OLÁ FREGUESA, NÃO VEIO NA SEMANA PASSADA!
Entre 1695 e 1750 (fase da descoberta e do apogeu as exploração de minas), Salvador era a cidade mais importante do império português – depois de Lisboa – superando Goa, Macau, Luanda e outras. A Bahia era importante entreposto comercial, tanto de comércio legal como de contrabando de mercadoria trazidas do Goa, Macau e mesmo de cidades européias. Salvador, era considerada o “ porto do Brasil”. Mas roda essa importância começa a esmaecer a partir de 1763 com a mudança da capital da colônia para o Rio de Janeiro2
No século XVII, com o desenvolvimento da exportação do açúcar, do tabaco, algodões, couro madeira, Salvador atraiu homens de negócios, havia números vendeiros, quitandeiros, oficiais mecânicos ourives de prata e de ouro, armeiros serralheiros, pintores) confeiteiros, padeiros - que chegavam pobres de Portugal e aqui enriqueciam, funcionários que ajudavam o pagamento das despesas da guerra contra os holandeses. Havia negociantes com capacidade de doar cotas de 200, 500 mil réis e até 1 conto de rés e mais ((AZEVEDO, 1969 : 167).
OLHA O PESO!
As atividades agrícolas e pecuárias, nos dois primeiros séculos, não eram muito expressivas. Hortas eram cultivadas nos arredores das portas da cidade, ao passo que o gado vinha de currais de fazendas situadas em Santo Amaro de Ipitanga, Itapuã e de grandes criatórios que começavam a despontar como Mata de São João, Catu, Pojuca, Inhambupe, Tapicuru
A carta que o Padre Manoel da Nóbrega escreve em 10 de agosto de 1549, ao Dr. Navarro, de Coimbra, representa uma das primeiras impressões de um europeu sobre a exuberância das fontes de abastecimento, na recém-fundada Salvador:
A terra achamo-la boa e sã. Todos estamos de saúde, Deus louvado, mais sãos de que partimos ... A terra é fértil de tudo, ainda que algumas, por demasiado pingues só produzam a planta e não o fruto. É muito salubre e de bons ares, de sorte que sendo muita a nossa gente e mui grandes as fadigas, e mudando de alimentação com que se nutriam, são poucos os que enfermam e estes depressa se curam. A região é tão grande que, dizem, de três partes em que se dividisse o mundo, ocuparia duas; é muito fresca e mais ou menos temperada, não se sentindo muito o calor do estio; tem muitos frutos de diversas qualidades e mui saborosos, no mar igualmente muito peixe e bom. Similham os montes grandes jardins e pomares, que não me lembra ter visto pano de raz tão belo. (Acciolli, 1999, citado por Azevedo, 1969 : 134):
FREGUÊS, VAI QUERER QUIABO? TÁ NOVINHO, TROUXE HOJE, É DEZ REAIS O CENTO!
Em 1553, Luiz da Grã escreve para Santo Inácio de Loyola:
As águas geralmente são muito boas. Os mantimentos próprios da terra, ainda que úmidos, quase todos, são em abundância. O pescado é muito gostoso e saníssimo (...) (citado por Azevedo, 1969 : 265)
Um outro olhar estrangeiro – este do século XVII - Johann Gregor Aldenburgk, autor do livro Relação da Conquista e Perda da Cidade do Salvador pelos Holandeses em 1624-1625 ( citado por Azevedo, 1969 : 7) fez elogio da fartura de Salvador:
Na mencionada cidade de S. Salvador não encontramos outra gente senão negros, mas grandes riquezas em pedras preciosas, prata, ouro, âmbar, moscada, bâlsamo, veludo, tecidos de ouro e prata, cordovão, açúcar, conservas, especiarias, fumo, vinho de Espanha e de Portugal, vinho das Canárias, vinho tinto de Palma, excelentes cordais, frutas e bebidas, com o que muito nos maravilhamos e alguns soldados denominaram a terra de batávica.
Em meio à intensa movimentação comercial e à ampla oferta de produtos, é possível destacar a prodigalidade de Salvador na oferta de diversos tipos de peixe no século XVI: beijupirá, cavala, pescada, garoupa, mero, vermelho, caranha, pampano, dourado, olho de boi, etc. e, como se diz hoje, frutos do mar (caranguejo, ostras, camarões ...). Os pescadores, suas casas, salgados e embarcações localizavam-se próximo ao templo consagrado a Nossa Senhora da Conceição da Praia, então uma simples ermida. Notáveis pescadores, a ponto de Tomé de Souza ter distribuído dezenas de anzóis aos índios, os portugueses procuraram valorizar a atividade pesqueira. Os “nativos”, por sua vez, uma banca de peixe aqui outra ali, terminavam por construir as feiras populares de Salvador e a desempenhar papel decisivo em sua localização sempre à beira mar, perto dos barcos e dos ancoradouros pesqueiros ... e próximo da Camboa dos Pescadores (atual bairro da Gamboa)
A Feira de São Joaquim figura, entre as demais feiras, e entre os centros de abastecimento e supermercados de Salvador, como o único espaço, onde é possível encontrar, num único espaço, a fartura e a variedade exuberante de produtos alimentícios (e de tantos outros) que não só abastece outras feiras e mercados mas também preserva a tradição de abundância que tanto encantou e tanto foi festa, feira, aos olhos dos portugueses e de outros europeus, nos primeiros séculos da colonização.
Essa condição de variedade e quantidade de produtos poderá ter maior visibilidade para o baiano e para o turista graças ao re-ordenamento ambiental e o apoio tecnológico de armazéns e modernos frigoríficos – ouvidos os feirantes – estimulados, para não dizer exigidos pelo Tombamento da feira como bem imaterial.
Ao lado da variedade e da quantidade de produtos, há que se registrar como componente museológico da Feira de São Joaquim, a expressiva quantidade de mercearias. As mercearias são um tipo de estabelecimento comercial, ancestral do supermercado e raramente encontrada fora da Feira. Nestas mercearias, o comprador torna seu pedido público e oral (um quilo da feijão, 250 de café ...) - diferentemente do silêncio e da privacidade dos supermercados.
ÓI O SARAPATEL, PATRÃO! TÁ NOVINHO!...
A exuberância de formas, citações museográficas comerciais, cores e odores da Feira de São Joaquim, império de Dionísio, Baco, (diferente do rigor apolíneo, formal, metódico, dos supermercados) faz a orgia dos sentidos e do desregramento e diminui, a medidas nanométricas, a distância entre a casa e a rua, o privado e o público. Tudo e todos se expõem à venda, aos abraços, tapinhas nos ombros e apertos de mãos, aos encontrões, às pisadelas, às sacoladas e cestadas, à alegria dos saveiros voltando e à ternura das mãos se encontrando.
A Feira de São Joaquim é uma festa. Alguns supermercados tentam inventar, entre suas quatro paredes, uma réplica deste espírito dionisíaco: ora promovendo “feiras” semanais quando dizem vender legumes, frutas, verduras com abatimento; ora disponibilizando um funcionário que, com um megafone, anuncia as ofertas daquele dia, daquele instante.
Preservar a Feira de São Joaquim é manter vivo um espaço em que é festa todos os dias; um espaço em que (diferentemente da urbis carnavalesca que depende da autorização anual do prefeito e do Rei Momo) todos os dias faz sua própria festa conforme a vontade do povo. No Carnaval, o Prefeito autoriza que sejamos publicamente felizes. Na Feira de São Joaquim, o povo se autoriza a si mesmo com os poderes que emanam de si mesmo.
(AMANHÃ EU TENHO MAMÃO MAIS GRAÚDO, FREGUESA!)
Entre 1695 e 1750 (fase da descoberta e do apogeu as exploração de minas), Salvador era a cidade mais importante do império português – depois de Lisboa – superando Goa, Macau, Luanda e outras. A Bahia era importante entreposto comercial, tanto de comércio legal como de contrabando de mercadoria trazidas do Goa, Macau e mesmo de cidades européias. Salvador, era considerada o “ porto do Brasil”. Mas roda essa importância começa a esmaecer a partir de 1763 com a mudança da capital da colônia para o Rio de Janeiro2
No século XVII, com o desenvolvimento da exportação do açúcar, do tabaco, algodões, couro madeira, Salvador atraiu homens de negócios, havia números vendeiros, quitandeiros, oficiais mecânicos ourives de prata e de ouro, armeiros serralheiros, pintores) confeiteiros, padeiros - que chegavam pobres de Portugal e aqui enriqueciam, funcionários que ajudavam o pagamento das despesas da guerra contra os holandeses. Havia negociantes com capacidade de doar cotas de 200, 500 mil réis e até 1 conto de rés e mais ((AZEVEDO, 1969 : 167).
OLHA O PESO!
As atividades agrícolas e pecuárias, nos dois primeiros séculos, não eram muito expressivas. Hortas eram cultivadas nos arredores das portas da cidade, ao passo que o gado vinha de currais de fazendas situadas em Santo Amaro de Ipitanga, Itapuã e de grandes criatórios que começavam a despontar como Mata de São João, Catu, Pojuca, Inhambupe, Tapicuru
A carta que o Padre Manoel da Nóbrega escreve em 10 de agosto de 1549, ao Dr. Navarro, de Coimbra, representa uma das primeiras impressões de um europeu sobre a exuberância das fontes de abastecimento, na recém-fundada Salvador:
A terra achamo-la boa e sã. Todos estamos de saúde, Deus louvado, mais sãos de que partimos ... A terra é fértil de tudo, ainda que algumas, por demasiado pingues só produzam a planta e não o fruto. É muito salubre e de bons ares, de sorte que sendo muita a nossa gente e mui grandes as fadigas, e mudando de alimentação com que se nutriam, são poucos os que enfermam e estes depressa se curam. A região é tão grande que, dizem, de três partes em que se dividisse o mundo, ocuparia duas; é muito fresca e mais ou menos temperada, não se sentindo muito o calor do estio; tem muitos frutos de diversas qualidades e mui saborosos, no mar igualmente muito peixe e bom. Similham os montes grandes jardins e pomares, que não me lembra ter visto pano de raz tão belo. (Acciolli, 1999, citado por Azevedo, 1969 : 134):
FREGUÊS, VAI QUERER QUIABO? TÁ NOVINHO, TROUXE HOJE, É DEZ REAIS O CENTO!
Em 1553, Luiz da Grã escreve para Santo Inácio de Loyola:
As águas geralmente são muito boas. Os mantimentos próprios da terra, ainda que úmidos, quase todos, são em abundância. O pescado é muito gostoso e saníssimo (...) (citado por Azevedo, 1969 : 265)
Um outro olhar estrangeiro – este do século XVII - Johann Gregor Aldenburgk, autor do livro Relação da Conquista e Perda da Cidade do Salvador pelos Holandeses em 1624-1625 ( citado por Azevedo, 1969 : 7) fez elogio da fartura de Salvador:
Na mencionada cidade de S. Salvador não encontramos outra gente senão negros, mas grandes riquezas em pedras preciosas, prata, ouro, âmbar, moscada, bâlsamo, veludo, tecidos de ouro e prata, cordovão, açúcar, conservas, especiarias, fumo, vinho de Espanha e de Portugal, vinho das Canárias, vinho tinto de Palma, excelentes cordais, frutas e bebidas, com o que muito nos maravilhamos e alguns soldados denominaram a terra de batávica.
Em meio à intensa movimentação comercial e à ampla oferta de produtos, é possível destacar a prodigalidade de Salvador na oferta de diversos tipos de peixe no século XVI: beijupirá, cavala, pescada, garoupa, mero, vermelho, caranha, pampano, dourado, olho de boi, etc. e, como se diz hoje, frutos do mar (caranguejo, ostras, camarões ...). Os pescadores, suas casas, salgados e embarcações localizavam-se próximo ao templo consagrado a Nossa Senhora da Conceição da Praia, então uma simples ermida. Notáveis pescadores, a ponto de Tomé de Souza ter distribuído dezenas de anzóis aos índios, os portugueses procuraram valorizar a atividade pesqueira. Os “nativos”, por sua vez, uma banca de peixe aqui outra ali, terminavam por construir as feiras populares de Salvador e a desempenhar papel decisivo em sua localização sempre à beira mar, perto dos barcos e dos ancoradouros pesqueiros ... e próximo da Camboa dos Pescadores (atual bairro da Gamboa)
A Feira de São Joaquim figura, entre as demais feiras, e entre os centros de abastecimento e supermercados de Salvador, como o único espaço, onde é possível encontrar, num único espaço, a fartura e a variedade exuberante de produtos alimentícios (e de tantos outros) que não só abastece outras feiras e mercados mas também preserva a tradição de abundância que tanto encantou e tanto foi festa, feira, aos olhos dos portugueses e de outros europeus, nos primeiros séculos da colonização.
Essa condição de variedade e quantidade de produtos poderá ter maior visibilidade para o baiano e para o turista graças ao re-ordenamento ambiental e o apoio tecnológico de armazéns e modernos frigoríficos – ouvidos os feirantes – estimulados, para não dizer exigidos pelo Tombamento da feira como bem imaterial.
Ao lado da variedade e da quantidade de produtos, há que se registrar como componente museológico da Feira de São Joaquim, a expressiva quantidade de mercearias. As mercearias são um tipo de estabelecimento comercial, ancestral do supermercado e raramente encontrada fora da Feira. Nestas mercearias, o comprador torna seu pedido público e oral (um quilo da feijão, 250 de café ...) - diferentemente do silêncio e da privacidade dos supermercados.
ÓI O SARAPATEL, PATRÃO! TÁ NOVINHO!...
A exuberância de formas, citações museográficas comerciais, cores e odores da Feira de São Joaquim, império de Dionísio, Baco, (diferente do rigor apolíneo, formal, metódico, dos supermercados) faz a orgia dos sentidos e do desregramento e diminui, a medidas nanométricas, a distância entre a casa e a rua, o privado e o público. Tudo e todos se expõem à venda, aos abraços, tapinhas nos ombros e apertos de mãos, aos encontrões, às pisadelas, às sacoladas e cestadas, à alegria dos saveiros voltando e à ternura das mãos se encontrando.
A Feira de São Joaquim é uma festa. Alguns supermercados tentam inventar, entre suas quatro paredes, uma réplica deste espírito dionisíaco: ora promovendo “feiras” semanais quando dizem vender legumes, frutas, verduras com abatimento; ora disponibilizando um funcionário que, com um megafone, anuncia as ofertas daquele dia, daquele instante.
Preservar a Feira de São Joaquim é manter vivo um espaço em que é festa todos os dias; um espaço em que (diferentemente da urbis carnavalesca que depende da autorização anual do prefeito e do Rei Momo) todos os dias faz sua própria festa conforme a vontade do povo. No Carnaval, o Prefeito autoriza que sejamos publicamente felizes. Na Feira de São Joaquim, o povo se autoriza a si mesmo com os poderes que emanam de si mesmo.
(AMANHÃ EU TENHO MAMÃO MAIS GRAÚDO, FREGUESA!)
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