segunda-feira, 1 de março de 2010

FEIRAS E CIDADES: VERACIDADES - 1

FEIRAS E CIDADES: VERACIDADES
1 - ORIGENS DAS FEIRAS BRASILEIRAS



O Blog http:/www.viverascidades.blogspot.com tem o prazer de iniciar hoje 1º de março de 2010, uma segunda feira, a postagem de textos sobre feiras livres, seus aspectos históricos e suas articulações sociais, econômicas e culturais com as cidades que as acolhem e/ou as rejeitam e/ou as abandonam “ao Deus dará”.

Se hoje é segunda-feira é porque ontem foi a primeira-feira, mais conhecida como Domingo, que quer dizer dia do Senhor (Deus). A questão que se coloca agora é a seguinte: Ontem, domingo, foi o dia do descanso de Deus após ter criado o Mundo, o Universo? Ou foi o primeiro dia do trabalho dessa criação, por Ele? São opiniões religiosas divergentes e, talvez, irreconciliáveis.

Todo que é segundo o é porque antes existiu um primeiro. Mas só podemos ter idéia do primeiro de qualquer coisa ou pessoa graças à existência do segundo seja de pessoas ou de coisas. Alguém só pode falar num primeiro filho se/quando houver um segundo; ainda que o primeiro nada mais exista (por ter morrido, por exemplo)


O primeiro nada seria se não existisse o segundo.

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Os primeiros textos sobre as origens medievais das feiras brasileiras e sobre a Feira de São Joaquim foram extraídos diretamente de um documento da minha autoria, Vicente Deocleciano MOREIRA, o Laudo Antropológico da Feira de São Joaquim – peça integrante do processo de Tombamento dessa feira, localizada em Salvador – Bahia, como Patrimônio da Cultura Imaterial. Sua referência é: MOREIRA, Vicente Deocleciano – LAUDO ANTROPOLÓGICO DA FEIRA DE SÃO JOAQUIM – SALVADOR – BAHIA. Brasília – DF, República Federativa do Brasil, Ministério da Cultura, Fundação Cultural Palmares, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, janeiro de 2005.
Vicente Deocleciano Moreira
vicentedeocleciano@yahoo.com.br
vicenmtedeocleciano@gmail.com

ORIGENS MEDIEVAIS DAS FEIRAS BRASILEIRAS


“A palavra feira vem de féria que pode significar tanto período de descanso (ou ócio), como período de trabalho (ou negação do ócio, ou seja, negócio), como também festa. Quando é o povo que traça e padroniza, a seu modo, uma feira - a Feira de São Joaquim, por exemplo - toda a feira torna-se uma festa; a padronizada violência de barracas com paredes e teto de plástico, nada tem de festa, é impessoal. Feira é festa: em muitas cidades do interior, o dia da feira é praticamente um feriado: escolas, serviços não funcionam. Em Salvador (e em outras cidades), toda festa de largo é sempre uma feira de largo: vende-se de tudo!

Fazer feira, para muitos, só é possível quando não se está trabalhando (férias); mas, para o feirante, todo dia de feira é dia de trabalho.

Na mitologia judaico-cristã de criação do Mundo, de corte lingüístico lusófono, a segunda-feira (ou segunda-féria ou, ainda. segunda-festa) significa o segundo dia da tarefa de Deus em criar o Mundo; a terça-feira, o terceiro dia... e assim por diante.

Em meio às diversas formas de organização econômica na Idade Média européia principalmente em Portugal, as feiras se configuraram um importante renascimento comercial, no cenário econômico do continente, por quatro razões básicas:

1) A expansão da economia e religião islamitas, a partir do século XI, trouxe graves prejuízos para as relações econômicas entre Ocidente e Oriente e impregnou de desânimo a economia marítimo-comercial da Europa e do Ocidente em geral. As dificuldades na navegação econômica deixaram a terra firme como alternativa importante para a retomada do crescimento econômico, daí que as feiras passaram a representar um novo ânimo - "uma luz no .fim.do túnel", como diríamos hoje - na sonolenta economia européia de então. As feiras, nas bases arqueológicas de seus saberes e odores e nas suas origens culturais, econômicas, históricas e sociais, eram dependentes das verduras, legumes, frutas, raízes ... que se podiam plantar/colher/trocar (agricultura) e dos animais que se podia criar/engordar/montar/abater/trocar (pecuária) em terras firmes; não apenas firmes mas também mais próximas e de acesso menos desconfortável (a pé, e através de animais e de veículos de tração animal) do que os longínquos continentes onde só se chegava (e de onde se voltava) depois de meses de desgastes e perigos na insegurança dos mares e das embarcações.

2) As feiras se constituíam um locus privilegiado não apenas, da troca de produtos agrícolas, pecuários. Trocavam-se igualmente, bens simbólicos sacro-profanos - e, no geral, culturais - entre os camponeses e os habitantes dos burgos, vilas ou qualquer outra forma de aglomeração urbana, mais próximas, mais distantes. Apresentavam-se jograis, cantava-se, pelejava-se, vendiam-se livretos pendurados em cordas (que nos legaram a chamada literatura de cordel). As feiras constituíam também, um ponto importante da estratégia em tática geo-política religiosa/militar; afinal, elas estavam protegidas sob as bênçãos do deus cristão e do patrocínio político, econômico e ideológico de Deus e de César: da Igreja Católica e seus padres, e da política e economia e seus comerciantes. Diante da ameaça religiosa, política e econômica de Alá, havia poucas respostas melhores e menos bélicas do que a administração e controle do funcionamento de uma feira erigida na geografia de uma determinada freguesia, sob o olhar poderoso de um orago, de um santo católico e protetor, e sobre as bases de uma nova sociedade.

3) Tem qualidades inestimáveis essa. nova socialidade, atualizada no tem qualidades cotidiano da mistura digerível, digesta e festiva entre carnes e batatas, sensualidade e orações, e praticada entre os limites nada rigorosos entre freguesias.

3.1 Ela é um das mais importantes heranças antropológicas (teoria, temática, epistemologia, metodologia e pesquisa-de-campo) que as feiras medievais européias legaram às chamadas feiras livres brasileiras (notadamente as norte/nordestinas) da contemporaneidade (São Joaquim, Caruaru, Ver-o-Peso e outras). Em Salvador, por exemplo, devido às mudanças operadas no Carnaval baiano (desde a algum tempo cada vez mais business turístico que festa popular) a Feira de São Joaquim - bem mais que as festas de largo e seu caráter anual - é o espaço por excelência onde é possível encontrar, todo (santo) dia, a cara (negra, étnica, lingüística, religiosa ...) de Salvador.

3.2 A socialidade em movimento nas feiras medievais possibilitou a formação de um esprit de corps católico e sensível ao peso das mãos (políticas) da respectiva Igreja e do pulso normativo do Estado e dos proprietários. Dirigir-se à feira, estar na feira e voltar da feira eram situações diferentes em que as pessoas estavam sob as mesmas formas de proteção: a conductus (outorgada pelo senhor territorial) e a custodes nundinarum praticada por guardas especiais que fiscalizavam as transações comerciais e o policiamento das feiras. A Igreja Católica tolerava inclusive os empréstimos com juros, chamados pejorativamente, então, de usura, e hoje de agiotagem. No mundo violento e inseguro das grandes e pequenas cidades de nossos dias, as feiras livres ainda são um espaço de paz e de festa dionisíaca (diferente da festa apolínea dos supermercados e shopping centers da contemporaneidade). Mas, na Europa medieval as redes de relações sociais não eram suficientes (em suas dimensões concretas e abstratas) para inspirar a paz nas feiras; símbolos como a cruz eram instalados na feira e reforçavam tal propósito. A cruz, na feira, era a encarnação da paz e do perdão ainda que provisório: não podiam ser perseguidos, indo à feira, na feira e retomando da feira, devedores, fiadores e até mesmo homicidas desde que o tivessem sido_oito dias antes e até oito dias depois da feira.

4 - A complexa rede de relações sociais e econômicas e de mostras e trocas culturais construídas pelas feiras possibilitou a construção, em tomo de um santo padroeiro, de povoados, vilas e cidades - um fenômeno herdado pelo Brasil Colonial. No caso específico da Bahia, depois das primitivas e itinerantes feiras - pontos nômades de escambo mais exatamente - engendradas pela comitiva de Tomé de Souza nas partes alta e baixa da recém-fundada Salvador, temos o registro da primeira feira (1614): Santo Antônio do Capuame, (depois Feira Velha e, posteriormente, Dias D'Avila) cuja importância é superada pela Feira de Nossa Senhora Santana dos Olhos D'Água, a conhecida Feira de Santana. Neste último caso, um clero católico, forte, um padroado bastante influente e aceito pelos fiéis e comerciantes poderosos possibilitaram a permanência do nome da santa (Sant' Ana) na cidade mesmo quando, na década de 70 do século XX, a feira (que batizou a vila, povoado e a cidade) foi extinta por Decreto Municipal. No Capuame, a família Ávila foi mais forte que o santo.

Desde a Europa medieval, principalmente no renascimento comercial (século XI), as feiras estiveram ligadas aos períodos de romaria e de outras festividades religiosas católicas. Peregrinos oriundos das mais distantes regiões traziam não apenas a fé, imagens e cânticos religiosos, mas também mercadorias (produtos agrícolas excedentes, artesanato e bens culturalmente identitários) que, na maior parte dos casos eram trocados por outras mercadorias (raras, faltantes ou exóticas...). Todos reunidos num mesmo local, num mesmo centro de trocas (a feira),que também vendia lembranças e objetos sagrados. Essas feiras duravam enquanto durasse a permanência dos peregrinos que era condicionada pelo final do evento religioso. Mas há que se registrar também, as feiras cuja vida e vitalidade estavam condicionadas às festas da igreja católica a exemplo da Páscoa, Nascimento de Maria, Corpus Christi, São Pedro... e que deram origem no Brasil às quermesses - as quais tanto quanto aquelas eram desmontadas quando a festividade chegava ao fim.”

(AMANHÃ, TERÇA FEIRA (ou terceira féria), TEXTO SOBRE A FEIRA DE SÃO JOAQUIM – SALVADOR)























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