domingo, 4 de abril de 2010

CRÔNICA DOMINICAL - DOMINGOS PASSAM COMO A BANDA DE CHICO BUARQUE

CRÔNICA DOMINICAL

DOMINGOS PASSAM COMO A BANDA DE CHICO BUARQUE
Vicente Deocleciano Moreira
vicentedeocleciano@yahoo.com.br
vicentedeocleciano@gmail.com
FONTE DIRETA – Blog http://www.viverascidades.blogspot.com


Domingos passam como passa “A Banda” de Chico Buarque. Ao amanhecer, a banda aparece no início da rua; ao anoitecer vira a última esquina e desaparece. A poeira levantada não nos deixa ver o post mortem.

Nesse intervalo entre o amanhecer e o anoitecer, sobra tempo e espaço para as artes dos encontros e as artes dos desenlaces. E também para as artes da prostração e do se arrastar à janela para ver a banda passar.

Tenho sobre a mesa um poema de Antonio Brasileiro (“Com/Sem”) e uma letra de Tim Maia sobre composição de Massadas e Sullivan (“Um dia de domingo”)

COM/SEM
Antonio Brasileiro

Morreste em mim domingo à tarde

Em vão te procurei nos alfabetos
E os hieróglifos da memória emudeceram
como um grito
que só tivesse o eco:
não, não me resta nada a perfazer.
Tudo em mim se cumpriu,
só eu não me cumpri.
Do que ficou,
construí um poema amargo.
E os dias a se estamparem nas retinas
me lembrarão sempre
que tu morreste em mim domingo à tarde.

E eu em mim morri todos os dias.




UM DIA DE DOMINGO
Tim Maia
(composição de Massadas e Sullivan)
Eu preciso te falar
Te encontrar
De qualquer jeito
Pra sentar e conversar
Depois andar
De encontro ao vento
Eu preciso respirar
O mesmo ar que te rodeia
E na pele quero ter
O mesmo sol
Que te bronzeia
Eu preciso te tocar
E outra vez
Te ver sorrindo
Te encontrar num sonho lindo
Já não dá mais pra viver
Um sentimento sem sentido
Eu preciso descobrir
A emoção de estar contigo
Ver o sol amanhecer
E ver a vida acontecer
Como um dia de domingo
Faz de conta que
Ainda é cedo
Tudo vai ficar
Por conta da emoção
Faz de conta que
Ainda é cedo
E deixar falar a voz
do coração



O primeiro texto, “Com/Sem”, exibe as artes dos desenlaces. O segundo, “Um dia de domingo”, as artes dos encontros. Ambos têm um dia de domingo como cenário posto, proposto ou postiço. Sempre os domingos. Ambos nos pegam pela mão e nos levam de um ponto a outro de uma possível estrada urbana. Uma via pavimentada com as músicas de amor com que uma possível banda (de Chico Buarque) nos brinda o espírito e nos flecha o coração.


As dores dos desenlaces e dos finais de trilhas amorosas, quando acontecem num domingo, têm um amargo especial. Desvanecem-nos e nos conduzem ao sem retorno da morte. Os prazeres, encontros e recomeços nessa arte do encontro chamado vida, não precisam ocorrer num domingo, mas obrigatoriamente precisam da fragância dominical para a necessária convalidação.


O que há de comum entre os dois estados d’alma é a efemeridade ao modo das águas heraclitianas. A banda sempre está passando, mas a dor fica. Mas o mel bombeado pelo coração, no amor. fica. Tudo, depois que a banda passa, toma o seu lugar. A paixão que já não incendeia tanto. A dor que fica grisalha, cinzenta como se houvera ocorrido algum incêndio antes.


Conheço pessoas que para tentar fugir dos espíritos vagabundos de obras do sentir (como a poesia e a letra da canção que aqui tomamos como exemplo), simplesmente trabalham aos domingos, tendo descansado ou não no sábado. E o computador é o cúmplice perfeito, um secretário (no sentido original daquele ‘que guarda segredos’).


Gosto dos parques de diversão aos domingos e de olhar a vida das pessoas que os frequentam. Solidarizo-me com suas caras e almas de alegria e de solidão triste.
Não falo desses dos shopping centers (que, aliás, são chamados play centers ou coisa digitalizáv el que o valha) que, num mínimo descuido, a gente neles tropeça.


Falo e gosto mais desses parques armados nas praças de uma cidade. Nós o escolhemos. Não somos escolhidos. Têm cheiro de perfume vencido e de “churrasquinho de gato” vencedor da fome, pamonha de milho, maçãs do amor . Roda gigante, chapéu mexicano, lagarta gigante, a mulher que vira gorila, túnem malassombrado, cadeira voadora,... tudo quase ainda manivela, tudo tecnologias eletro-macondianas ... e que mais cedo ou mais tarde abandonarão o local .... Voltará o parque de diversões no próximo São João, no próximo Natal, no próximo qualquer dia desses? Quem haverá de saber?


Como uma nuvem de perfume deixada pelo passar de uma pessoa perfumosa, a nostalgia no rastro da banda vira a última esquina da rua.


Lama pastificada de poeira e lágrimas a nos fechar os olhos. Não façamos caso; bem ou mal, a banda acordará com seus acordes sonantes o primeiro sol do próximo domingo.

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