FEIRA DE SÃO JOAQUIM (SALVADOR – BAHIA – BRASIL)
“Embora a primeira feira fixa e formalmente constituída da Bahia (a Feira de Santo Antonio ao Capuame) date de 1614, Tomé de Souza ao fundar Salvador (1549) preocupou-se em encontrar meios para alimentar e abastecer soldados, religiosos, degredados, colonos, que integravam sua comitiva. Localizada nos limites das Portas de Santa Luzia (imediações da atual Praça Castro Alves), a incipiente "feira" - abrigava relações de escambo (não existia ainda circulação de. moedas) - inicialmente transitou destas Portas para o limite Norte, isto é, para as Portas do Carmo (atual Largo do Pelourinho) e procurou abastecer o núcleo de povoamento com hortaliças e legumes cultivados nas leiras (hortas) escavadas no hinterland (área rural) de Salvador ou fora do muro das Portas do Carmo (atual região entre a Baixa dos Sapateiros, Tabuão e próxima a uma aldeia Tupinambá localizada onde hoje. se conhece por bairro do Carmo).
A Feira de Santo Antonio do Capuame, em homenagem a Santo Antonio e próxima a uma capela em honra a este santo, foi instituída (1614) por Francisco Dias D'Ávila I, a 9 léguas de Salvador _e 68 metros acima do nível do mar. Duas importantes estradas conduziam a esta feira: a Real que levava até Juazeiro e uma ramificação da Estrada das Boiadas sobre uma planície de 5 léguas quadradas, servida por excelentes pastagens e banhadas pelos rios Jacuípe e Jacumirim. A Feira do Capuame - como era popularmente conhecida - se manteve como o primeiro e mais importante centro de negócios de criadores de gado até ser suplantada pela feira de Feira de Santana, sita nos Campos da Cachoeira. (atual município de Feira de Santana) e sua localização geo-econômica estratégica e excepcionalmente bem plantada no mapa do Nordeste brasileiro.
Decadente e superada pela Feira de Santana, a Feira do Capuame passou a chamar-se, durante muito tempo, Feira Velha do Capuame, ou simplesmente Feira Velha. A partir de 9 de junho de 1928, por decisão da Assembléia Geral, recebe nova denominação: Dias D' Ávila (atual município do mesmo nome), em homenagem a Francisco Dias D'Ávila & família, cujo registro histórico foi fixado numa placa comemorativa assentada em uma parede da estação rodoviária local.
Defendemos a necessidade mais que urgente do Tombamento Imaterial da Feira de São Joaquim. Aquelas duas feiras foram extintas (a última delas, Feira de Santana, em 1977), de modo que a Feira de São Joaquim conserva dois títulos: a maior da Bahia (uma das maiores do Nordeste brasileiro) e a única grande feira em atividade em todo o estado. Água de Meninos foi incendiada em 1964.
A Feira de São Joaquim (que completou 40 anos em 2004) localiza-se na Cidade Baixa, bairro da Jequitaia, área portuária, vizinha à Estação do Ferry Boa! , a alguns metros da igreja e antigo Colégio dos Órfãos de São Joaquim - dos quais tomou de empréstimo o nome como se estivesse obedecendo à velha tradição medieval européia da nominação das feiras. A Feira de São Joaquim é filha de uma época (década de 60, século XX) em que a nova capital, Brasília, é inaugurada, a industrialização, as chaminés fabris eram a salvação da economia brasileira ... ao menos assim pensavam os governos militares no poder a partir de 31 de março de 1964.
A Feira de São Joaquim vem resistindo às acusações de "suja", "fedorenta" , "anti-higiênica" ... as mesmas acusações que tentaram justificar o extermínio da feira de Feira de Santana. Entre as décadas de 70 e 80 (século passado), foram criadas as Centrais de Abastecimento (CEASA) com o objetivo declarado de controlar o fornecimento e o preço de gêneros alimentícios de primeira necessidade e com o propósito nem sempre claro de substituir, em todo o Brasil, as velhas feiras, paraísos da economia informal, "insalubres" , obstáculos à circulação confortável de automóveis e aos interesses dos grandes comerciantes. Na Bahia, pesquisa da Secretaria Estadual de Planejamento, Ciência e Tecnologia (1968) recomendava a criação das CEASA em Salvador e em cidades com problemas de abastecimento devido aos constantes períodos de estiagem; a Feira de São Joaquim vem resistindo aos novos mercados populares (Rio Vermelho, Itapuã) e ao poder das redes de supermercados.
Nascem e morrem, compram-se e vendem-se supermercados mantidos por grupos econômica e politicamente poderosos ... e a quarentona feira resiste e continua a atrair mais e mais consumidores, sem trair suas raízes negro-baianas e suas peculiaridades arquitetônicas e urbanísticas. Aos sábados, quando o movimento é mais intenso, é preciso chegar cedo à Feira de São Joaquim para encontrar vaga nos quatro estacionamentos pagos de automóveis (de variadas marcas inclusive importados) e, também, no estacionamento de utilitários que, freneticamente, carregam e descarregam mercadorias. É preciso chegar cedo para também sair cedo e encontrar o ponto de ônibus não muito cheio de usuários. E um lugar para colocar as sacolas e as galinhas de quintal dentro do ônibus.
...Tudo no mais perfeito caos urbano. Nietzsche diria que é preciso ter um caos dentro de si para fazer nascer uma estrela que dance.
“Embora a primeira feira fixa e formalmente constituída da Bahia (a Feira de Santo Antonio ao Capuame) date de 1614, Tomé de Souza ao fundar Salvador (1549) preocupou-se em encontrar meios para alimentar e abastecer soldados, religiosos, degredados, colonos, que integravam sua comitiva. Localizada nos limites das Portas de Santa Luzia (imediações da atual Praça Castro Alves), a incipiente "feira" - abrigava relações de escambo (não existia ainda circulação de. moedas) - inicialmente transitou destas Portas para o limite Norte, isto é, para as Portas do Carmo (atual Largo do Pelourinho) e procurou abastecer o núcleo de povoamento com hortaliças e legumes cultivados nas leiras (hortas) escavadas no hinterland (área rural) de Salvador ou fora do muro das Portas do Carmo (atual região entre a Baixa dos Sapateiros, Tabuão e próxima a uma aldeia Tupinambá localizada onde hoje. se conhece por bairro do Carmo).
A Feira de Santo Antonio do Capuame, em homenagem a Santo Antonio e próxima a uma capela em honra a este santo, foi instituída (1614) por Francisco Dias D'Ávila I, a 9 léguas de Salvador _e 68 metros acima do nível do mar. Duas importantes estradas conduziam a esta feira: a Real que levava até Juazeiro e uma ramificação da Estrada das Boiadas sobre uma planície de 5 léguas quadradas, servida por excelentes pastagens e banhadas pelos rios Jacuípe e Jacumirim. A Feira do Capuame - como era popularmente conhecida - se manteve como o primeiro e mais importante centro de negócios de criadores de gado até ser suplantada pela feira de Feira de Santana, sita nos Campos da Cachoeira. (atual município de Feira de Santana) e sua localização geo-econômica estratégica e excepcionalmente bem plantada no mapa do Nordeste brasileiro.
Decadente e superada pela Feira de Santana, a Feira do Capuame passou a chamar-se, durante muito tempo, Feira Velha do Capuame, ou simplesmente Feira Velha. A partir de 9 de junho de 1928, por decisão da Assembléia Geral, recebe nova denominação: Dias D' Ávila (atual município do mesmo nome), em homenagem a Francisco Dias D'Ávila & família, cujo registro histórico foi fixado numa placa comemorativa assentada em uma parede da estação rodoviária local.
Defendemos a necessidade mais que urgente do Tombamento Imaterial da Feira de São Joaquim. Aquelas duas feiras foram extintas (a última delas, Feira de Santana, em 1977), de modo que a Feira de São Joaquim conserva dois títulos: a maior da Bahia (uma das maiores do Nordeste brasileiro) e a única grande feira em atividade em todo o estado. Água de Meninos foi incendiada em 1964.
A Feira de São Joaquim (que completou 40 anos em 2004) localiza-se na Cidade Baixa, bairro da Jequitaia, área portuária, vizinha à Estação do Ferry Boa! , a alguns metros da igreja e antigo Colégio dos Órfãos de São Joaquim - dos quais tomou de empréstimo o nome como se estivesse obedecendo à velha tradição medieval européia da nominação das feiras. A Feira de São Joaquim é filha de uma época (década de 60, século XX) em que a nova capital, Brasília, é inaugurada, a industrialização, as chaminés fabris eram a salvação da economia brasileira ... ao menos assim pensavam os governos militares no poder a partir de 31 de março de 1964.
A Feira de São Joaquim vem resistindo às acusações de "suja", "fedorenta" , "anti-higiênica" ... as mesmas acusações que tentaram justificar o extermínio da feira de Feira de Santana. Entre as décadas de 70 e 80 (século passado), foram criadas as Centrais de Abastecimento (CEASA) com o objetivo declarado de controlar o fornecimento e o preço de gêneros alimentícios de primeira necessidade e com o propósito nem sempre claro de substituir, em todo o Brasil, as velhas feiras, paraísos da economia informal, "insalubres" , obstáculos à circulação confortável de automóveis e aos interesses dos grandes comerciantes. Na Bahia, pesquisa da Secretaria Estadual de Planejamento, Ciência e Tecnologia (1968) recomendava a criação das CEASA em Salvador e em cidades com problemas de abastecimento devido aos constantes períodos de estiagem; a Feira de São Joaquim vem resistindo aos novos mercados populares (Rio Vermelho, Itapuã) e ao poder das redes de supermercados.
Nascem e morrem, compram-se e vendem-se supermercados mantidos por grupos econômica e politicamente poderosos ... e a quarentona feira resiste e continua a atrair mais e mais consumidores, sem trair suas raízes negro-baianas e suas peculiaridades arquitetônicas e urbanísticas. Aos sábados, quando o movimento é mais intenso, é preciso chegar cedo à Feira de São Joaquim para encontrar vaga nos quatro estacionamentos pagos de automóveis (de variadas marcas inclusive importados) e, também, no estacionamento de utilitários que, freneticamente, carregam e descarregam mercadorias. É preciso chegar cedo para também sair cedo e encontrar o ponto de ônibus não muito cheio de usuários. E um lugar para colocar as sacolas e as galinhas de quintal dentro do ônibus.
...Tudo no mais perfeito caos urbano. Nietzsche diria que é preciso ter um caos dentro de si para fazer nascer uma estrela que dance.
COMPADRIO, FREGUESIA E SOCIALIDADES DE UMA FEIRA
A Feira de São Joaquim não é apenas um lugar onde se compra e vende um número infinito e uma diversidade estonteante de produtos, mas também um território de socialidades e afetividades. Vendedores e compradores costumam tratar-se pelas expressões cumpade/cumade (compadre/comadre) ou freguês/freguesa ainda que nunca se tenham visto antes. As relações comerciais (mas não apenas comerciais) são sustentadas por relações de parentesco através da forma de compadrio, que é diferente daquela justificada pelo batismo ou crisma, na Igreja Católica Apostólica Romana, e daquela construída em torno da fogueira, durante os festejos de São João; ambas as formas, existentes desde os tempos coloniais, continuam exercendo influência e fundamentando as indispensáveis bases relacionais e emocionais desse “parentesco de feira”.
A instituição cristã do compadrio, não só entreteceu laços fortíssimos de parentesco espiritual entre famílias da mesma categoria como entre famílias de níveis diferentes, e dessarte assegurou a muita criança pobre, preta, ilegítima, enjeitada, a proteção de padrinhos ricos ou de posição, que se interessavam pela sua saúde, pela sua alimentação (...) As reações criadas pelo compadrio, inclusive por formas vicariantes de compadresco, - fogueira de S. João, de brinquedo, etc., foram de uma fôrça moral que bem podem ser consideradas entre os mas vigorosos laços morais atuantes, ainda hoje, na sociedade brasileira. (AZEVEDO, 1969 : 203-204)
Caminhando pelas ruas da feira, somos a toda hora alertados por frases, convites à compra, exclamações ... proferidas por carregadores, vendedores e feirantes em geral dotadas de extraordinária riqueza etnográfica e lingüística – como por exemplo: “OLHA O CARANGUEJO!” ... (com medo da lama do caranguejo, todos se afastam para o autor do grito, da advertência, passar – sorridente, apressado mas bem humorado – com seu carrinho de mão vazio).
O “compadrio de feira”, sustenta com lastro moral as relações sociais e econômicas na Feira de São Joaquim (e em tantas outras feiras livres de Salvador e do Nordeste brasileiro). Desta base se constrói a sustentação ética de uma relação comercial, dificilmente verificada, em Salvador, fora de suas feiras e mercados mais tradicionais (Sete Portas, Mercado de São Miguel ...)
Quando compradores e vendedores se encontram na Feira de São Joaquim e se chamam mutuamente freguês, freguesa ... esse quadrante de socialidade aponta para um nivelamento democrático, igualitário, solidário, entre pessoas que pertencem a uma mesma – por assim dizer – freguesia econômica, em que todos fazem parte de um mesmo grande grupo (que faz lembrar, de algum modo, a divisão eclesial católica em freguesias), num universo relacional de interdependência econômica – sem dúvida – mas também afetiva e de inteira confiança. Um exemplo dessa confiança ocorre quando o comprador confia ao vendedor problemas pessoais e familiais (casos de doenças, brigas, alcoolismo ...) e este – enquanto despacha – pergunta sobre tais problemas, e até mesmo opina, dá conselhos, orienta.
As expressões de socialidade de um supermercado transitam por territórios relacionais diferentes. Nesses estabelecimentos, os compradores são denominados clientes. A clínica médica também usa a expressão cliente para caracterizar a pessoa que, portadora de alguma enfermidade, sinal ou sintoma, um paciente, se utiliza ou pode vir a utilizar dos serviços de um médico ou um hospital. Enquanto num supermercado pode-se entrar mudo e sair calado. Até mesmo porque o caixa é quem cumprimenta, por mero gesto profissional, quem chega, o cliente, que não se sente obrigado a responder o bom dia ou boa tarde. Dificilmente esta mudez, tal silêncio, acontece numa feira. Há um mínimo de diálogo entre os fregueses nas relações comerciais que ocorrem numa feira.
A Feira de São Joaquim completa, em 2010, quarenta e seis anos de existência. São quase cinco décadas de uma atividade econômica que congrega milhares de trabalhadores, e de compradores féis, de domingo a domingo, a partir das cinco horas da manhã. As complexidades relacionais que foram construídas nestes quarenta anos compõem um patrimônio afetivo incomensurável. A preservação da Feira de São Joaquim, através de seu Tombamento, possibilitará a sobrevivência dessas formas de socialidade tão raras nas relações capitalistas de mercado – fora das feiras livres - notadamente em centros urbanos do porte de Salvador.
"Com qualquer dez mil réis
E uma nega
Oi
Se faz um vatapá ..."
(Dorival Caimmy, compositor baiano)
A Feira de São Joaquim é, toda ela, um momento/espaço ritual para diversos ritos, embora esta condição ritualística nem sempre tenha presença consciente entre a população e o devido reconhecimento na investigação etnográfica. Em Salvador, não são poucas as pessoas que lembram – de pronto (Top of Mind?) da Feira de São Joaquim quando têm que comprar o quiabo, castanha, amendoim, milho branco e outros ingredientes para fazer o caruru de São Cosme & São Damião, de Santa Bárbara, vatapá, mungunzá ...; quando têm que comprar aves, louças de barro, imagens folhas, velas de sete dias, incenso ... para trabalhos mágico-religiosos.
São quatro décadas (quase cinco) de uma atividade econômica que congrega milhares de trabalhadores, e de compradores fiéis, de domingo a domingo, a partir das cinco horas da manhã. As complexidades relacionais que foram construídas nestes quarenta anos compõem um patrimônio afetivo incomensurável. A preservação da Feira de São Joaquim, através de seu Tombamento, possibilitará a sobrevivência dessas formas de socialidade tão raras nas relações capitalistas de mercado – fora das feiras livres – notadamente em centros urbanos do porte de Salvador.
TERRA “BOA” E “SÔ
Em 1549, ano em que formalmente se registra sua fundação, Salvador possuía 500 habitantes. Edison Carneiro alega a possível incapacidade das naus de Tomé de Souza, em abrigar centenas de pessoas, para discordar da opinião de que o Governador Geral teria desembarcado com frota de 600 soldados (homens d’arma) e 400 degredados. Outras informações contam 5ooo habitantes, 200 soldados (de terra e mar) e menos de 100 degredados.”
MOREIRA, Vicente Deocleciano – LAUDO ANTROPOLÓGICO DA FEIRA DE SÃO JOAQUIM – SALVADOR – BAHIA. Brasília – DF, República Federativa do Brasil, Ministério da Cultura, Fundação Cultural Palmares, Instituto dPatrimônio Histórico e Artístico Nacional, janeiro de 2005.
(ATÉ AMANHÃ, FREGUÊS@! ...)
A Feira de São Joaquim não é apenas um lugar onde se compra e vende um número infinito e uma diversidade estonteante de produtos, mas também um território de socialidades e afetividades. Vendedores e compradores costumam tratar-se pelas expressões cumpade/cumade (compadre/comadre) ou freguês/freguesa ainda que nunca se tenham visto antes. As relações comerciais (mas não apenas comerciais) são sustentadas por relações de parentesco através da forma de compadrio, que é diferente daquela justificada pelo batismo ou crisma, na Igreja Católica Apostólica Romana, e daquela construída em torno da fogueira, durante os festejos de São João; ambas as formas, existentes desde os tempos coloniais, continuam exercendo influência e fundamentando as indispensáveis bases relacionais e emocionais desse “parentesco de feira”.
A instituição cristã do compadrio, não só entreteceu laços fortíssimos de parentesco espiritual entre famílias da mesma categoria como entre famílias de níveis diferentes, e dessarte assegurou a muita criança pobre, preta, ilegítima, enjeitada, a proteção de padrinhos ricos ou de posição, que se interessavam pela sua saúde, pela sua alimentação (...) As reações criadas pelo compadrio, inclusive por formas vicariantes de compadresco, - fogueira de S. João, de brinquedo, etc., foram de uma fôrça moral que bem podem ser consideradas entre os mas vigorosos laços morais atuantes, ainda hoje, na sociedade brasileira. (AZEVEDO, 1969 : 203-204)
Caminhando pelas ruas da feira, somos a toda hora alertados por frases, convites à compra, exclamações ... proferidas por carregadores, vendedores e feirantes em geral dotadas de extraordinária riqueza etnográfica e lingüística – como por exemplo: “OLHA O CARANGUEJO!” ... (com medo da lama do caranguejo, todos se afastam para o autor do grito, da advertência, passar – sorridente, apressado mas bem humorado – com seu carrinho de mão vazio).
O “compadrio de feira”, sustenta com lastro moral as relações sociais e econômicas na Feira de São Joaquim (e em tantas outras feiras livres de Salvador e do Nordeste brasileiro). Desta base se constrói a sustentação ética de uma relação comercial, dificilmente verificada, em Salvador, fora de suas feiras e mercados mais tradicionais (Sete Portas, Mercado de São Miguel ...)
Quando compradores e vendedores se encontram na Feira de São Joaquim e se chamam mutuamente freguês, freguesa ... esse quadrante de socialidade aponta para um nivelamento democrático, igualitário, solidário, entre pessoas que pertencem a uma mesma – por assim dizer – freguesia econômica, em que todos fazem parte de um mesmo grande grupo (que faz lembrar, de algum modo, a divisão eclesial católica em freguesias), num universo relacional de interdependência econômica – sem dúvida – mas também afetiva e de inteira confiança. Um exemplo dessa confiança ocorre quando o comprador confia ao vendedor problemas pessoais e familiais (casos de doenças, brigas, alcoolismo ...) e este – enquanto despacha – pergunta sobre tais problemas, e até mesmo opina, dá conselhos, orienta.
As expressões de socialidade de um supermercado transitam por territórios relacionais diferentes. Nesses estabelecimentos, os compradores são denominados clientes. A clínica médica também usa a expressão cliente para caracterizar a pessoa que, portadora de alguma enfermidade, sinal ou sintoma, um paciente, se utiliza ou pode vir a utilizar dos serviços de um médico ou um hospital. Enquanto num supermercado pode-se entrar mudo e sair calado. Até mesmo porque o caixa é quem cumprimenta, por mero gesto profissional, quem chega, o cliente, que não se sente obrigado a responder o bom dia ou boa tarde. Dificilmente esta mudez, tal silêncio, acontece numa feira. Há um mínimo de diálogo entre os fregueses nas relações comerciais que ocorrem numa feira.
A Feira de São Joaquim completa, em 2010, quarenta e seis anos de existência. São quase cinco décadas de uma atividade econômica que congrega milhares de trabalhadores, e de compradores féis, de domingo a domingo, a partir das cinco horas da manhã. As complexidades relacionais que foram construídas nestes quarenta anos compõem um patrimônio afetivo incomensurável. A preservação da Feira de São Joaquim, através de seu Tombamento, possibilitará a sobrevivência dessas formas de socialidade tão raras nas relações capitalistas de mercado – fora das feiras livres - notadamente em centros urbanos do porte de Salvador.
"Com qualquer dez mil réis
E uma nega
Oi
Se faz um vatapá ..."
(Dorival Caimmy, compositor baiano)
A Feira de São Joaquim é, toda ela, um momento/espaço ritual para diversos ritos, embora esta condição ritualística nem sempre tenha presença consciente entre a população e o devido reconhecimento na investigação etnográfica. Em Salvador, não são poucas as pessoas que lembram – de pronto (Top of Mind?) da Feira de São Joaquim quando têm que comprar o quiabo, castanha, amendoim, milho branco e outros ingredientes para fazer o caruru de São Cosme & São Damião, de Santa Bárbara, vatapá, mungunzá ...; quando têm que comprar aves, louças de barro, imagens folhas, velas de sete dias, incenso ... para trabalhos mágico-religiosos.
São quatro décadas (quase cinco) de uma atividade econômica que congrega milhares de trabalhadores, e de compradores fiéis, de domingo a domingo, a partir das cinco horas da manhã. As complexidades relacionais que foram construídas nestes quarenta anos compõem um patrimônio afetivo incomensurável. A preservação da Feira de São Joaquim, através de seu Tombamento, possibilitará a sobrevivência dessas formas de socialidade tão raras nas relações capitalistas de mercado – fora das feiras livres – notadamente em centros urbanos do porte de Salvador.
TERRA “BOA” E “SÔ
Em 1549, ano em que formalmente se registra sua fundação, Salvador possuía 500 habitantes. Edison Carneiro alega a possível incapacidade das naus de Tomé de Souza, em abrigar centenas de pessoas, para discordar da opinião de que o Governador Geral teria desembarcado com frota de 600 soldados (homens d’arma) e 400 degredados. Outras informações contam 5ooo habitantes, 200 soldados (de terra e mar) e menos de 100 degredados.”
MOREIRA, Vicente Deocleciano – LAUDO ANTROPOLÓGICO DA FEIRA DE SÃO JOAQUIM – SALVADOR – BAHIA. Brasília – DF, República Federativa do Brasil, Ministério da Cultura, Fundação Cultural Palmares, Instituto dPatrimônio Histórico e Artístico Nacional, janeiro de 2005.
(ATÉ AMANHÃ, FREGUÊS@! ...)
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