DIA E SEMANA INTERNACIONAIS DA MULHER
“Puedo escribir los versos más tristes esta noche.
Yo la quise, y a veces ella también me quiso.
En las noches como ésta la tuve entre mis brazos.
La besé tantas veces bajo el cielo infinito”.
(“Veinte poemas de amor y una canción desesperada”, Poema 20, de Pablo Neruda, poeta chileno (1904-1973), Prêmio Nobel de Literatura de 1971)
MULHERES QUE NÃO SÓ DIZEM SIM: violência sexual contra prostitutas em Feira de Santana – Bahia
(CONTINUAÇÃO)
Nos depoimentos fica patente que as prostitutas (ou profissionais do sexo como elas se autodenominam) do Beco da Energia têm energia o suficiente para não dizer sempre sim, mas para dizer NÃO, por exemplo, à violência sexual a que estão diariamente expostas. Mas não só para a violência sexual; elas dizem NÃO a um imaginário brasileiro que, através dos ditos ou de algumas letras da Música Popular Brasileira as desqualificam como mulheres públicas, mulheres da rua ... em oposição ao ideário da mulher privada (a esposa) e da mulher da casa (a mulher casa-da, ou da-casa, a ‘rainha do lar’):
“boneca cobiçada das noites de sereno
teu corpo não tem dono
teus lábios têm veneno”.
(Bolinha e Biá).
"teu corpo não tem dono" - vale repetir.
Ou:
“Fingida estás pra sempre mas a culpa foi tua
deixaste de ser mãe para ser mulher da rua”
(Silvinho).
Denunciando o calote, e dizendo NÃO também à inadimplência:
“Tem home, que faz e não quer pagar, não paga, porque eu já fui, já fui vítima aqui mermo”
“Saí com um home, ele me tratou super bem, quando foi na hora de pagá meu dinheiro ele queria me agredir” .
Agressões físicas são formas de violência sexual que têm maior visibilidade numa vida nada fácil – apesar de todos os eufemismos e idealizações:
“Eu só senti o murro, ele chegou a quebrar meu nariz. [...] fiquei sem o dinheiro e com o nariz quebrado”.
“Como num caso que um rapaz lá tentou me enforcar com um travesseiro, sufocar. Na hora eu fingi que tave gostando, né? Aí, eu peguei na mão: “assim não, fio, assim não”
“Já sofrí violência sexual, já fui estuprada há alguns anos atrás, entendeu? E sei qual a sensação disso.”
Além de socos e pontapés, há lugar para agressões verbais elaboradas no rol dos contrutos sociais que desqualificam as prostitutas. Tem sido recorrente, nos dias atuais, a seguinte frase ou dito popular: “O Brasil é o único país do mundo em que puta goza, traficante usa droga e pobre vota na direita”. Trata-se de um modo “requintado” de violentá-las sexualmente infibulando-as ainda que simbolicamente.
Além das palavras e juízos ofensivo, consideramos violência sexual a todo e qualquer ato que tenha como alvo a genitália e os diversos orifícios do corpo, no caso, da mulher – sem o consentimento formal ou informal desta - quer esta agresão parta de qualquer parte do corpo do(a) agressor(a) quer de qualquer objeto utilizado pelo(a)agressor(a). A julgar pelos depoimentos/denúncias, aqui apresentados, os atos violentos partiram exclusivamente de homens. Mas, violência sexual inclui também, o calote, a inadimplência quando, como ocorre na prostituição, o ato sexual é pago. Vejamos, na íntegra, o que assevera o depoimento:
“Violência sexual é quando um home chega aqui, né? E que pega agente, fala que vai pagar, vai pro quarto chega lá transa e às vezes não paga e ainda qué bater por cima. É pra mim violência sexual é isso.”
“Às vezes não goza, aí quer bater, não quer pagar ... “
Ainda quanto às palavras ofensivas, há que se destacar a expressão puta com a qual a maioria das pessoas pensa estar desqualificando uma prostituta:
“... você é muito fraca pra ser puta”, bem assim. “e puta tem que ser é interada, já viu puta tremer porque viu uma arma, cá cá cá, eu tava só brincando”.
“Às vezes a gente passa na rua eles mesmo passa e aí fica puxando o cabelo, batendo na bunda [risos], chamando de puta, pra mim isso é uma violência e além de violência ainda é uma discriminação também”.
Ao se autodenominarem “profissionais do sexo”, as associadas da APROFS procuram se defender do peso societário e da corrosiva internalização subjetiva da palavra puta (ou mesmo da expressão prostituta). Entretanto, abrangência e amplitude profissional da autodenominação à parte, elas operam um franco gerenciamento foucaultiano (FOUCAULT, 1985), pois tiram o véu diáfano da hipocrisia vitoriana com que tentamos cobrir a sexualidade. Uma hipocrisia que sobrevive nos dias de hoje sobretudo porque nunca se falou tanto em sexo como hoje. Foucault tem razão: somos todos vitorianos. E ao fazerem esta revolução, tiram o sexo de sua redoma vitoriana (e atual) e o transformam numa profissão: profissionais do sexo, onde também trabalham outros profissionais: do ensino, da política, da medicina, da religião ...
É preciso dizer porém que, em suas mais remotas origens, puta significa moça, donzela, rapariga (e puto moço, donzelo, rapaz). Claro que, enquanto em diversas regiões do Sul do Brasil, rapariga significa moça, mocinha, no Nordeste desse mesmo país, rapariga quer dizer prostituta ou “mulher da vida”, “mulher de vida airada”, amante, amázia, manteúda (ou seja, que é mentida, sustentada financeiramente por um homem casado com outra mulher). A palavra puta é utilizada com proósitos ofensivos tanto mais quando é substantivada ou adjetivada. Porém, é adverbializada adquire conotação diferente. Qual filho não se orgulharia de sua própria mãe se alguém lhe dissese - “sua mãe é uma puta mulher”?
Existe uma terceira situação que também configura violência sexual, atualizada que é pelo medo de contrair DST principalmente AIDS; na verdade pelo risco real de ser contaminada pelo HIV/AIDS – como se pode cosntatar pelo texto dos depoimentos 36 e 39 dentre outros. A violência sexual aí constatada se dá, muitas vezes, através da tentativa de blefe, de engarnar a mulher, de tirar o preservativo sem que ela perceba:
“Tem deles que aceita, tem deles já que não aceita realmente, vai pro quarto, chega lá tem com a gente naquele negoço ... que a gente dá qualquer vacilo eles “pam!”, tira a camisinha, acontece já muita briga no quarto por isso, [...] ele começa com a ignorância, a violência, dentro do quarto mesmo.”
“Eu tava no quarto com um cliente, aí ele chegou e queria tirar, queria tirar o preservativo e aí a gente começou uma negociação com esse preservativo. Quando eu já tinha convencido a ele que eu ia devolver o dinheiro, que não tinha necessidade dele me pagar, que eu ia sair do quarto, que eu consegui abrir a porta do quarto ele gritou que eu havia roubado ele .”
“Comigo já aconteceu violência assim sobre o homem tirar a camisinha e começar a discutir e ele vim em cima de mim ...”
“Tem deles que aceita, tem deles já que não aceita realmente, vai pro quarto, chega lá tem com a gente naquele negoço ... que a gente dá qualquer vacilo eles “pam!”, tira a camisinha, acontece já muita briga no quarto por isso, [...] ele começa com a ignorância, a violência, dentro do quarto mesmo.”.
Conscientes da urgência da prevenção contra DST/AIDS – questão de vida ou morte - também dizem NÃO aos riscos de contraí-las:
“Quer que chupe sem camisinha e não pode”
“O medo maior que eu tinha era dele tá me passando uma doença assim, no caso, né? O HIV; porque ele insistiu tanto em ter relação sem preservativo, assim com uma veemência tão forte que eu achei que era por outro motivo. Não, era só pelo simples fato de tá transando sem o preservativo.”
“Tem que usar porque sem pode pegar doenças, pegar AIDS. Tem uns que não qué usar camisinha, quer que a mulé chupe sem camisinha, aí se não aceita ele qué bate na mulé.”
“O risco é um belo de um HIV, né? Por que um filho também corre um risco, mas um filho você pode até tomar um remédio antes da gravidez chegar aos 30 dias e sua menstruação descer e uma doença não tem como, não tem remédio que cure, bem assim se for o HIV é que é pior mermo.”
“ O medo maior que eu tinha era dele tá me passando uma doença assim, no caso, né? O HIV; porque ele insistiu tanto em ter relação sem preservativo, assim com uma veemência tão forte que eu achei que era por outro motivo, não era só pelo simples fato de tá transando sem o preservativo.”
“Como um dia desse, chegou um cara no meu quarto, eu sintí, eu sintí quando a camisinha tinha estourado e ele só em cima de mim, aí eu empurrei ele.”
“Porque o certo é usar, né? Porque tem pessoas que tudo que tem pela frente eles tão pegando. Eu acho que não é assim, tem que pegar uma pessoa que a pessoa já conhece quem é a pessoa, mas tem mulheres aí que usa droga, anda tudo acabada de droga e tem home que pega e às vez nem usa camisinha.”
(AMANHÃ, QUINTA, CONTINUAÇÃO)
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