sexta-feira, 19 de março de 2010

MEMÓRIA E HIPOMNÉSIA NOS PROJETOS DE VIDA DE ADOLESCENTES: FEIRA DE SANTANA - BAHIA - BRASIL

MEMÓRIA E HIPOMNÉSIA NOS PROJETOS DE VIDA DE ADOLESCENTES: FEIRA DE SANTANA – BA


Edna Lúcia Nascimento Macêdo
Profª Ms. do Departamento de Saúde da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS)
Pesquisadora do Núcleo de Antropologia da Saúde/NUAS-UEFS

Maria da Luz Silva
Profª Drª do Departamento de Saúde da UEFS
Pesquisadora do Núcleo de Antropologia da Saúde/NUAS-UEFS

Vicente Deocleciano Moreira
Profº Ms. Do Departamento de Ciências Humanas e Filosofia da UEFS
Pesquisador e Coordenador do Núcleo de Antropologia da Saúde/NUAS-UEFS



APRESENTAÇÃO DA EDIÇÃO DO BLOG http://www.viverascidade.blogspot.com

Nas duas últimas postagens, (17 e 18 do corrente) refletimos sobre o abraço que as cidades (na face em que elas se apresentam com braços magros, famintos, doentes ... enfim pobres) dão em cemitérios e instituições totais. Como polvos e com os tentáculos construídos pela história, cidades enlaçam e apertam os mencionados equipamentos urbanos.


Afora os funcionários e eventuais parentes e amigos do morto a ser sepultado ou cremado, cemitérios não são povoados por humanos vivos; donde se conclui que, em princípio, não devam ser considerados instituições totais. Ao tratarmos das instituições totais, preferimos seguir à risca a tipologia que aparece no título do livro de Erving Goffman, ou seja, Manicômios, Prisões e Conventos..

Hoje, 19 de março de 2010, estamos iniciando uma série de postagens acerca de uma instituição que talvez possa ser pensada como total - ainda que não se situe na trilogia goffmaniana. Ainda que, devo reconhecer, fique um tanto à margem do rigor conceitual (sobre instituições totais) do autor. Vamos falar sobre a Fazenda Menor e seu Projeto Menor Aprendiz sediados em Feira de Santana - Bahia - Brasil. E, mais especificamente, conversaremos sobre os projetos de vida lembrados, sublembrados (hipomnésia) ou mesmo esquecidos, pelos egressos dessa instituição, projetos esses que foram sonhados quando os jovens ainda nela estavam.


Nas duas postagens anteriores, olhamos cemitérios e instituições totais das janelas da cidade. Agora, sem mais delongas, olharemos a cidade das janelas de uma instituição total (?), a Fazenda do Menor. Quando olhamos as instituições totais das janelas e varandas da cidade, cabem o luxo de metaforizar e a comodidade de generalizar e, assim, falar em braços pobres, magros, doentes ... Porém, no momento em encaramos a cidade das janelas e seteiras das instituições totais dificilmente poderemos abstrair pessoas concretas - carne, osso e sonhos - que nelas habitam, vivem, sofrem, têm prazeres, ... e projetos de vida. .


(OBS: Este artigo foi publicado, pela primeira vez, na revista Metáfora Educacional (Feira de Santana, Ba., n. 7., dez/2009) e à luz da avaliação de seu conselho editorial).

Boa leitura.

Vicente.

vicentedeocleciano@yahoo.com.br
vicentedeocleciano@gmail.com



MEMÓRIA E HIPOMNÉSIA NOS PROJETOS DE VIDA DE ADOLESCENTES: FEIRA DE SANTANA – BA



Eu acredito é na rapaziada
Que segue em frente e segura o rojão
Eu ponho fé é na fé da moçada
Que não foge da fera e enfrenta o leão
Eu vou à luta com essa juventude
Que não corre da raia a troco de nada
Eu vou no bloco dessa mocidade
Que não tá na saudade e constrói
A manhã desejada
Aquele que sabe que é negro
o coro da gente
E segura a batida da vida o ano inteiro
Aquele que sabe o sufoco de um jogo tão duro
E apesar dos pesares ainda se orgulha de ser brasileiro
Aquele que sai da batalha
Entra no botequim, pede uma cerva gelada
E agita na mesa logo uma batucada
Aquele que manda o pagode
E sacode a poeira suada da luta e faz a brincadeira
Pois o resto é besteira
E nós estamos pelai ...


(Gonzaguinha)


ESTE ARTIGO INTEGRA AS COMEMORAÇÕES DOS DEZ ANOS DO NÚCLEO DE ANTROPOLOGIA DA SAÚDE (NUAS) – 1999 - 2009

RESUMO

Este trabalho tem uma abordagem quanti-qualitativa, com características de um estudo de caso, onde buscamos estabelecer uma análise comparativa da construção/realização do projeto de vida do adolescente institucionalizado, baseado em estudo realizado anteriormente com 33 adolescentes institucionalizados. Foram entrevistados 20 adolescentes, representando 66,6% do grupo original. O instrumento utilizado para a coleta de dados foi a entrevista semi-estruturada. A análise se deu mediante a determinação de percentuais, na tentativa de se construir o perfil desses adolescentes bem como, a análise de conteúdo dos depoimentos registrados. Os resultados evidenciaram que apenas 20% dos adolescentes lembram do projeto de vida construído em 1999; 65% consideram que apesar das dificuldades estão realizando o projeto de vida; que para superar as condições desfavoráveis é necessário continuar estudando; e finalmente, que o compromisso, a responsabilidade e a motivação são alguns dos fatores que possibilitam o caminho para suas realizações.

Palavras chave: Projeto de Vida; Adolescente; Educação; Trabalho; Hipomnésia



ABSTRACT


This work has a quantity-quality approach, with characterists of a study of case, where we try to set a comparative analisys on contruction/accomplishment of institutionalized teenagers life project, based on study carried out previusly with 33 institutionalized teenagers 20 teenagers we interviewed, representing 66,6% of the original group. The tool used to obtain the data was the semi-structural interview. The analisys happened through percentage determination, in an attempt to build the prolife of these teenagers as well as the analisys of contents of testimony wich were registred. The results showed that only 20% of the teenagers remember the life project built in 1999; 65% consider that in spite of difficulties they are carrying out their life project, to overcome unfavorable conditions it's necessary to keep on studying, and finally, the comnitment, responsability and motivation are some of the factors wich make the path to your realizations.

Key Words: Life Project; Teenagers; Education, Work; Hipomensy




INTRODUÇÃO


Como e por onde andariam os projetos de vida dos adolescentes que, após completarem 18 anos, não puderam continuar como beneficiários do Projeto Menor Aprendiz da Fazenda do Menor (Feira de Santana –Bahia)?


O que fariam? Teriam esses adolescentes condições para competir no mercado de trabalho, como mão de obra ainda com pouca qualificação, em relação aos níveis exigidos pelos empregadores?


Como fariam para enfrentar os desafios e barreiras que decerto surgiriam? Eram inquietações nossas que buscavam respostas. Dessa forma, fomos em busca de cada um dos adolescentes para sabermos que caminho estavam trilhando para a realização do projeto de vida construído naquele momento.


Todo projeto é um ‘projétil’. Todo projétil (bala, pedra, flecha ...) parte do presente com olhos e alvos no futuro. Como o presente é inapreensível – a exemplo do “mergulho” (heraclitiano) sempre novo na águas sempre passantes e sempre novas de um rio – colocar o pé no próximo degrau de uma escada é um projeto. O projeto de vida, exclusivo do ser humano, é sempre facultado pelo desejo que, por sua vez, nasce da falta, da carência presente do que se deseja (no futuro). O desejo, quer pressupõe a falta, é condição exclusivamente humana – posto que os outros animais, pelo fato de não falarem, não serem dotado de linguagem, são seres da necessidade e não do desejo.


O projeto de vida, como condição humana, segundo Baldivieso e Perotto (1995), envolve a insatisfação do presente e o desejo de outras possibilidades. Entre estas duas situações, produz-se um status psicológico e emocional tenso que origina a motivação de superar-se. Frente a esta situação, o homem poderá ter duas atitudes: “Assumir a responsabilidade de superar-se indefinidamente ou Fechar-se em si mesmo e conformar-se com o presente”


Para Baldivieso e Perotto (1995), na primeira atitude o homem se conquista e se constrói, com autenticidade e respeito; esta é a elaboração do projeto de vida. Na segunda atitude, o homem constrói a sua destruição aos poucos ou rapidamente, isto ocorre quando adere às drogas, por exemplo. Destas duas atitudes, os dois autores consideram que a primeira é mais digna do homem que não pode viver sem compromissos e completam: “o homem descobre significados, porém também vive para assumi-los e realizá-los” (p.39).


Baldivieso e Perotto (1995) enfatizam, ainda, que a característica fundamental no projeto de vida, nasce da realidade, desenvolve-se e estrutura-se no plano simbólico e exige realismo na fase de execução. Fase esta em que o indivíduo dá forma ao mundo e a si mesmo, segundo o modelo antecipatório do projeto.


Destacamos ainda alguns elementos, considerados pertinentes na construção de um projeto de vida:

1- Envolve uma formulação simbólica, cognoscitiva, é esquemática.

2- Não é inato.

3- Existe uma relação muito estreita entre as estruturas representativas, as executivas e as motivacionais, estas ativam intensamente as outras duas.

4- Preenche o vazio na adolescência, vazio este deixado pelo processo de individualização.

5- Envolve avaliação das alternativas, eleição entre elas, integração, execução e readequação às exigências da realidade vivenciada pelo indivíduo.

6- Exige a existência de valores porque a antecipação se faz a partir de suas preferências (sejam positivas ou negativas) (BALDIVIESO; PEROTTO, 1995).


Na elaboração de um projeto de vida, o aspecto mais importante é o desejo. O desejo move o ser humano a buscar, a sonhar, a idealizar, a querer. Limitar-se a estreitos horizontes ou deixando apenas acontecer, - “deixa a vida me levar, vida leva eu” - é não se permitir abrir-se para a própria vida e para todas as possibilidades que esta oferece.


Para o desenvolvimento desse estudo, resgatamos as informações do trabalho realizado, em 1999, intitulado: Projeto de Vida do Adolescente Institucionalizado. O caso: a Fazenda do Menor, em Feira de Santana – Bahia – Brasil.(MACEDO, 2000), no qual buscávamos identificar o projeto de vida de 33 adolescentes que viviam nessa Instituição. Após três anos de pesquisa, esse resgate objetiva estabelecer uma análise comparativa da construção/realização do projeto de vida desses adolescentes.


A Fazenda do Menor , com área de 700 mil metros quadrados, abriga a Fundação de Apoio ao Menor de Feira de Santana (FAMFS), entidade parceira do Tribunal de Justiça. A Fazenda produz biscoitos (para complemento alimentar de crianças e adolescentes), material esportivo, pisos sintéticos e conta com uma usina de mandioca, complexo poli-esportivo e educacional e um condomínio residencial, além de hortas, canteiros de feijão, milho,e abacaxi, e um criatório de vacas leiteiras. Segundo Tempo e Menor Aprendiz são dois de seus projetos mais conhecidos.


Ir em busca de cada estrela, ou seja, dos adolescentes, saber o que estavam fazendo, passou a ser a razão maior para a concretização desse estudo. Encontrávamos com alguns deles no campus da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), e ficávamos a nos indagar: onde estão as outras estrelas? O que estão fazendo? Saíram todos da Fazenda do Menor? Realizaram seu projeto de vida? A curiosidade era tamanha que, às vezes, forçávamos uma conversa com alguns para ter notícias dos demais.


O nosso objetivo inicial constituiu-se em identificar os adolescentes que fizeram parte do nosso primeiro estudo “Projeto de Vida do Adolescente Institucionalizado, O caso: A Fazenda do Menor – Feira de Santana-Ba 2000” visando estabelecer um quadro comparativo entre construção/realização do Projeto de Vida desses adolescentes e assim analisar sob a ótica do referencial teórico as facilidades e dificuldades de realização do projeto de vida por eles construído, anteriormente.


A CONSTRUÇÃO DO PROJETO DE VIDA


Tanto o adolescente, como o adulto e o idoso, constroem projetos, pois sem estes a vida perde o sentido. Na adolescência a construção do projeto afirma a autonomia perseguida pelo adolescente. Constitui-se, para este, numa fase de questionamentos, descobertas. Seus sentidos estão aguçados, a sua sensibilidade reflete-se na dedicação à música, à poesia, à arte.


Em contra partida, o outro lado também existe. O consumismo leva o adolescente a buscar sentido no “ter” mais do que no “ser”, recorrendo muitas vezes às drogas e outras transgressões para preencher o vazio existencial que pode ocorrer nessa fase, podendo sair ou não fortalecido dessa situação de crise, tornando-se um adulto responsável e realizar o projeto de vida. Ele descobre coisas e situações que necessita reformar, que requer mudanças. Isso tudo é possível porque o adolescente tem uma capacidade crescente de generalizar e lidar com abstrações.


No entender de Baldivieso e Perotto (1995, p.39):

"O projeto de vida não é outra coisa que a ação sempre aberta e renovada de superar o presente e abrir-se caminho para o futuro, à conquista de si mesmo e do mundo em que se vive. A realização do projeto, isto é, de uma série de possibilidades, abre caminhos, alternativas e projetos novos".

No vivenciar da adolescência três projetos básicos se integram: o profissional, o matrimonial e o de significado da vida. Inicialmente, o adolescente não vê o projeto de vida como uma coisa que tenha que ser realizada, porém, pouco a pouco - e diante das dificuldades com que se defronta e a necessidade e às vezes urgência de fazê-lo torna-se responsável por sua realização. (BALDIVIESO e PEROTTO, 1995)


Aberastury e Knobel (1989, p.44) enfatizam que a situação mutável vivenciada na adolescência faz com que o adolescente seja obrigado a permanentes reestruturações externas e internas, vividas como intrusões, dentro do equilíbrio conquistado na infância e nesse processo de conquistar a identidade, tenta refúgio no passado enquanto projeta-se no futuro: "...quando este [adolescente] pode reconhecer um passado e formular projetos de futuro com capacidade de espera e elaboração no presente, supera grande parte da problemática da adolescência."

Ao querermos situar o adolescente, neste momento em que vivenciamos a entrada do terceiro milênio, onde estão em xeque valores tradicionais e a imperiosa necessidade de reformulação, face às exigências do atual momento do mundo globalizado, tecnológico e virtual, temos que levar em conta que o adolescente se vê premido pelas exigências de cristalizar-se numa identidade adulta, baseado em identificações e de se entregar a vivências prévias, cheias de significados contraditórios e conflitantes.
O adolescente, ao confrontar-se com as expectativas, às vezes conservadoras, do seu meio familiar, e as demandas da sociedade competitiva e em constante mutação cultural, vislumbra um leque de possibilidades, dificultando a elaboração de um projeto de vida onde a realidade possa ser considerada (OSORIO, 1989).


A construção do Projeto de Vida do adolescente no âmbito da Instituição


Ao discorrer sobre o tema, construção do projeto de vida do adolescente no âmbito da instituição total, levamos em conta que, na maioria das vezes, a realidade desses jovens é perversa, desigual, excludente, estigmatizante. O dia seguinte foi, para eles, antecipado para hoje e o fantasma das consequências da realidade brutal, da fome que lhes corrói as entranhas, sem falar na desesperança de que a mera sobrevivência lhes seja assegurada.


Gonçalves de Assis (1999, p.89), ao estudar a vida de jovens infratores e seus irmãos não-infratores, diz que “os projetos de vida dos adolescentes refletem a forma como interpretam o futuro a partir dos acontecimentos presentes”. São aspirações limitadas pela posição social que ocupam desde o nascimento. Na sua análise, construir família e trabalhar foram os projetos mais relatados pelos jovens, muito embora não evidenciassem a escolha de uma atividade específica.


Na visão de Baldivieso e Perotto (1995), podemos dizer que para esses adolescentes praticamente todas as alternativas desapareceram, passando da possibilidade para a necessidade. O que é importante para eles, não está no campo de desejo, está no campo da necessidade. Eles não pensam no futuro, eles não projetam nada.


A pesquisa de Campos (1984), sobre adolescentes institucionalizados, revela que o posicionamento paternalista da instituição, interfere na atitude do menor, limitando qualquer tipo de iniciativa e a escolha de um projeto de vida, não propiciando a formação de atitudes de responsabilidades.


A pesquisa de Vainsencher (1989) indica que os adolescentes institucionalizados, a despeito de possuírem aspirações positivas, são ligadas a poucas ambições e têm desejos limitados. Concluiu também que, ao lado desses sonhos modestos, os adolescentes esboçaram sentimentos negativos e indefinidos quanto ao futuro, além do choro, angústia e tristeza estampadas no rosto, ao serem questionados sobre o futuro. Silva (1996) defende que estudar, ter uma profissão, ter uma família ... não se constitui realmente um projeto de vida e sim a absorção de valores do outro.



(CONTINUA AMANHÃ, SÁBADO, DIA 20)

Um comentário:

  1. Olá Professor Vicente, que ótima iniciativa. Gostei muito de seu Artigo. Ele é um achado para quem busca informações sobre juventude e seus conflitos. Essas informações são úteis para estudo sobre juventude em todas as situações sociais.

    José Severino.

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