Essas pessoas não são importantes por não terem renda, emprego, domicílio?

Quem, de fato, se preocupa com uma cidade, se preocupa com o todo, jamais só com as partes, em especial as mais privilegiadas. Por isso mesmo, uma cidade digna busca o bem comum, cria programas que igualem ou reduzam as desigualdades. Isso não se faz para alguns. Se faz porque todos vivem a cidade, todos precisam de uma cidade mais humana.

Não é assim que pensa a atual administração, e as consequências são desastrosas, mesmo que não haitianas -ainda.

Como explicar de outra maneira que a maravilhosa Oficina Boracea tenha sido desativada por quem hoje governa São Paulo? Numa área de 17 mil m2, eram atendidas 2.000 pessoas por dia: abrigo, refeição, telecentro, atendimento especial para idosos, oficinas profissionalizantes e até canil para os carroceiros. Sim, a prefeitura via os carroceiros como pessoas com direitos, e, como eles tinham cachorros e esses cachorros eram importantes para eles, o abrigo incluía canil. Quem pensa assim pensa no todo e no bem para todos. É isso o que vemos na cidade hoje?

Havia um conjunto de ações voltados à emancipação e à proteção de 490.401 famílias na cidade. O que vemos agora é que o Renda Mínima, que, somado a mais benefícios sociais (Bolsa Família, Bolsa Escola e Renda Cidadã, sem dupla contagem, atendia um universo de 323.792 famílias, hoje deixa de atender muitos.

Segundo o Ministério do Desenvolvimento Social, 327.188 famílias pobres da cidade poderiam estar recebendo o benefício hoje. Mas só 169 mil famílias recebem. Motivo: a prefeitura não cadastrou as famílias pobres que teriam direito. Pior, deixou de atualizar o cadastro das que recebiam o benefício e, com isso, 65.300 famílias que recebiam o Bolsa Família tiveram o benefício cancelado.

Bolsa Trabalho e Começar de Novo foram extintos. Vemos o Bolsa Aluguel funcionando apenas por exigência do Ministério Público. Vemos CEUs deixando de ser construídos e com os sistemas de inclusão social para a comunidade reduzidos.

O que fica claro nessa tragédia que se tornou o centro de São Paulo é que ela é produzida por ação humana, pelo despreparo da gestão Serra-Kassab para o social. Como diz a pesquisadora Camila Giorgetti em reportagem desta Folha (1º/3), a inadequação dos programas sociais desenvolvidos atualmente pelo poder público é a principal causa do fenômeno do aumento de moradores de rua em SP.

O que afinal pretende quem desmantela bem-sucedidos programas sociais ou abandona um empréstimo de US$ 100 milhões do BID, que beneficiaria profundamente a cidade, permitindo a recuperação de vários prédios para habitação popular, a construção de dois piscinões, no centro, além do resgate de áreas degradadas? Em nome do que isso acontece, além da ganância, da especulação imobiliária e do pouco se importar com a situação dos que têm menos?

A lição que fica: a recuperação do centro de uma cidade implica soluções para os mais frágeis, criar habitação para todos os níveis sociais, utilizar com determinação e ousadia os recursos disponíveis para a melhoria da qualidade de vida dentro de projetos criativos e inovadores.

Os problemas do centro podem parecer localizados e de alguns, para alguns. Mas eles atingem a todos, independentemente de onde vivam, do que pensem, de em quem votem. Diante da indignidade e do sofrimento de uns, sofrem todos os que pensam e sentem a cidade como algo vivo, para todas as pessoas. Em especial em uma cidade criada por todos, para todos, como essa nossa São Paulo.


MARTA SUPLICY foi prefeita da cidade de São Paulo pelo PT (2001-2004) e ministra do Turismo (2007-2008).

sábado, 27 de março de 2010

AGUAONIA OCULAR DE UMA CIDADE CEGA (5) - FINAL

AGUAONIA OCULAR DE UMA CIDADE CEGA (5) - FINAL
SECA, AGRESSÕES AMBIENTAIS E QUALIDADE DE VIDA EM
FEIRA DE SANTANA (BAHIA) - SÉCULO XIX - SÉCULO XX

Vicente Deocleciano Moreira
vicentedeocleciano@yahoo.com.br
vicentedeocleciano@gmail.com
http://www.viverascidades.blogspot.com

(FINAL)



A premência de dotar Feira de Santana de um sistema de abastecimento d'água ao menos alternativa aos serviços dos aguadeiros, obrigou que o Poder Público ensaiasse diversas tentativas de resolução - fracassadas, diga-se de passagem entre 1875 e 1917


Em 1875, a Câmara aprovou convênio entre o Municípi~ e os senhores Raimundo e Manoel Barbosã de Sena, visando a implantação de um sistema dé aquedutos.
Esse projeto, que tentava resolver o problema da distância entre a lagoa e as residências, nunca foi executado. Em outros exemplos, entre 1889 e 1917, diversos planos municipais que previam a construção de fontes públicas não saíram do papel; nem mesmo quando se cogitou, pela primeira vez, da instalação de água encanada, 1917, conseguiu-se êxito. Esta primeira tentativa (água encanada) buscava atrair a iniciativa: privada para modernizar o abastecimento. Os incentivos oferecidos pelo Poder Público, porém, não despertaram o interesse do empresariado.
Informação datada de 1897, dá conta da existência de uma bomba localizada no final da Rua dos Olhos d' Água, continuação da Praça Quinze de Novembro, que extrahe água para a via férrea central e próxima a linha do percurso. (O PROPULSOR, 13/03/1897) Outras ações governamentais desfilavam na luta contra a seca, inclusive em inícios do século XX, a exemplo de cataventos e perfuração de poços tubulares, iniciadas em 1912 em diversas praças. Em 1913, havia seis desses poços em Feira de Santana. Se, de um lado, o Governo buscava soluções as mais diversas, de outro, o povo se valia da escavação de poços para usos residenciais e comunitários.
Mesmo com água correndo nas torneiras residenciais e comerciais, ainda hoje casas e até restaurantes e hotéis se valem, paralelámente, da água do poço cavado no quintal.


Em 1912, os governos municipal e estadual, consorciados, estudaram a construção de uma barragem no rio J acuípe a fim dé que dela derivasse um açude para amenizar os efeitos da seca, principalmente sobre a agricultura. Nesse mesmo ano, o vereador Auto Reis propôs a intermediação do intendente num pedido ao Governador do Estado e ao Ministro da Agricultura para que fossem implantados em Feira de Santana sistemas de irrigação. A proposta foi aprovada por unanimidade. (FEIRADESANTANA, 1912). Naquelemes.mo ano,- a Jntendência Municipal recebeu proposta do Sr. Chagas Dória, presidente da Compagnie des Chemins de Fel' Federoux, de


levar os trilhos da Estrada de Ferro Central da Bahia à ponte da Navegação Bahiana na Cachoeira e a estabelecer um horário que permitia viagens directas da Capital à Feira de Sant'Anna
(FEIRA DE SANTANA, 1912).



Tal episódio foi avaliado como um "sinal de desenvolvimtmto" para Feira de Santana. Não fosse a frustração causada pela ausência de água encanada, este sinal seria pleno, com-pleto. Acreditava-se que à água encanada se seguiriam"m{:lhoramentos, "progressos", como iluminação e esgoto públicos ... numa cidade cuja população crescia a olhos vistos.


Em sua sessão ordinária (ainda em 1912), o Conselho Municipal deliberou a abertura de concorrência pública para o abastecimento d' água, argumentando porém que o Muriicípio não dispunha de condições financeiras para arcar com semelhante encargo. Poderiam concorrer empresas, companhias ou pessoas físicas. O proponente que melhores vantagens . oferecesse, receberia alguns benefícios... dentre ges o monopólio do abastecimento.


Em 1921, o Intendente Bernardino Bahia enviou mensagem à Câmara, alertando o Conselho para que medidas urgentes fossem tomadas a fim de resolver o problema da falta de canalização da água. O Intendente argumentava que a cidade era das mais belas e progressistas no setor comercial, sendo imprescindível este serviço. As comissões da Fazenda e Obras Públicas elaboraram projeto de lei (e apresentaram-no ao Conselho) que autorizava o Intendente a contrair empréstimo de quatrocentos contos de réís para as obras de canalização da água potável. Para realizar ôs estudos técnicos preliminares, o Intendente convidou o engenheiro Teodoro Sampaio. O engenheiro identificou, no lençol subterrâneo de Feira de Santana, . a viabilidade técnica (e econômica) do projeto.


Era a aguaonia de uma cidade, obcecada pelo "progresso", mas também dedicada à luta pela água tratada e de qualidade superior à das lagoas e fontes, vendida pelos aguadeiros. A água encanada era uma premente necessidade não só para residências, estradas, mas também para o Mercado Municipal (inaugurado em 1915, atual Mercado de Arte), principalmente nos dias de feira livre. Nesses dias, um maior número de pessoas exigia água com facilidade para beber, lavar pisos e balcões das barracas do Mercado e servir os sanitários... proporcionando maior higiene para o local.


De 1930 até final da década de 40, nosso levantamento encontrou um vazio de informações sobre abastecimento d' água no arquivo da Câmara Municipal de Feira de Santana. Isto se' deveu à supressão das câmaras municipais e outras instituições democráticas pelo governo de Getúlio Vargas. Em Feira de Santana, somente em maio de 1948 foi eleita uma nova câmara. .


Em 1951, a Associação Comercial de Feira de Santana solicitou, do Governo Federal, recursos financeiros para obras de água encanada e saneamento básico. Em fevereiro de 1952,' foi convocada uma sessão extraordinária da Câmara, em que o Conselho Municipal foi informado da doação de dez milhões de cruzeiros pelo Governo Federal para as mencionadas obras. Nos discursos de agradecimento pela doação, os vereadores ressaltaram que Getúlio Vargas cumprira promessa feita em comício de campanha, em Feira de Santana, no sentido de colaborar com a implantação da água encanada. Nessa mesma sessão, foram também elogiados o ministro Simões Filho e o deputado Carlos Valladares. Além dos elogios, os vereadores criaram comissão (formada pelo Prefeito Municipal, Presiden~ te do Conselho da Câmara, vereadores Francisco Pinto e Wilson Falcão, e Francisco Caribé - presidente da Associação Comercial) para ir à Capital Federal (Rio de Janeiro) agradecer a doação em nome do povo feirense.


CONSIDERAÇÕES FINAIS


Os fracassos dos planos municipais mais ambic~osos não -~esanimljIam o projeto de modernizar o abastecimento d' água de Feira de Santana. Nos dois últimos séculos, o Poder Público reparou e construiu fontes, poços, chafarizes e cataventos d' água (havia um desses cataventos na Praça Bernardino Bahia), tomou empréstimos, recebeu doações, realizou obras de saneamento básico, abertura de aguadas, concessões e desapropriações para fins de abastecimento, realizou obras diversas na Lagoa do Prato Raso, Fonte do VaIado, Tanque da Nação, Fonte do Mato, etc.



Através da água encanada (1952) e mais tarde com a industrialização (década de 70), Feira de Santana, passava a olhar para os horizontes do tal "progresso" que dava às costas definitivamente para os rios, nascentes e lagoct-s, destinando-Ihes mais de meio século de promessas não cumpridas, abandono e degradação'ambiental. Uma visível ingratidão com esses aqüíferos cuja perenidade (maior ou menor em meio a severas e constantes estiagens) tomou possível a civilização feirense. lnjustificadamente, o advento da água encanada marcou o início do esquecimento e do abandono definitivo das lagoas, rios e nascentes por parte dos poderes públicos, municipais, estaduais e federais. Fascinada pela comodidade políticaJopedlcional/sanitária da água encanada, Feira de Santana não tinha mais olhos, estava cega, para os mananciais que, ao lado da feira livre, até então justificavam os títulos de Princesa do Sertão e Feira de Santana dos Olhos d' Água.



Em meio a inúmeros exemplos de lagoas que - desprezadas pelos poderes públicos - foram aterradas, cegamente, peIas invasões dos pobres, pelos conjuntos residenciais e comerciais e pelas invasões dos ricos, destacamos apenas o caso da Lagoa Grande. Em 7 de novembro de 1986, o jornal A Tarde, de Salvador, veiculou a seguinte notícia:


O Parque Lagoa Grande é outro projeto que o EPI executou e será viabilizado ainda este ano de 86, pois segundo Lodtone, o prefeito José Falcão da Silva quer entregar à comunidade o parque como mais uma alternativa de lazer. Esclareceu Lodtone que a Lagoa Grande sofrerá uma total limpeza e o projeto inclui bosques, área de camping, quiosques, quadras polivalentes, ginásio de esportes, postos periféricos, além de um estacionamento com grande capacidade para absorver o volume de veículos que levarão as pessoas até o parque.



Nada disso foi realizado. A Lagoa Grande, e também a do Prato Raso, eram visíveis - na década de 80 - por todos quantos passassem pelas avenida do Contorno e (atual) José Falcão. Hoje encontram-se totalmente amesquinhadas, aterradas e ocupadas pela vegetação.


Em meados de 1991 - o ano que foi marcado pelo retormo, da cólera - ambientalistas, professores da Universidade Estadual de Feira de Santana que integravam a equipe do Projeto Nascentes, Lagoas e Rios de Feira de Santana e tantos outros levaram o acintoso aterro da Lagoa do Prato Raso à Justiça. , Prestaram depoimento à Curadoria do Meio Ambiente. Entretanto, a lagoa foi aterrada pelo lixo, pelos entulhos e pelos interesses vorazes e estranhos às necessidades ambientais e .socioeconôrnicas da maioria.


A década de 90, século XX, mais precisamente em 1991 e ,1993, começou com as agruras de mais um período de seca, vitimando gente, animais e plantações e elevando os preços de gêneros alimentícios. E, em muitos lugares encarecendo a própria água ainda vendida sobre as quatro patas dos burros, e sobre as quatro rodas dos caminhões-pipa. Como assevera o dito popular, "tudo como era dantes no "mísero povoado" .., quero dizer, "no quartel de Abrantes". As lagoas que antes matavam a sede de água e de banho de gente e animais, hoje servem de cJoaca para gado e gente. Os leitos das lagoas - a exemplo do que acontece nos bairros Lagoa Salgada e Novo Horizonte - vêm sendo escavados para a fabricação de tijolos pelas cerâmicas, muitas delas livre e escancaradamente construídas nas margens destes mananciais.
A aguaonia ocular e a cegueira de uma cidade sem olhos d'água e sem saúde. E sem memória.



REFERÊNCIAS


FEIRA DE SANTANA. Arquivo Municipal. AtÇls da Câmara, 8 de abril de 1886.

FEIRA DE SANTANA. Arquivo Municipal. Atas da Câmara, 5 de fevereiro de 1890.

FEIRA DE SANTANA. Arquivo Municipal. Atas da Câmara, 27 de março de 1890.

FEIRA DE SANTANA. Arquivo Municipal. Atas da Câmara, 10 de fevereiro de 1892.

FEIRA DE SANTANA. Arquivo M\lnicipal. Livros de Atas da Câmara, 1912, p. 0005 v)

FEIRA DE SANTANA. Câmara de Vereadores. Atas da Câmara, Feira de Santana, 1912, p. 0007.

FEIRA DE SANTANA. Arquivo Municipal. Livro de Requerimento e Despacho, 1915~1916, p. 23.

FOLHA DO NORTE, Feira de Santana, 5 de outde 1940-crôriicas da vidafeirense de 5 de outubro de 1923.

FOLHA DO NORTE, Feira de Santana, edição de 5 de março de 1938.

FOLHA DO NORTE, Feira de Santana, 17 de agosto de 1940.

MOREIRA, Vicente Deocleciano. Feira de Santana, 1819: sem águas de março. jornal Feira Hoje. Feira de Santana, 21 de março de 1993,p. 4.

O PROPULSOR, Feira de Santana, 13 de março de 1897.

O PROPULSOR, Feira de Santana, 29 de agosto de 1898.

O PROPULSOR, Feira de Santana, 12 de fevereiro de 1899.

O PROPULSOR, Feira de Santana, 12 de março de 1899 O PROPULSOR, Feira de Santana, 3 de dezembro de 1899 ..

O PROPULSOR. Feira de Santana, edições de 18 e 30 de julho de 1899 e de 25 de novembro de 1900.

O PROPULSOR, Feira de Santana, 28 de janeiro de 1900.

A TARDE, Salvador, 7 de novembro de 1986.

VALDOMIRO SANTANA LANÇA LIVRO HOJE, SÁBADO, DEPOIS DAS DEZ HORAS NA LDM - DIREITA DA PIEDADE - SALVADOR

LIVRARIA LDM, VALDOMIRO SANTANA e FRANCISCO FERREIRA DE LIMA CONVIDAM PARA O LANÇAMENTO DAS OBRAS

O BRASIL, de Gabriel Soares e outros viajantes

LITERATURA BAIANA - 1920 - 1980, de Valdomiro SANTANA


SÁBADO, DIA 27 DE MARÇO - A PARTIR DAS 10 HORAS.
LOCAL - LIVRARIA LDM
RUA DIREITA DA PIEDADE, 22 - PIEDADE - CENTRO
SALVADOR - BAHIA - BRASIL
(próximo à Secretaria de Segurança Pública e ao Banco do Brasil)
informações - (71)2101 - 8007/8000
Postado

sexta-feira, 26 de março de 2010

SALVADOR (BAHIA - BRASIL) 461 ANOS - 1549-2010

SALVADOR (BAHIA - BRASIL) 461 ANOS - 1549-2010


NA SEMANA QUE COMEÇA DIA 29, PRÓXIMA SEMANA, ESTE BLOG ESTARÁ HOMENAGEANDO A PRIMEIRA CAPITAL DO BRASIL COM POSTAGENS DE REFLEXÕES SOBRE SEUS ASPECTOS HISTÓRICOS, SOCIO-ECONÔMICOS, URBANÍSTICOS E CULTURAIS

AGUAONIA OCULAR DE UMA CIDADE CEGA (4)

AGUAONIA OCULAR DE UMA CIDADE CEGA (4)
SECA, AGRESSÕES AMBIENTAIS E QUALIDADE DE VIDA EM
FEIRA DE SANTANA (BAHIA) - SÉCULO XIX - SÉCULO XX

Vicente Deocleciano Moreira
vicentedeocleciano@yahoo.com.br
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(CONTINUAÇÃO)


Lagoa do Prato Raso


Em edição de S de agosto de 1940,.a Folha do Norte reportando-se a notícias de igual data de 1822 - informa que a Câmara notificou Benigno Vidal, responsável pela construção do pontilhão integrante da estrada que ligava o centro da cidade ao então subúrbio (hoje bairro) 40 Sobradinho. A obra não oferecia "solidez necessária" e seu construtor foi notificado para que, em breve, “realise de pedra e cal semelhante obra, . sob pena de repor tudo a seu primitivo estado”.


Sob a ponte passavam (e continuam passando) as águas que vêm do riacho Prato Raso (Riacho Principal ou Riacho do Meio). A Lagoa do Prato Raso não mais existe: sucumbiu a uma invasão (esgoto a céu aberto, crianças doentes, muriçocas e outros insetos) que, dia após dia, liga o bairro da Queimadinha à Avenida José Falcão - sem que ninguém se indigne ou se espapte com tamanho absurdo. A lagoa vem sendo, há décadas, soterrada e os "terrenos" vendidos impunemente como se continua vendendo "lotes" às margens de tantos outros aqüíferos e nascentes localizados em Feira de Santana.


O Riacho do Meio (na verdade, é o Esgoto do Meio), recebe o esgoto da elegante Avenida Maria Quitéria e adjacências - esgoto que invade a poça na qual estão mergulhados os pés das lavadeiras da fonte de Lili. Esse esgoto segue adiante, invade o que resta da Lagoa do Prato Raso ... passa pelo Centro de Abastecimento ... e vai em frente... deixando por onde passa as marcas dessa tragédia ambiental e sanitária, invisível para os olhos que não querem ver. Resta a alvenaria, citação da arqueologia urbana feirense construída em 1822. A Lagoa do Prato Raso, a exemplo dós demais corpos d'água de Feira de Santana, sempre esteve 'a carecer de cuidados e higiene. Por exemplo, em 5 de fevereiro de 1890 há mais de um século, portanto - a comissão de obras da Câmara foi autorizada a fazer o orçamento necessário


para limpar e cavar a lagoa denominada "Prato Raso" - sita ao entrar n'esta cidade pela estrada de S. José. Mandou-se que fosse rigorosamente observada a postura que prohibe escavações' no perímetro da cidade, e dos arraiais do Município (...)
(FEIRA DE SANTANA, 1890)


Observa-se que, pelo menos até a primeira metade do século XX, a Lagoa do Prato Raso estava localizada fora .do perímetro urbano de então, ou seja, na estrada de São José (hoje, se ainda estivesse viva a lagoa se situaria em pleno centro da cidade, avenida José Falcão). Na verdade, tratava-se de um espaço suburbano, tanto quanto o era o subúrbio (atual bairro) do Sobradinho. O orçamento para as obras da lagoa mostrou-se proibitivo aos cofres municipais que, por - isso mesmo, foram socorridos pelo Governo Provincial da Bahia em quatro contos de réis. Metade dessa verba destinava-se às obras da lagoa, e metade para pagar os retirantes (como eram chamados os migrantes) das frentes de trabalho contra a seca.
Na segunda quinzena de março de 1890, as obras da Lagoa do Prato Raso estavam em pleno andamento. Mas, por usarem explosivos, essas obras não raras vezes feriam os trabalhadores. Havia outros prejudicados, a exemplo de Pedro Gomes de Sá que requereu indenização (quinhentos mil réis) pois era das pedras do leito da lagoa que ele tirava a sobrevivência. O Intendente indeferiu o pedido, alegando que a lagoa era de servidão pública, há muito tempo O Poder Público Municipal tentava - a s~u modo e sob as limitações de tecnologia e de consciência ambiental da época - enfrentar os problemas de abastecimento d'água e de preservação das lagoas e fontes. Esta avaliação é pertinente quando estamos nos referindo às administrações entre 1833 e meados do século XX; não justifica, porém, o abandono e a indiferença com que as administrações das últimas décadas daquele século trataram as lagoas e mananciais da cidade e do município de Feira de Santana. O fato de se tratar de administrações mais informadas sobre questões ambientais e com mais recursos financeiros e humanos tende a tornar mais ácidas as críticas ao quadro ambiental e sanitário do município.


O Poder Público Municipal


As primeiras leis e posturas elaboradas pela Câmara Mu- nicipal de Feira deSa~tana, no momento de sua instalação em 18 de setembro de 1833, privilegiaram a problemática, diríamos hoje, ambiental das lagoas. Essa atitude alcançava, também e por extensão, a questão do abastecimento d'água que até 1952 (ano da instalação da água encanada em Feira de Santana, vale lembrar) dependia exclusivamente das lagoas. Em 1833, a Câmara proibia que fosse jogado tinguí (ou timbó) nas lagoas e rios. Esse arbusto, inofensivo para o homem, era mortal para os peixes; daí seu uso freqüente pelos pescadores ... um hábito herdado dos índios Paiaiá que viviam na região antes-da chegada dos colonizadores. Reunida em sessão extraordinária, em 8 de abril de 1886a Câmara estabeleceu as seguintes Posturas:



É prohibido lançar nos rios, lagoas, ou outras quaisquer aguadas animais mortos ou matérias nocivas a saúde, sob pena de dez mil reis ao contraventor (...) A ninguém permittido embaraçar o transito publico ou obstruir de qualquer modo as ruas e calçadas d' esta cidade e dos arraiais, as estradas, tanques, rios, fontes publicas e passagem do município, sob pena de cinco mil reis de multa ao contra, e este, avisado pelo fiscal, não fiser a remoção do embaraço que causa a obstrução será aquella feita, e por ordem da câmara, a custa do me.ymo contraventor (.~.) " Depois dá publicação das presentes posturas, ninguém poderá ter carros, carroças ou animais para conducção de gêneros ou materiais, ou para vendagem d'água, sem que primeiro não obtenha a reSpectiva matricula na procuradoria da câmara pagando dois mil reis por carroça, e mil reis por cada animal, em prejuiso do imposto orçamentário. Ao infractor será imposta a multa de cinco mil reis (,..)
(FElRADE SANTANA, 1886). .


Em 1855, durante a epidemia de cólera, o Legislativo Municipal pagou homens para que queimassem arbustos aromáticos, com vistas à purificação do ar, já que então considerava-se os eflúvios emanados pelas lagoas e pântanos (miasmas)\ como causas da mencionada doença. Em 1 Q de março de 1888 a Câmara, em sessão ordinária, fixou t~é} de dois mil réis (100% de aumento em relàção à taxa piáti:cada em 1886) por animal utilizado na venda de água, em barris, na cidade, O jornal O Propulsor (edição de 12 de março de 1899) publicou o seguinte aviso, de conteúdó policial:


AVISO

Não poderão os aguadeiros e carroceiros andar de manguá com cabo de pau, salvo se for fino e com um palmo de tamanho, nem ,também soltar os animaes ou espanca l-os. Feira 8-3-89. Alferes Fonseca
(O PROPULSOR, 12 de março de 1899).


‘Manguá’ era a correia usada para açoitar os animais. Curiosamente, dois anos depois (sessão ordinária de 20 de março de 1990), um vereador solicitou medidas visando proteger os animais que conduziam carroças com barris d' água. Na competição por fregueses os aguadeiros maltratavam e espantavam,som perversidade, os animais para que fossem mais rápidos e eficientes - o que deixava o povo e ,os políticos indignados.


A gravidade da situação, criada por repetidos episódios de seca e suas conseqüências socioeconômicas e políticas, obrigava que o Poder Municipal tomasse empréstimos, buscasse soluções, não só através de construção e reparos de fontes e aguadas, mas com a ampliação do~ mananciais. Reuniu esforços para implantar um sistema de abastecimento d'água moderno (para a época) e alternativo aos tradicionais serviços dos aguadeiros.


As fontes públicas e particulares seccam progressivamente e, para obter-se água potável, já vae-se tornando necessário o empenho por parte de pessoas 'gradas que pessoalmente vão ou mandam pedil-a ao coronel Miguel Ribeiro que, por sua vez, não pode attender a todos devido a escassez desse necessário líquido, outr' ora tão abundante, na conhecida fonte do "Vallado".
A continuarmos sem chuvas por mais alguns dias teremos de, muito em breve breve, recorrer à Estrada de F erro para trazer-nos água de outros mananciaes. (...) Va-Lha-nos Deus
(O PROPULSOR, 1900).


(AMANHÃ, SÁBADO, DIA 27 DE MARÇO, FINAL DO ARTIGO)

quinta-feira, 25 de março de 2010

AGUAONIA OCULAR DE UMA CIDADE CEGA (3)

AGUAONIA OCULAR DE UMA CIDADE CEGA (3)
SECA, AGRESSÕES AMBIENTAIS E QUALIDADE DE VIDA EM
FEIRA DE SANTANA (BAHIA) - SÉCULO XIX - SÉCULO XX

(CONTINUAÇÃO)


Vicente Deocleciano Moreira
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(CONTINUAÇÃO)

Fonte do Mato


A Fonte do Mato tem mais importância para a história e a arqueologia de Feira de Santana do que ousam sonhar o nosso contumaz desprezo e nosso insensato vandalismo por tudo o que é história, memória e prevenção cQntra doenças e agravos no Nordeste no Brasil. Na Fonte do Mato, viajantes, vaqueiros e condutores de boiadas estacionavam para pernoitar ao relento, nas redes ou nos catres improvisados das toscas hospedarias, cozinhar e comer caça moqueada, carne seca e feijão tropeiro, beber água e cachaça, lavar e lavar-se. Era todo um ritual de extrema beleza que aguardava o momento certo I para conduzir a errática boiada aos campos de gado e à feira livre.


A fonte localizava-se no antigo subúrbio - hoje bairro - dos Olhos d' Água, na Rua Papa JQão XXTII. Água considerada de boa qualidade, um dos mais volumosos aqüíferos de sua época, concentrava contingentes de lavadeiras e aguadeiros, até antes da instalação da água encanada, em 1952. Desde que começou a ser assediado pelos primeiros colonizadores, esse corpo d' água vem sendo usado pelas lavadeiras (de roupas dé pratos e panelas )"tropeiros, cavaleiros e para a deposição de lixo e entulhos diversos. Pleiteav~-se freqüentemente às autoridades desobstruí-Io (lixo, lamá, vegetação) e construir, no seu entórno, um muro de contenção. Muitas vezes, a vegetação crescia tanto que dificultava o acesso dos usuários.

"Ein 26 de março de 1915, trinta moradores da Rua 28 de Setembro (subúrbio de Olhos d' Água) encaminharam 'abaixo. Assinado” ao intendente Bernardino Bahia, reivindicando a desobstrução da fonte:


Os abaixo assignados moradores na rua 28 de setembro (Olhos d'Água) subúrbio desta cidade, lutando com as maiores dificuldades para obterem água potável devido ao estado de obstrução em que se acha a fonte denominada do Matto, um dos mais importantes mananciaes existentes nesta localidade, não só pela abundância d'Água quando limpo, como por sua qualidade, vem respeitosamente pedir a V. Excia. Que tão pátrioticamente tem conduzido os destinos deste Município, para ordenar a desobstrução da mencionada fonte, serviço este, que muito vos agradecerão os signatários da presente petição. 'Certos de que serão attendidos, subscrevem-se como admiradores e agradecidos José Ribeiros Falcão [seguindo-se mais vinte e nove assinaturas, sendo a última de José Francisco de Sant'Anna]
(FEIRA DE SANTANA,1915-1916).


Na década de quarenta, século XX, com a proximidade do advento da água encanada, a Fonte do Mato, passou a receber maior atenção do Poder Público, pois estava nos planos a melhoria do sistema de abastecimento, atenção esta traduzida inclusive em indeferimento de pedidos de arrendamento de terrenos próximos ao mananciaL'Mas, depois da instalação da' água encanada (1952) a Fonte do Mato - a exemplo dos demais aqüíferos de Feira de Santana ~ foi relegada ao abandoc no. Na década de 90 estava quase totalmente coberta pela vegetação. Dificilmente~se via, mesmo de perto, o muro de contenção. Suas m.ar'~eI\s pareciam ~eias movediças. Andar em tomo 'da fonte dava a se~s.ação de a qualquer momento , afundar, porque a terra e~tava minada por esgotos a céu aberto que ligavam, livre e impunemente, as residências à fonte, contaminando-a. Em illÍciosda última década do século XX, o abandono da Fonte do Mato conseguiu mobilizar professores, ambientalistas e instituições de Feira de Santana, alarmados, pelo assoreamento, degradação ambienta~ e destruição do entornociliar daquele aqüífero.


Em 25 de junho de 1990, foi instituído o PROJETO FONTE DO MATO-BURACO DOCE, através de Termo Aditivo entre a Universidade Estadual de Feira de Santana (representada pela então Reitora Yara Maria Cunha Pires) e a Prefeitura Municipal de Feira de Santana (prefeito Colbert Martins da Silva). Esse Termo Aditivo estava ligado ao Convênio de Cooperação Técnica, Científica e Cultural celebrado entre estas duas instituições, em 6 de novembro de 1989. Este Convênio deu respaldo legal ao PROJETO NASCENTES, LAGOAS E RIOS DE FEIRA DE SANTANA. Cabe apresentar, na íntegra, a Cláusula Primeira desse Termo Aditivo pelo alcance de seus propósitos:



CLÁUSULA PRIMEIRA - Fica instituído o PROJETO FONTE DO MATO-BURACO DOCE, com duração prevista de 24 (vinte e quatro) meses, a contar da data de assinatura do presente Termo, com o objetivo de desenvolver estudos e ações específicas na Fonte do Mato e na Fonte Buraco Doce, localizadas, respectivamente, no bairro do Jardim Acácia e na Rua Paulo VI, nesta cidade.

Lamentavelmente,.vinte e quatro meses foram um período bastante limitado para realizar tantas atribuições inclusive aquelas não previstas, mas exigidas pelo estado crítico em que a Fonte do Mato se encontrava.

Pela Fonte do Mato passaram os pés dos tropeiros e as patas dos animais que moldaram a face e os passos da civilização feirense..É seguro que tropeiros e animais utilizaram outras vias primitivas de acesso aos campos de gado e à feira livre ,de Feira de Santana. Mas a Fonte do Mato é especial. Tão especial que deveríamos erguer, às suas margens outra escultura do tropeiro (já existe uma no centro da cidade). Ali mesmo, construiríamos um parque urbano/urbanizado, com pistas e quadras para práticas esportivas, equipamentos de lazer contemplativo (bancos de praça), parque infantil, etc, o Parque da Fonte do Mato. Talvez agora isto seja tarde demais. Agora é tarde, Inês é morta, a fonte foi morta. A Fonte do Mato, de tanto receber esgoto a céu aberto dos vizinhos e o desprezo do Poder Público e da sociedade civil, não mais existe.



Noratinho da Pamonha, morador do local há mais de meio século, sempre foi incansável e auto-determinado "guardião da fonte". Lamentavelmente ... foram vãs suas gestas solitári-as em defesa da fonte, como um quixote negro, contra os moinhos de vento da indiferença nos desvãos administrativos do m'ísero povoado - uma espécie de arquétipo que ainda ronda os altos edifícios, os shopping centers e as ruas movimentadas da moderna e cada vez menos cosmopolita Feira de Santana.

(CONTINUA AMANHÃ, SEXTA-FEIRA, DIA 26 DE MARÇO)

CURSO: “Prevenção e Controle de Violências contra grupos vulneráveis: crianças, adolescentes, mulheres, idosos e adultos jovens” - 2010

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
INSTITUTO DE SAÚDE COLETIVA
LABORATÓRIO DE ESTUDOS EM VIOLÊNCIA, SAÚDE E SOCIEDADE
Rua Basílio da Gama, s/n - Campus Universitário Canela Cep: 40.110-040- Salvador - Email: grupolaviss@gmail.com

CURSO: “Prevenção e Controle de Violências contra grupos vulneráveis: crianças, adolescentes, mulheres, idosos e adultos jovens” - 2010
REGULAMENTO
I. Objetivo do Curso
Capacitar profissionais de saúde no que tange à prevenção e controle de violências contra grupos vulneráveis da população: crianças, adolescentes, mulheres, idosos e adultos jovens.
II. Informações gerais
a) Não serão cobradas taxa de inscrição nem mensalidade.
b) O curso destina-se a profissionais de saúde que atuam na rede pública em Salvador e Região Metropolitana.
c) O curso terá carga horária total de 100 horas, distribuídas em 24 horas presenciais e 76 horas à distância, no período de 13/05/2010 a 10/08/2010.
d) O candidato deverá preencher a Ficha de Pré-inscrição e enviá-la até às 23h59min do dia 15/04/2010, a fim de participar do processo seletivo.
e) O resultado do processo seletivo será divulgado por meio de mensagem eletrônica enviada a todos os PRÉ-INSCRITOS, bem como afixado no mural do Instituto de Saúde Coletiva-UFBA, no dia 26/04/2010.
f) Ao término do curso, ao aluno com aproveitamento será conferido, pela PROEX/UFBA, o certificado.
g) As despesas com deslocamento e alimentação são de responsabilidade exclusiva dos participantes.

III. Pré-Inscrições
As pré-inscrições serão realizadas exclusivamente pela Internet, através do email grupolaviss@gmail.com no período de 22/03/2010 a 15/04/2010.
a) Serão exigidas as seguintes condições dos candidatos selecionados:
• Comparecimento obrigatório ao Seminário nos dias 13/05/2010, 14/05/2010 e às duas Oficinas no dia 15/05/2010 que serão realizadas em Salvador, em local a ser informado com antecedência ao candidato selecionado. A ausência do aluno nestas atividades implicará exclusão automática do curso.
• Disponibilidade de tempo e computador para acesso mínimo e obrigatório, de 6 horas semanais, à plataforma do curso.
• Participação em todas as atividades indicadas por semana e elaboração de um Plano de Intervenção abordando temática pertinente ao curso.
• Apresentação obrigatória, no dia 13/05/2010, do Termo de Compromisso devidamente preenchido, assinado e carimbado por representante legal da instituição onde trabalha.
• Entrega de uma foto digital ou, caso não possua, vir preparado para fazê-la, sem custos, durante a oficina no dia 15/05/2010.




UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
INSTITUTO DE SAÚDE COLETIVA
LABORATÓRIO DE ESTUDOS EM VIOLÊNCIA, SAÚDE E SOCIEDADE

Rua Basílio da Gama, s/n - Campus Universitário Canela
Cep: 40.110-040- Salvador - Email: grupolaviss@gmail.com


TERMO DE COMPROMISSO

Eu _____________________________________________, comprometo-me neste ato a cumprir todas as tarefas e atividades exigidas pelo curso “Prevenção e Controle de Violências contra Grupos Vulneráveis: crianças, adolescentes, mulheres, idosos e adultos jovens” dentro do período compreendido entre 13 de maio de 2010 e 10 de agosto de 2010. Para isso, declaro, neste ato, reunir as seguintes condições: disponibilidade para comparecimento ao Seminário nos dias 13/05/2010, 14/05/2010 e às oficinas no dia 15/05/2010, bem como disponibilidade de tempo e computador para acesso mínimo e obrigatório, de 6 horas semanais, à plataforma do Curso.

______________________________________________ Data:____/____/___
Assinatura do Aluno


DADOS DO ALUNO

NOME COMPLETO

CPF: DDD / TELEFONES:
( )

EMAIL:


DADOS INSTITUCIONAIS

ESFERA ADMINISTRATIVA:

( ) MUNICIPAL ( ) ESTADUAL ( ) FEDERAL
NOME COMPLETO DA INSTITUIÇÃO


NOME COMPLETO DO (A) REPRESENTANTE LEGAL DA INSTITUIÇÃO


MUNICÍPIO:
UF






___________________________________________________ Data: ___/___/____
Assinatura e Carimbo do(a) Representante Legal da Instituição

VIOLÊNCIA: DÁ UM TEMPO E TUDO FICA NATURAL Ano 10, nº 08, 22/03/10 - FORUM COMUNITÁTIO DE COMBATE À VIOLÊNCIA

VIOLÊNCIA: DÁ UM TEMPO E TUDO FICA NATURAL

Leitura de fatos violentos publicados na mídia
Ano 10, nº 08, 22/03/10


Entre as variadas percepções relativas ao universo da violência há duas que, na aparência, se apresentam sob forma de oscilação. Diante de ocorrências sentidas como graves e extraordinárias, o pavor e a desorientação levam os indivíduos à produção de catarses baseadas em queixas e insatisfações heterogeneamente dirigidas. Quando, ao contrário, as ocorrências violentas são habituais, tem-se um temor discreto incorporado ao corpo e à mente e imposto por um clima de insegurança constante. Essa segunda forma de sentir costuma produzir alterações nos hábitos dos indivíduos que passam a adotar comportamentos considerados adequados às necessidades de proteção nos dias atuais. Se no primeiro caso é possível notar uma reação de intolerância em relação a determinados tipos de violência, no segundo, inversamente, os indivíduos se dotam de condições subjetivas e objetivas para suportarem a rotina de medo.

Esses dois pólos, entretanto, não devem ser vistos como definitivas referências dentro do imaginário da violência, especialmente pelo fato de se constatar um processo de migração na apreciação de feitos violentos do primeiro para o segundo pólo. O que um dia esteve contido no âmbito das ocorrências extraordinárias, a exemplo dos seqüestros, passa a ser considerado como fato normal em relação ao qual são desenvolvidos experimentos de proteção subjetivos e objetivos.
O jornal Folha de São Paulo de 8 de março de 2010 em seu caderno intitulado Cotidiano traz uma reportagem que sinaliza esse “trabalho” de atualização do imaginário dento do âmbito da proteção de condomínios de setores privilegiados da sociedade. Com o sugestivo título “Prédio troca porteiro ‘amigo’ por segurança” o jornal noticia a última forma de proteção que tem sido adotada por muitos condomínios da capital paulista.


Além da incorporação de equipamentos de vigilância como as guaritas blindadas, câmeras com central de monitoramento etc. a Folha informa sobre a ultrapassagem do cargo de porteiro. O lugar de um personagem simpático e conhecido por todos é substituído pelo posto do segurança. E agora, para o bem dos condôminos, este novo profissional não deve prestar favores como “ajudar um morador a levar compras ao elevador”. Agora ele não pode sair da guarita.
Conforme a matéria alguns porteiros fizeram curso para atuarem de acordo com o novo perfil. Para um empresário que oferece os cursos “não há mais espaço para aquele senhorzinho de idade que fica atrás do balcão lendo jornal, o mercado exige uma pessoa mais profissional”. Ele deve ter formação e, para tanto, há cursos de seis a dez horas realizados em um único dia, com valor entre R$ 30 a R$ 90. O diplomado sabe usar “rádios comunicadores, maneiras de abordar moradores e visitantes, controle de acesso a veículos, acompanhamento das câmeras de vigilância e até mesmo noções básicas de códigos Penal e Civil”.
Ao lado do declínio da profissão de porteiro encontram-se novidades na vida dos moradores. Eles agora passam por revistas constantes a cada entrada e saída do seu próprio endereço. Há casos em que os bagageiros dos veículos são revistados a cada vez que seus condutores pretendem adentrar a garagem; o morador que chega a pé ao condomínio deve mostrar a identidade, a senha de acesso e saber de cor o código de acesso ao elevador.
Toda essa revisão é coordenada por empresas que se especializaram na concepção deste novo tipo de serviço e muitas delas ofertam a mão-de-obra a um custo que supera em mais de 20% o valor do modelo de portaria que se encontra em declínio, e se o vigilante tiver curso reconhecido pela Polícia Federal o acréscimo chega a 45%.
Por trás destas novidades é insinuada a incorporação de riscos que um dia surgiram sem “respaldo” no âmbito das práticas de proteção cotidianas, amedrontando de modo agudo aquele grupo social. Agora estes indivíduos passaram a representar aqueles riscos, antes vistos como agudos, a partir do princípio de que os mesmos têm natureza crônica em torno da qual são concebidos produtos e serviços capazes de funcionar como mecanismos de convivência ofertados pelo mercado da proteção.

Eis um dos modos freqüentes de dotar a violência de uma funcionalidade para os negócios que giram e crescem em torno do medo. É também uma das vias que se colocam como opção ao desenvolvimento de lutas políticas amplas relacionadas com a busca de maior vigor da cidadania. Estas posições têm ensinado que a distância entre os dois pólos indicados no início dessa leitura é quase inexistente pois a naturalização das manifestações violentas tem sido uma questão de tempo ante a tendência de que com uma maior duração tudo é convergido para a normalidade.

quarta-feira, 24 de março de 2010

AGUAONIA OCULAR DE UMA CIDADE CEGA (2)

AGUAONIA OCULAR DE UMA CIDADE CEGA (2)
SECA, AGRESSÕES AMBIENTAIS E QUALIDADE DE VIDA EM
FEIRA DE SANTANA (BAHIA) - SÉCULO XIX - SÉCULO XX

(CONTINUAÇÃO)


Vicente Deocleciano Moreira
vicentedeocleciano@yahoo.com.br
vicentedeocleciano@gmail.com
http://www.viverascidades.blogspot.com



Nos momentos mais agudos da seca, não faltava.a solidariedade de religiosos e outros abnegados, a exemplo do Padre Cupertino.


De pessoa que o. conheceu e privo.u quando. vigário. de Camisão., ouvimos. que grande seca de 1898, a casa do.padre Cupertino. era a casa dos flagelados. Ali se alimentavam levas e levas de famintas. E, vezes houve, em que, esgotadas todas as pro.visões da casa acolhedora, de portas abertas para as que passavam batidos pela infelicidade, o. bom, o. velho, o. caridoso. sacerdote curtiu fome para que não. soffressem aqueles que só a pão a pedir conseguiam viver (FOLHA DO NORTE, 1940).

A chuva era a graça que todos queriam alcançar; enquanto ela não vinha usava-se e bebia-se, de qualquer modo, qualquer tipo de água. As crianças eram as maiores vítimas desses tempos difíceis. São, ainda de Spix e Martius, as seguintes palavras:



Encontramos alguns mo radares ansiosamente ocupados em colher água das cavidades formadas na base das folhas do. ananás silvestre. Essa água, embora viciada par insetos e ovo.s de rãs, era uma delícia para esses desgraçados sertanejos.
(SPIX e MARTHIUS apud MOREIRA,1993).



Para que caíssem as chuvas, fazia-se de tudo: procissões, orações, missas, cultos, promessas... Em inícios de 1899, tangidos pela seca e pela mística de final de século, uma polêmica agitou a vida dos feirenses. Divergiam sobre o local onde deveria ser recolocado o cruzeiro da igreja do Senhor dos Passos, a fim de que caíssem chuvas sobre a região. Radicalizaram a ponto de a cruz, finalmente, retomar ao interior da igreja. Perderam os dois lados da contenda: aqueles que queriam a cruz na praça João Pedreira (próxima ao templo) e os defensores de sua instalação ao lado da igreja. Para assinalar o episódio, em 12 de fevereiro de 1899, O Propulsar publicou os seguintes versos de Campo.nê, pseudônimo do poeta popular Assis Tavares:



De Herodes para Pilato.s Andastes, meu bo.m Jesus!
No. mesmo. jo.go. d' empurra Anda aqui a vo.ssa cruz!

Na Praça Jo.ão. Pedreira Querem, uns, a cruz plantar!
Ao. lado. de vo.ssa igreja Mandam-na, o.utros deitar!

Foi recolhida à igreja!

Para acabar a discórdia,
Resolvei esta questão.,
Mandando. chover até
Que vos implorem perdão.!.




Era a aguaonia de uma cidade - um "mísero povoado"- que vivia, secamente e sob calor intenso, a olhar algum sinal de chuva num céu azul-desmaiado, pálido e de poucas promessas de nuvens cinzentas e de aves como os urubus que, no conhecimento popular, anunciavam chuvas. Na falta de perspectivas de chuvas, os urubus se limitavam a denunciar a existência de animais mortos, de que se alimentavam.


Em meio à agonia ocular de uma Feira de Santana cega, as fontes e nascentes se constituíam na esperança de dias melhores, para a população e seus interesses, e de solução ime... diata para problemas causados pelas longas estiagens. As fontes do VaIado, do Tanque da Nação, do Mato, Prato Raso, Lago_a Grande, Lagoa Salgada e tantas outras têm muito a contar como testemunhos oculares (olhos d' água) da história ambiental e sanitária qe Feira de Santana. A seguir, nos dedicaremos a apresentar alguns aspectos desses importantes mananciais.


Fonte do Vaiado e Tanque da Nação


A Fonte do VaIado localizava-se na antiga Fazenda Valado. Em 1880, Eduardo Pires Ramos e Raimundo Barbosa de Souza solicitaram e obtiveram concessão para explorar as fontes do Valado (ou F ante do. Alambique) e da Nação (também conhecida como F ante do. Calumbi). Em 1892, a Câmara de Vereadores aprovou por unanimidade,



Desobstruir a cisterna denominada fonte da Nação. a qual apesar de já muito. profunda não. podem [ilegível] procurar a superfície pela grande camada de lama existente; acreditando. que co.m pequeno. trabalho. dará a mencionada fonte a jorrar d' agua; e aonde com facilidade poder-se- ha abastecer grande quantidade .da população. desta cidade
(FEIRA DE SANTANA, 1892)



Quando, aqui e ali, secavam os poços abertos pela população, freneticamente uma multidão corria - último recurso - para a Fonte do VaIado, cuja água era tida como de boa qualidade.


Alli, no. principal manancial desta cidade, vê-se continuamente, de manhã, à noite um grupo. enorme: gente de to.da a parte até de mais de lego.a de distância, em torno. aquella fonte, esperando. a sua vez para apanhar o. preciosa líquido., que sahe por pequeno. e único. orifício., em tênue fio. que dia a dia vae diminuindo.. Mas junto. deste orifício. só ha lugar para uma vasilha pequena; e quando. o. venturoso. dono. desta leva-a cheia à boca do. pote vasio., outros braços exhibindo. cuias, canecas e capas, lutando. e se confundindo., conquistam á passe do desejado. logar, tendo. o. venturoso. dano do pote de esperar outra ocasião propicia para continuar a sua tarefa bruscamente interrompida.
Dahi nascem desordens momentâneas e intermitentes, e na luta, a cuia parte-se, o copo quebra-se, salta o caneco, ficando a aza, o punho coiltrha-se, impera o soco, o grito, a blasphemia, a confusão enfim
(O PROPULSOR, 1898).



Era o retrato fiel da aguaonia dos feirenses, os quais reivindicavam do Poder Público não somente a resolução de atritos entre populares à beira das fontes, na disputa p'or uma gota d' água. Pressionavam as autoridades para que destinas- sem, aos corpos d'água, serviços de limpeza. e obras em geral.
O Tanque da Nação - que atendia as necessidades dos humanos, cavalos, gado e dos porcos - era alvo de pleitos de higiene pública e de medidas preventivas contra doenças.



Esta alli mesmo"perto das duas fontes o tanque de ver- .
tentes inesgotáveis, e que, por falta de asseio, tornou-se a immundice de um viveiro de micróbios vorazes, feras terríveis, capazes de roer qualquer organismo, embora do irracional. " " Limpai aquelle tanque rasgando a velha trincheira de barro, deixando passar atravez a multidão microscópica! 1irai a lama e aquella vegetação, cujas raízes em bucham as chrystalinas vertentes; mandai depois construir uma muralha decente e já civilisada, de boa alvenaria, com torneiras na sua parte externa para a serventia pública, e Deus vos abençoará
(O PROPULSOR, 1898),



Mas, logo, a Fonte do VaIado começava a dar sinais de exaustão.



A Distillação do Vallado não pode mais fornecer; o Vallado está quase exgotado e assim outros mananciaes que forneciam-nos água. Grande parte das cisternas das casas particulares seccaram completçzmente. E nesta desesperadora alternativa está o povo, só contem plantando o movimento das nuvens à esperadas chuvas, único meio para debelar a crise (O PROPULSOR, 1899).



Do desabastecimento e da precariedade generalizada impostos pela seca, se aproveitavam os atravessadores para controlar o mercado e exorbitar nos preços dos gêneros alimentícios. Da crescente exigüidade da Fonte do Valado usufruíam os aguadeiros que elevavam, sem limites, os preços dos barris de água tirada das lagoas e fontes e vendidas sobre lombo de burros, de casa em casa. Esses mananciais, a exemplo do Tanque da Nação, tinham a qualidade da água comprometida pelos esgotos a céu aberto que neles desembocavam, pelo lixo e pela presença de animais sedentos e necessitados de banho e água fria. Cobravam-se providências não só dos poderes públicos, mas também da iniciativa privada. De ambas as instâncias, reivindicava-se, sobretudo, a construção de açudes numa região considerada propícia para esse tipo de obra contra a seca. Sofriam os aguadeiros e também as lavadeiras que tinham nos aqüíferos sua principal fonte de sobrevivência.


(CONTINUA AMANHÃ, QUINTA – FEIRA, DIA 25 DE MARÇO)

terça-feira, 23 de março de 2010

AGUAONIA OCULAR DE UMA CIDADE CEGA (1): SECA, AGRESSÕES AMBIENTAIS E QUALIDADE DE VIDA EM FEIRA DE SANTANA (BAHIA) - SÉCULO XIX - SÉCULO XX.

AGUAONIA OCULAR DE UMA CIDADE CEGA (1):
SECA, AGRESSÕES AMBIENTAIS E QUALIDADE DE VIDA EM
FEIRA DE SANTANA (BAHIA) - SÉCULO XIX - SÉCULO XX.




Vicente Deocleciano Moreira
vicentedeocleciano@yahoo.com.br
vicentedeocleciano@gmail.com
http://www.viverascidades.blogspot.com

(Este artigo foi publicado, anteriormente a esta edição do Blog e ao julgamento dos conselhos editoriais dos seguintes veículos:


Revista de Saúde Coletiva da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), v. 1. N. 1, (jun./jul. 2002- Feira de Santana: Universidade Estadual de Feira de Santana, 2002).


Humanas. Revista do Departamento de Ciências Humanas e Filosofia – UEFS.ano2., n. 3, jan/jun. 2003.




(A partir de hoje, dia 23 de março/2010, por ocasião da Semana Mundial da Água, o artigo AGUAONIA OCULAR ... será divulgado em várias postagens editadas por este Blog http://www.viverascidades.blogspot.com.)


RESUMO

Feira de Santana, apesar do antigo título Feira de Santana dos Olhos d'água, sempre sofreu os rigores de longos e intensos períodos de seca que trouxeram prejuízos para a economia, o ambiente e riscos para a saúde da população. Depois que instalou a água encanada (1952), os Poderes Públicos abandonaram as nascentes, lagoas e rios que, até então, eram os únicos responsáveis pelo abastecimento d'água e, com esta omissão, contribuíram para agravar as condições ambientais desses aqüíferos e da própria cidade, comprometendo a qualidade de vida de quem nela reside e trabalha. Este estudo, de caráter histórico-ambiental sanitário, tem os seguintes objetivos: a) trazer ao conhecimento dos cidadãos, autoridades e demais interessados em questões ambientais e sanitárias, momentos importantes do processo de degradação ambiental dos aqüíferos de Feira de Santana, ao longo dos séculos XIX e XX; b) contribuir para a adoção de uma mentalidade política que valorize a preservação e utilização social desses mananciais, visando a melhoria da saúde e da qualidade de vida dos que moram, trabalham ou transitam na referida cidade.

Palavras-chave: Água - estiagem - ambiente - saúde


ABSTRACT

Feira de Santana, apart of having the ancient title of Feira de Santana dos Olhos d'água, suffered from the rigors of long and intense periods of droughts, which caused losses in the economy , the environment and increased risks for the health of the population. Since the installation of piped water in 1952, the local authorities abandoned the natural springs, lakes and rivers which were then the only sources of drinking water. This attitude not only caused the deterioration of the natural water resources, the environment but also the quality of life of those who worked and lived there. This study with historical sanitary aspects has the following objectives: 1) draw the attention of the citizens, the public authorities and those interested in the environmental and the sanitary aspects, to the important moments of the process of the environmental degradation of the natural water resources that has been ongoing during the course of XIX to XX centuries in Feira de Santana. 2)to contribute to the adoption of a mentality that appreciates the conservation and the utilization of this natural resource, with a view of improving the health and the quality of the life of those who live, work or are simply in transit in this city.

Key words: Water resources -environment –health




E o terceiro anjo tocou a sua trombeta e caiu do céu uma grande estrela, ardendo como uma tocha, e caiu sobre a água parte dos rios, e sobre as fontes das água. E o nome da estrela era Absinto, e a terça parte das águas tornou-se em absinto, e muitos homens morreram das águas, porque se tornaram amargas.(Bíblia/Apocalipse)



De 1952 (ano da instalação da água encanada em Feira de Santana), até os dias de hoje (2010) são quase sessenta anos de abandono das questões mais cruciais do abastecimento e dos aqüíferos do município feirense. Os Poderes Públicos se iniciaram no malfadado ritual de – com o perdão do trocadilho – fechar os olhos dos olhos d’água e para os olhos d’água. E assim se transformaram em demiurgos de dias mais amargos que absinto.




Criei o neologismo AGUAONIA para tentar traduzir ujm sentimento coletivo e mistop de agonia e água, de horror ao verde, falta d’água, e da cegueira desvairada que destruiu os olhos d’água e comprometeu a qualidade de vida da população de Feira de Santana nos séculos XIX e XX. Os jornais (O Propulsor e Folha do Norte, de Feira de Santana e A Tarde, de Salvador) e documentos do Arquivo Municipal e das Câmara de Vereadores de Feira de Santana proporcionaram as informnações históricas necessária à elaboração deste artigo.



E assim ... se passaram 191 anos (março de 1819 – março de 2010) desde aquele primeiro dia de uma março, mormarço e distante, do ano de 1819. Os naturalistas Von Spix e Von Martius estavam passando por um povoado conhecido pelo curioso nome de “Feira de Santana” – na avaliação deles “um mísero povoado”. Este nosso artigo mostra que, passados 191 anos, desde que a exprtess~]ao “mísero povoado” foi cunhada, a Feira de Santana do século XXI preservou o solene abandono que sempre dedicou às árvores, ao verde, aos poucos mananciais ainda existentes e à questyão do abastecimento d’água. A expressão “mísero povoado” de outrora prossegue válida na maior cidade do interior do estado da Bahia – Brasil.



Johan Baptist Von Spix e Carl Friedrich von Martius, médicos e naturalistas alemães, viajaram durante 23 anos (1817 a 1830) de São Paulo a Amazonas, utilizando, na maior parte do percurso, canoas e burros, com o objetivo de coletar insetos e plantas num país conhecido pelo nome exótico de “Brasil”, ou seja, “cor de brasa”. Com a palavra, os pesquisadores:



Neste monótono cenário pusemo-nos a caminhar a 1º de março, viajando cinco léguas e meia até ao Arraial da Feira de Sant’Ana. Os moradores desse mísero povoado já nos mostravam o tipo perfeito do sertanejo (...) A água potável, aqui conservada em cacimbas, tem, em geral, sabor um tanto salgado e produz febre palustre, quando é bebida sem a solução de um corretivo (...) Duas léguas a noroeste da Feira de Sant’Ana, encontramos o pequeno Arraial de São Jos , abandonado por quase todos os habitantes, por causa da falta de água e o mesmo abandono se viu também nas fazendas; Formigas, Santa Bárbara e Gravatá onde se reuniam de novo as duas tropas. Não foi sem receio que descansamos aqui um pouco, pois era de temer que, com a continuação de semelhante seca chegássemos ao fim de tão terrível deserto apenas com a metade de nossa tropa. (SPIX e MARTIUS, Apud MOREIRA, 1993).


O Padre Aspicuelta Navarro é o responsável pelo primeiro relato de seca na Bahia, em 1533. (NEVES, 1919). Os demais anos do século XVI que registram eventos de seca são: 1559, 1564, 1583 e 1592 – sem qualquer precisão, quanto à cidade ou região marcada pelo fenômeno. Nos demais séculos, há também registros pontuais.



Data de 1819 a passagem de Spix e Marthius por terras feirenses; 1819 é, também, a referência temporal mais antiga ,que a pesquisa (necessária à elaboração deste artigo) conseguiu identificar sobre a seca em Feira de Santana. "Mísero povoado" é a tradução de um (dos muitos) período severo de estiagem e, também, do vazio populacional, da fome e dos riscos de doenças que marcavam o vilarejo em épocas como esta. Moradores do que se poderia chamar de "sítio urbano", desde que tivessem condições financeiras para fugir da seca, se uniam aos fazendeiros no êxodo em direção ao litoral ou regiões menos castigadas pelo cataclisma. Feira de Santana e São José das Itapororocas transformavam-se em "povoados fantasmas". Nada se cultivava, o gado não sobrevivia à falta de água. As feiras eram suspensas até que voltassem as chuvas, o que agravava ainda mais as condições de abastecimento, sobretudo para os moradores mais pobres. A fome e a água imprestável para o consumo humano realçavam a agonia aguaonia - da seca.



As secas mais severas do século XIX datam de 1819, 1824 a 1825, 1844 a 1845, 1859 a 1861 e, também, a de 1896 que alcançou a primeira década do século XX entremeada de chuvas tão irregulares quanto insuficientes. Mesmo nos intervalos de uma grande seca à outra, a população sofria curtas mas desastrosas estiagens. Nem sempre chovia o suficiente para modificar o quadro de miséria e elevar as condições de saúde e qualidade de vida dos feirenses. O vai-e-vem das chuvas (e não raro das inundações) e das secas obrigava o lavrador a alternar momentos de euforia e esperança com instantes de tristeza, depressão e apatia.



Trechos do noticiário do jornal feirense O Propulsor, edições de 18 e 30 de julho de 1899 e de 25 de novembro de 1900, oferecem alguma idéia da dramática situação:



Estamos hoje a 18 de junho e ainda não choveu uma só vez durante este mez. Com as chuvas que caíram no mez de maio, voltou o ânimo aos pequenos moradores que empregaram os últimos recursos na planta de cereais, enchendo as suas roças, o que nos fazia esperar abundância.
Aproveitando a humidade do terreno a plantação crescia, quando o sol veio proibir de que ella dê fructos. É horrível a situação dos nossos lavradores e do comércio. Com uma ceremonia sem.igual têm cahido chuvas durante este mês. [novembro de 1900]. Pequenos aguaceiros, ainda insufficientes para augmentarem as aguadas. ...
Em todo o caso tem trazido alguma animação para os lavradores. Deus permita que não nos falte de todo; porque então será pior a emenda do que o soneto. Os homens suam, esbofam-se a esmorecerem; os animaes de trabalho açodados perdem a energia e o vigor, a passarada recolhe-se á bastidão do arvoredo, onde não é dado ao grande astro penetrar; as plantas deixam langues pender a folhagem, num desânimo de doente que se conformou já a morte. No meio da desolação, do aniquilamento geral, uma orgia de luz triunphante ostenta-se com a crueldade de um lord archimilionário e farto que vê morrer de inanição um miserável proletário.
o fogo, o brilho faiscante da natureza é como que um sarcasmo atirado às faces dos tristes que morrem de fome e de miséria nessa ensenação deslumbrante e grandiosa da Creação.
No fundo das grotas a vegetação tem a cor nogenta do pus, nos taboleiros a terra despio-se de sua roupagem côr de esperança; nos comoros é a nudez desvergonhada e impudica que perderam o sentimento da própria dignidade, dos enjoados, dos náufragos, dos que são castigados com as grandes desgraças. E morre-se assim no meio desta apotheose, deste fulgor dos astros.




Desde os primeiros povoadores, comumente faziam-se roças às margens dos rios, fontes, riachos e lagoas. As lavouras afastadas desses mananciais dependiam diretamente das chuvas, numa região marcada por longos e assíduos períodos de seca. Na verdade, a seca prejudicava até mesmo as lavouras fixadas às margens dos mananciais já que na maioria dos casos estes secavam durante um longo período sem chuvas.
De um modo geral, a irrigação não participava da tradição agrícola de Feira de Santana, no entanto, a pesquisa localizou referência a esse sistema em 1912. Trata-se de uma Ata da
Câmara em que o vereador Auto Reis propõe a mediação do intendente num pedido ao Governador do Estado e ao Ministro da Agricultura para que fossem implantados em Feira de Santana sistemas de irrigação. A proposta do vereador foi I unanimemente aprovada (FEIRA DE SANTANA, 1912).



As estiagens mais longas também causavam transtornos à embrionária zona urbana de Feira de Santana: secavam fontes públicas, o comércio era prejudicado pelo esvaziamento populacional que reduzia a quantidade de fregueses a ponto I de forçar que alguns estabelecimentos fechassem as portas. I A feira livre que batizou a cidade era inapelavelmente suspensa.


Os mais ricos - conforme afirmamos anteriormente - fugiam para o litoral, os mais pobres migravam, adoeciam, morriam de I fome. A cidade, sem condições de atender seus próprios doentes e famintos, recebia levas de migrantes - com dolorosas I experiências de seca e miséria - expulsos pela pobreza de I outras localidades e estados nordestinos também vítimas das estiagens prolongadas. Mas, confiantes, esses homens deixavam-se levar pela ilusão de sobrevida para uns e de fortuna I para outros. Ilusão criada por uma cidade com intensa atividade comercial, mas c~m restrita oferta de empregos. Atividade I comercial - uma das mais intensas do Brasil - que sustenta e I define a identidade cultural de Feira de Santana e se afirma a I cada dia, e que nem a industrialização (década de 70, século XX) conseguiu sequer assustar. A seca era problema vivenciado por todos. A Folha do Norte, jornal feirense, edição de 5 de. março de 1938, noticiou o seguinte episódio, publicado pelo O Propulsor, de 5 de março de 1899:


Se não fosse conseqüência dos grandes males ocasionados pela secca que nos flagela, seria o caso de troçarmos, emvez de transmitirmos penalizados a notícia do facto que quarta-feira presenciamos nesta cidade.
Era, mais ou menos 9 horas do dia, quando vimos partir, da porta dos distinctos commerciantes, Antonio Guerra & Com.,um pequeno carro, semelhante aos que são puchados por juntas de bois, carregado de mercadorias e arrastado por quatro homens!
O referido carro seguiu com destinmo à freguesia do Riachão do Jacuhype que dista 14 léguas desta cidade.
Até onde chegam as conseqüências da secca!!!




O aparecimento de migrantes era o sinal humano de que logo a seca chegaria a Feira de Santana. Eles eram chamados de retirantes e geralmente chegavam de trem. Da seca de 1896 até meados de março de 1904, eles somaram 1.791 pessoas. O socorro às vítimas pobres da seca transitava desde a doação de alimentos, assistência médica, apoios dispensados pelos comissários designados pelo Presidente da Província, até ofertas de trabalho (o que hoje chamamos "frentes de trabalho") para a construção de açudes, dinamitações, ampliação e drenagem de lagoas, dentre outros encargos.


... Em nossos terrenos existem vales profundos, de gargantas apertadas, que estão mesmo a pedir um pouco de alvenaria: uma parede sólida capaz de represar as águas que nas quadras invernosas descem dos vértices das encostas para o fundo dos declives. E ali estava um lago para fertilizar os terrenos, para impedir a emigração forçada e para evitar ao lavrador os prejuízos que lhe causam o abandono de sua roça, de sua casa, de seular enfim, quando lhe foge a última esperança,comofugiram d’aquelles que agora passam pelas ruas desta cidade em busca de lugares mais felizes . (O PROPULSOR, 1898)




(CONTINUA , AMANHÃ, QUARTA-FEIRA, 25 DE MARÇO DE 2010)

segunda-feira, 22 de março de 2010

NOSSO BLOG SE INSCREVE NO DIA/SEMANA MUNDIAL DA ÁGUA

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Hoje, 22 de março, Dia/Semana Mundial da Água,
abriremos as comemrorações com o artigo de Maiza Andrade (transcrito do jornal A Tarde. Salvador, 22 de março de 2010. Amanhã, terça, iniciaremos postagens de um artigo (da minha autoria) que trata de questões ambientais de Feira de Santana - Bahia - Brasil.


CIDADES 22/03/2010

Estudo revela que rios de Salvador têm baixa qualidade ambiental

Maiza de Andrade | A TARDE

(artigo transcrito do jornal A Tarde. Salvador, 22 de março de 2010)




A primeira lição dos calouros de engenharia sanitária e ambiental da Universidade Federal da Bahia (Ufba), deste ano, foi a de reconhecer que há rios em Salvador. Na sua primeira aula com a turma, o professor Luiz Roberto Santos Moraes espantou-se ao ver que eles não sabiam dizer o nome de nenhum rio da cidade. 'Isso é porque, na compreensão deles, não há rios e sim, esgotos. Não é esgoto, não. É rio', lembra o professor titular, doutor em saneamento ambiental.

A ideia de que não há rios e sim esgotos correndo para o mar é reforçada pelo fato de que os principais cursos d´água de Salvador apresentam baixa qualidade ambiental. É o que revelou a pesquisa Qualidade Ambiental das Águas e da Vida Urbana em Salvador realizada pelo Centro Interdisciplinar de Desenvolvimento e Gestão Social - Ciags, da Escola de Administração da Ufba com recursos de R$ 97 mil do CNPq.

Coordenada pela socióloga Elizabete Santos, a pesquisa ganhou a forma de um rico almanaque que será lançado nesta segunda-feira, no salão nobre da reitoria da Ufba, no Canela às 9h. A pesquisa, que durou três anos, produziu um amplo monitoramento da qualidade da água dos rios e organizou as informações sobre as 12 bacias hidrográficas do município. Outra contribuição da pesquisa foi a proposta de uma nova delimitação do espaço urbano que eleva para 160 (atualmente são 60) o número de bairros, fruto de 71 reuniões com comunidades e da aplicação de 21.175 questionários.

O estudo aponta que, “apesar dos esforços em implantação de um sistema de esgotamento sanitário em Salvador e sua região, o comprometimento dos nossos rios ou o que deles restou, resulta do lançamento de águas servidas, ou seja, da incompleta implantação da rede coletora de esgotamento sanitário na cidade”.

De acordo com os dados do monitoramento, nenhum dos 12 principais rios da cidade apresentou Índice de Qualidade Ambiental (IQA) ótimo. Somente os rios Cobre e o Ipitanga atingiram o índice regular e bom.

Para o professor Moraes, não adianta investir somente em estrutura física, ou seja na implantação da rede. 'Se o cidadão não for convencido para ligar seu esgoto à rede, o problema vai continuar sempre', observa. 'Nossos rios e fontes estão sendo degradados pela ocupação e uso do solo desordenados, pela não-implantação integral, em pleno século XXI, de um sistema de esgotamento sanitário que atenda a todas as áreas urbana e camadas sociais', conclui a pesquisa.

AGENDE E PINTE

""MÉROÉ, UN EMPIRE SUR LE NIL"

Musée du Louvre, Paris-1er. M° Palais-Royal.
Du mercredi au lundi, de 9 heures à 18 heures ; mercredi et vendredi, jusqu'à 22 heures. De 6 € à 9,5€. Du 26 mars au 6 septembre.
Catalogue, éd. Louvre/Officina Libraria, 288 p., 39 €.
Florence Evin


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LIVRARIA LDM, VALDOMIRO SANTANA e FRANCISCO FERREIRA DE LIMA CONVIDAM PARA O LANÇAMENTO DAS OBRAS

O BRASIL, de Gabriel Soares e outros viajantes

LITERATURA BAIANA - 1920 - 1980



SÁBADO, DIA 27 DE MARÇO - A PARTIR DAS 10 HORAS.
LOCAL - LIVRARIA LDM
RUA DIREITA DA PIEDADE, 22 - PIEDADE - CENTRO
SALVADOR - BAHIA - BRASIL
(próximo à Secretaria de Segurança Pública e ao Banco do Brasil)
informações - (71)2101 - 8007/8000

O FUTURO DO PLANETA ESTÁ NAS CIDADES - Jonas Rabinovitch

O futuro do planeta está nas cidades

(Transcrito do jornal Folha de São Paulo. São Paulo, 1º de março de 2010. p. A3)

JONAS RABINOVITCH

A experiência mostra que as cidades médias que mais crescem no presente não deveriam repetir os erros do passado


VIVEMOS NUM mundo complicado: desperdiçamos por ano US$ 1,5 trilhão em corrupção, US$ 1 trilhão em armamentos e US$ 600 bilhões em subsídios agrícolas, e 2% das pessoas são donas de metade do planeta.

Mas quanto vale o planeta? Economicamente, vale quanto produz. Todos os PIBs de todos os países somam US$ 60 trilhões por ano. Com 6 bilhões e 800 milhões de pessoas, isso daria uma "renda" de apenas US$ 750 por mês para cada um, se o "comunismo total" triunfasse.

E quanto vale o potencial do planeta? Um estudo da UNU-Wider mostra que a soma total de todos os recursos naturais e financeiros do planeta seria da ordem de US$ 125 trilhões, incluindo terras, bens imóveis, transações financeiras, bens de capital etc.
Ou seja, se o capitalismo selvagem triunfasse e o planeta todo fosse transformado em dinheiro, cada pessoa nunca receberia uma "renda máxima" de US$ 1.500 por mês.

O que está errado em tudo isso, além da simplicidade dos meus cálculos? Parece que foi um grande erro passar décadas brigando se o mundo deveria ser capitalista ou comunista. Todas as pessoas precisam de educação, saúde, trabalho, transporte e habitação -independentemente de partido político, religião ou sistema de produção. O planeta e suas políticas de desenvolvimento não podem ser definidas só por meio de cálculos econômicos ou propaganda política.

Por exemplo, uma escultura de Rodin pode valer US$ 10 milhões, mas sempre vai valer muito mais do que se colocarmos um saco com US$ 10 milhões sobre um pedestal.

A globalização é uma realidade, mas gerenciar o planeta por essa perspectiva ainda não seria realista. Só quando os custos ambientais forem devidamente embutidos em todos os cálculos econômicos poderemos realisticamente pintar desenvolvimento por meio de números.

Enquanto isso não acontece, parece fazer sentido solucionar todos os desafios de educação, saúde, trabalho, etc. por meio de unidades gerenciáveis que permitam a participação de cada cidadão, com direitos e deveres.
A boa notícia é que essas unidades já existem: chamam-se cidades. A má notícia é que elas continuam sendo vistas -com ou sem razão- como fonte de problemas, corrupção e mau gerenciamento.

Afinal, há alguma coisa errada em desenhar sistemas políticos que funcionem para atender às necessidades básicas da população?

As grandes inovações que permitiram o crescimento e a verticalização das cidades aconteceram há mais de cem anos: eletricidade, automóvel, sistemas de abastecimento de água, concreto armado etc.

Hoje em dia, não acredito que inovações urbanas sejam necessariamente tecnologias milagrosas ou fórmulas mágicas que automaticamente resolverão todos os desafios. Inovações são processos -não eventos pontuais-, mas precisamos apresentá-las pontualmente para que sejam entendidas.

Com frequência, apenas fazer com que a administração pública acompanhe as mudanças já necessita inovações. Além disso, enxergar a cidade de forma integrada, eliminar fontes de corrupção, engajar a população de forma participativa, aumentar a transparência e o acesso aos serviços públicos são elementos comuns a várias cidades inovadoras.

Por exemplo, Curitiba mostrou que é possível controlar e direcionar seu crescimento. Em Seul, Coreia do Sul, os cidadãos participam de decisões sobre políticas públicas por meio de seus computadores. Na Índia, Estado de Gujarat, cidadãos usam o computador para monitorar a qualidade da água. Em Zâmbia, África, administrações locais usam clínicas ambulantes em ônibus para levar saúde básica para áreas periféricas.

E mais: em Antígua e Barbuda, os ônibus são salas de aula para estudos de computação para crianças da periferia. Na Eslovênia foi possível diminuir de 60 para quatro o número de dias necessários para abrir uma empresa pequena ou média, sem custos para o empresário. No Chile, o site governamental ChileCompra traz informações sobre todas as concorrências públicas de forma transparente.

A primeira Conferência Internacional sobre Cidades Inovadoras (Curitiba, 10 a 13 Março) examinará essas soluções e muitas outras.

A experiência e as informações existentes mostram que as cidades médias que mais crescem no presente não deveriam repetir os erros do passado. Em suma, a criatividade, aliada a recursos humanos, tecnológicos e administrativos, já mostra que é possível desenhar um futuro muito melhor para todos os cidadãos a partir das cidades do planeta.


JONAS RABINOVITCH, arquiteto e urbanista, é conselheiro sênior da ONU para assuntos de administração pública e gestão do conhecimento.