quinta-feira, 11 de março de 2010

MULHERES QUE NÃO SÓ DIZEM SIM (CONTINUAÇÃO)

DIA E SEMANA INTERNACIONAIS DA MULHER


“He ido marcando con cruces de fuego
el atlas blanco de tu cuerpo.
Mi boca era una araña que cruzaba escondiéndose.
En ti, detrás de ti, temerosa, sedienta."

“Veinte poemas de amor y una canción desesperada”, Poema 13, de Pablo Neruda, poeta chileno (1904-1973), Prêmio Nobel de Literatura de 1971)

MULHERES QUE NÃO SÓ DIZEM SIM: violência sexual contra prostitutas em Feira de Santana – Bahia


(CONTINUAÇÃO)


Dizer sempre SIM a todos (chefes, deuses, amores, clientes ... circunstâncias diversas) traduz o estar capturado por um gozo (nada a com orgasmo) que implica num repetição de atos, num eterno retorno nietzscheano entre a dor e a delícia de sempre estar dizedo sim seja lá ao que for, seja lá a quem for – não num círculo vicioso ou virtuoso já que círculos desta natureza estão ligados à Moral e esta à pulsão de morte. “Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é” (Caetano Veloso). Essa roda viva que circula entre dor e delícia persiste ... até que se presentifica alguma coisa que ‘fura’ o balão desse gozo, instala a falta e, por conseguinte, o desejo; o desejo barra o gozo, vai deseternizar o retorno dor – delícia. “Basta, eu não quero mais isso para a minha vida!”.”Chega: não quero mais continuar repetindo isso”

Se uma ou algumas das depoentes já esteve capturada pelo gozo de serem dessas mulheres que só dizem sim - inclusive à violência sexual - agora, ao experimentar a falta, o desejo barrando o antigo gozo, (gozo às vezes mortífero), ela passaram a assumir a condição de sujeito e de agentes da despublicização de seus próprios corpos. Cada uma retificou a posição subjetiva Não mais o corpo público de uma mulher pública – e sim o corpo privado de uma mulher privada e cidadã Não é outra coisa o que querem dizer, por exemplo, os seguintes depoimentos dentre outros:


“Realmente ele enxerga a gente como se fosse uma mercadoria que ele tá pagando e que ele tem direito de levar ou de fazer como ele quiser e entender – e não é bem assim.’


“Poxa, eu acho que não é porque ela é prostituta que ela tem que topar do jeito que ele quer, tá entendendo? Não é assim porque, para mim, no meu pensar não funciona assim; no meu trabalho, eu batalhando assim tem que ser da maneira que eu achar que ele pode mexer no meu corpo.”


Formas menos individualizadas de dizer NÃO à violência sexual têm se traduzido no apelo à cumplicidade, à solidariedade - ao esprit de corps enfim:


“Aqui é uma por todas e todas por uma então assim, aqui dento nós não temos ninguém para proteger a gente, aqui a gente pode levar tapa até amanhecer o dia ninguém acode a gente, não tem como escapar. Não existe segurança, ninguém que faça nada por nós aqui dentro, é pau doido, tem que sair ou então apanha”.



“É o jogo de cintura, né? Até quando eu tô assim dia de domingo sozinha com a dona da casa lá que eu frequento, aí tem vez assim um cara mal encarado até ela fica meio assustada aí fala “cadê Jorge mais Paulo, não chegou ainda não?” aí a gente responde: “Paulo foi comprar o almoço, foi comprar o jornal e já tá chegando” só pra dá idéia de que tem dois homens na casa ... de segurança, entendeu? É pra passar, pra ele não entender que tá assim as duas sozinhas e querer se aproveitar.”



”Tem ambientes lá fora que a pressão é bem mais forte assim, pelo menos a agressão física é bem mais constante. Acontece com mais freqüência, porque aqui a gente tá sempre uma olhando pela outra, né? Tem que tá sempre uma acompanhando a outra, tem que tá sempre de olho, quando agente vê que a pessoa não é legal a gente avisa e lá fora não, lá fora a situação tá bem mais complicada [...] aqui é a forma mais amena da prostituição é essa daqui, mas dá pra se defender mais.”


As narrativas das humilhações praticadas por clientes agressivos traduzem – no tempo, no espaço e na diversidade cultural – o uso da força (inclusive a força física) como ratificação da crença na supremacia e na intocabilidade masculinas:


“Uma colega minha mesmo, levou tapa aqui na rua porque ela sentou na mesa com ele e tomou uma coca-cola, perguntou se ele queria namorar, ele falou que não, aí ela disse: “então eu vou saí pra correr atrás que nós estamos aqui pra isso” aí a menina pegou e deixou a latinha da coca lá em cima da mesa levantou e sentou aqui fora, na hora que sentou aí ele pegou começou a xingá ela de puta, de vários nome, aí dizendo que um dia ela ia pagá a ele porque tomou a coca-cola dele e não continuou com ele na mesa, que ele não é nenhum palhaço, aí pegou foi embora, depois ele voltou com mais 2 e os 2 pegou a menina e começou a bater aí juntou 3 home e bateu numa menina só, aconteceu isso por causa de uma coca-cola” (associada da APROFS).



Com a palavra, a Senhora Warren, personagem da peça teatral “A profissão da Senhora Warren” de Bernard Shaw (1856-1950).


“Eu mesma quantas vezes sentí pena de uma dessas pobres meninas, cansada fisica e moralmente, e tendo que ser agradável a um homem que ela desprezava, um grosseiro meio embriagado que pensava encantar, quando na verdade enojava amoça, cujo esforço terrível para suportar aquele homem nãopoderia ser pago com dinheiro nenhum do mundo. Mas ela tinha que suportá-lo, como se fosse uma enfermeira no hospital. Mulher nenhuma faz com prazer esse tipo de trabalho. Deus sabe! Mas quando se ouve as pessoas caridosas, ah! ... você poderia pensar que essa vida é um mar de rosas.”


Constituem fato corriqueiro, na arte e na vida, as situações insólitas criadas por clientes idosos – talvez animados pelo dito popular que assegura que “quando acaba a natureza começa a arte”


Personagem de “Memórias de minhas putas tristes” de Gabriel Garcia Marquez:


“Minha idade sexual não me preocupou nunca, porque meus poderes não dependiam tanto de mim como delas, e quando querem elas sabem o como e o porquê. Hoje em dia dou risada dos rapazes de oitenta que consultam o médico assustados por causa dos sobressaltos, sem saber que nos noventa são piores, mas já não importam: são os riscos de estar vivo.


Mais depoimentos de vida vivida:


“Tinha um pau deste tamanho! esse pau escondeu, o home ficou, ficou, ficou [...] e nada! Na relação sexual estava demorando de ejacular, aí eu disse: Ô moço, vai logo porque menos de dez minutos eu fico. Que eu gosto de fazer minhas coisa normal. Porque a maioria dos home que vem aqui, eles pergunta: Você faz o que? Faz tudo?”. Os velho, é os velho, não é os novo não, é os velho.”



“É, enquanto tem vários homens assim super educados que tratam a gente bem, que vai pra cama com a gente, se preocupa em tocar no nosso corpo, com cuidado, com carinho pra não tá machucando e até se desculpa quando por acaso esbarra, tem outro que chega “bota a perna pra lá, bota a perna não sei pra onde, faça isso, faça aquilo” e quando agente se recusa aí ele “ah, eu tô pagando, eu tenho direito”



“Eu conheci um coroa, eu fui pra casa do coroa. Quando chegou lá, minha menstruação chegou; ele queria me agredir dentro da casa dele, uma hora da manhã. Não tinha acontecido nada, ele falou: “eu não podia te dar nada e podia te fazer alguma onda com você agora”. Eu fiquei pianinha, eu fiquei queta pra não ter problema, entendeu? Aí ele pegou no carro aí quando chegou ali perto da Castro Alves ele parou o carro, me deu meus quarenta reais e foi embora; minha salvação é que ele fez consciente, tem home que pega a gente, que faz e não quer pagar, não paga, porque eu já fui vítima aqui mermo”.



“Eu sei de um caso também de um rapaz que foi pro quarto com a menina, aí pediu pra ela ficar na posição de quatro, aí ela disse que sentiu uma ardência nas costas, mas não tava sabendo do que se tratava. Quando ela acabou de fazer o programa, aí ela pegou vestiu a blusa – e a blusa era branca – aí quando ela chegou de costa pro salão todo mundo viu a blusa dela cheia de sangue. [...] Quando ela tirou a blusa, as costas tava toda retalhada de gilete, que ele cortou as costas dela toda de gilete, e ela não sentiu”


Quem podem ser e o que podem ser – sociologica e psicologicamente - os homens que habitam ou se escondem nas entrelinhas desses dramáticos depoimentos? A quem interessa que eles continuem ‘invisíveis’, sujeitos da violência sexual não identificados, não submetidos à reflexão pelas ciências sociais e psicológicas?

(AMANHÃ, SEXTA, FINAL DO ARTIGO)

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