quarta-feira, 21 de abril de 2010

INTERFACES 7 – FESTAS JUNINAS

Interfaces Antropologia e História do urbano. CIDADESSERTÃO: A CIDADE RECEBE E ACOLHE O SERTÃO: 7 – Festas Juninas

Vicente Deocleciano Moreira
vicentedeocleciano@yahoo.com.br
vicentedeocleciano@gmail.com
FONTE DIRETA – Blog http://www.viverascidades.blogspot.com

A série Interfaces Antropologia e História do urbano. CIDADESSERTÃO: A CIDADE RECEBE E ACOLHE O SERTÃO vive hoje, 21 de abril/2010, sua penúltima postagem e já começa a deixar saudades. Amanhã, quinta-feira, faremos a última postagem da série: “conclusão” ou “fechamento”, arremates e alguns acréscimos ... e o que faltou dizer.

De hoje a dois meses começa o solstício de junho: o sol irá atingir o ponto mais ao Norte de sua trajetória pelo cosmo. No Hemisfério Norte, começará o verão, no Sul o inverno. Quando este fenômeno solsticial acontecer, o Nordeste (e outras regiões brasileiras) já terá comemorado a Festas do Dia dos Namorados (12 de junho) e de Santo Antonio (dia 13 e, às vésperas da Festa de São João (23/24 de junho), já não caberá em si de tão contente. Não se contentará de contente. O que a Natureza, com a ajuda da própria Natureza, dos humanos e, de São José conseguirem até então produzir de milho, pinhão, laranja, amendoins ... a sorte estará lançada.

Eu plantei meu milho todo no dia de São José
Se me ajuda a providência, vamos ter milho à grané
Vou coiê pelos meus caico
20 espiga em cada pé
Pelos caico eu vou coiê 20 espiga em cada pé
Ai São João, São João do Carneirinho
Você é tão bonzinho
Fale com São José, fale lá com São José
Peça Pra ele me ajudar
Peça pra meu milho dá
20 espiga em cada pé.


(Luiz Gonzaga e Guio Morais – “São João do Carneirinho”)

Se chover no Sertão no Dia de São José (19 de março), a cidade consumirá, mais e com menos preço, milho (cozido, assado), fubá, canjica, curau, lêlê, mungunzá, pamonha de milho, amendoins cozido, bode na brasa, laranja ... além de licor. Um banquete pantagruélico à altura para comemorará a recepção e o acolhimento do Sertão pela cidade.

É possível registrar ainda, na cidades, costumes rurais, sertanejos como quermesses, festas de largo e um rito de visitas aos vizinhos que tem seu ponto alto na pergunta que os visitantes fazem ao possível ou forçado anfitrião: “São João já passou por aqui?”. Claro que, para evitar surpresas e respostas desagradáveis e desviantes da tradição, (“Não, São João ainda não passou por aqui.”) as famílias preparam e deixam sobre a mesa pratos com canjica, amendoins cozidos, pamonhas, à disposição dos animados e esfomeados visitantes. Em muitas cidades, a exemplo de Petrolina (Pernambuco), São João é, também, festa de largo.

DIA DOS NAMORADOS

As festas juninas, urbe et orbe, cidade e Sertão, são as festas do amor e da fecundidade. Começam no Dia dos Namorados, 12 de junho, de forte apelo comercial – pode-se acusar – mas também junina e coerente com o espírito amoroso, afetivo, amor cortês e casamenteiro do mês.

Numa leitura a partir da Antropologia do Amor, namoro em princípio e no princípio é processo ritual (e seus ritos de agregação, liminaridade e agregação) que marca o início da vida amorosa. Paquerar, Ficar, Namorar são faces desse mesmo processo ritual. Namorar é o começo de tudo; seu dia – como já sabemos – é 12 de junho.

SANTO ANTONIO

Se o namoro sugere, inspira, continuidade afetiva eis que – na rapidez de 24 horas depois – chegou o Dia de Santo Antonio,13 de junho, herança lusitana, santo casamenteiro, amigo de quem está só à procura de um amor, amigo de quem quer manter o amor conquistado, no Brasil e (et por cause) em Portugal.

Cá vai a marcha, mais o meu par
Se eu não trouxesse, quem o havia de aturar?
Não digas sim, não digas não
Negócios de amor são sem precaução
Já não há praça dos bailaricos
Tronos de luxo no altar de manjericos
Mas sem a praça que foi da Figueira
A gente cá vai quer queira ou não queira
Ó noite de Santo Antônio
Ó Lisboa de encantar
De alcachofras a florir
De foguetes a estourar
Enquanto os bairros cantarem
Enquanto houver arraiais
Enquanto houver Santo Antônio
Lisboa não morre mais
Lisboa é sempre a namoradeira
Tantos derriços que já até fazem fileira
Não digas sim, não me digas não
Amar é destino, cantar é condão
Uma cantiga, uma aquarela
Um cravo aberto debruçado da janela
Lisboa linda do meu bairro antigo
Dá-me teu bracinho
Vem bailar comigo
(

Norberto Araújo e Raul Ferrão – “Noite de Santo Antonio”, imortalizada pela voz de Amália Rodrigues, cantora portuguesa)

Antonio é santo milagreiro da ubiquidade e endereço mágico-religioso dos querem casar – e estão passando algumas dificuldades para realizar tal sonho. A tradição religiosa manda cantar com fé:


Subie precioso incenso
Até o trono do altíssimo
Incensai glorioso Antônio
Com perfume suavíssimo
...
Esta linda esperança
Que envolve a alma pia
Seja aceita lá no céu
Por Antônio e Maria
...
Subie precioso incenso
Até o trono do altíssimo
Incensai glorioso Antônio
Com perfume suavíssimo
Até as flores se alegram
Com o surgir do vosso nome
Subie precioso incenso
Incensai glorioso Antônio
...
Subie precioso incenso
Até o trono do altíssimo
Incensai glorioso Antônio
Com perfume suavíssimo


(Autor desconhecio – “Incenso”)


SÃO JOÃO


São João, dia 24, é a festa da fogueira, do arder dos paus, da lenha, dos pênis. Vizinhos, homens na cidade e no Sertão, ficam ansiosos em mostrar aos outros homens que os paus da sua fogueira – seus próprios pênis - são mais bonitos porque ardem mais. Pau seco e duro, de boa madeira, eis o pau bom para queimar, arder. Pau velho e molhado não queima.

Dançamos quadrilha, nomeamos compadres/comadres de fogueira quem pula conosco sobre a fogueira. E como ocorre em todo compadrio, estão proibidas entre nós as relações sexuais. Não rars vezes, o compadrio de fogueira é uma forma de repressão sexual; tanto que, derrubado o muro da interdição, mandamos o compadrio e suas proibições às favas ... mas perdemos - por definição - o parentesco de compadrio.

O fogo que arde na moça e no rapaz é tanto que, zelosos, pais e mães chamam e clamam por São Paulo (Bíblia):

“Mas, por causa da prostituição, cada um tenha a sua própria mulher, e cada uma tenha o seu próprio marido” (1 Co 7.2).

“Se não podem conter-se, casem-se; porque é melhor casar do que ficar ardendo em desejos, do que abrasar-se”. (v.9)


São João é também a festa dos grãos, , das sementes (milho, amendoins), do sêmem que, se for de boa qualidade, ou seja, plantado no Dia de São José – padroeiro da família, membro da Sagrada Família, virão belas espigas, pênis rijos e espigados com o maior tesão e de bom funcionamento erétil. E, além disso, exibidores de bons semens, milhos graúdos, espermatozóides velozes e óvulos francamente receptivos. São João é, também, casamento na roça e na cidade.

Lá e cá, manda a tradição que depois, do “eu vos declaro marido e mulher”, lancemos grãos de arroz sobre o alegre casal ... para desejar-lhes bons espermatozóides, bons óvulos ... fertilidade e muitos filhos enfim. Arroz é mais delicado. Jogar milho (grão tão apreciado pelas galinhas) seria profundamente ofensivo para ele e para ela - pelo significado que tem a expressão ‘galinha’ para rotular homens e mulheres de conduta sexual, erótica, desenfreada e infiel. Afinal, daqui por diante a fidelidade unirá, mais e mais, os dois numa só carne. Que não separe o homem o que Deus uniu.

A riqueza do São João – que a cidade recebe do Sertão – mostra o sexo ingênuo de crianças da Educação Infantil, nas escolas urbanas. Meninos e meninas são vestidos com a ingenuidade das roupas ‘caipiras’, chapéus de palha. Desenham-se bigodes e costeletas (suissas) no rosto dos meninos. As meninas, os rostos maquiados com exagero previsível, dançam de modo sedutor. Crianças querendo ser adultos. Há toda uma conotação, nas festas juninas, que remete à ingenuidade, à pureza dos começos:

Ai que saudades que eu sinto
Das noites de São João
Das noites tão brasileiras na fogueira
Sob o luar do sertão

Meninos brincando de roda
Velhos soltando balão
Moços em volta à fogueira
Brincando com o coração
Eita, São João dos meus sonhos
Eita, saudoso sertão
(

Luiz Gonzaga – “Noites Brasileiras”)

“Meninos brincando de roda” – jogo de sedução; “Velhos soltando balão” – frustração erétil e sexual; “Moços em volta à fogueira / Brincando com o coração” – paquera, insinuação de namoro e, ante a fogueira, quentes promessas de sexualidade.


SÃO PEDRO


Encerrando as festas juninas dia 29 temos São Pedro, o viúvo. A amor que, começado com mil promessas em Santo Antonio, termina com a morte de um dos cônjuges. Daí que a tradição recomenda que só vi[uvas e viúvos acendam fogueira no Dia de São Pedro. Como praticamos inúmeros ritos de evitação da morte,. Na maioria dos lugares São João é mais animado que São Pedro. Até mesmo o dia 29 de junho, antes feriado _ tanto quanto o 24 de junho – hoje, na maioria dos lugares, é um “dia útil”, como outro qualquer. Nada de feriado, afinal o Brasil precisa crescer ... para que tanto feriado?. Essa é a boa desculpa para fugirmos da indesejável, mas inevitável, viuvez.

AINDA JOÃO


capelinha de melão
É de São João
É de cravo, é de rosas
É de manjericão

Acordai, acordai
Acordai João
João está dormindo
Não acorda, não

Meu glorioso Santo Antônio
A sua capela cheira
Cheira a cravos, cheira a rosas
Cheira a flor de laranjeiras

Acordai, acordai
Acordai João
João está dormindo
Não acorda, não

Pedro perdeu as flores
Por delas não estar junto
Não tem cravo, não tem rosas
Tem capela de defunto

Acordai, acordai
Acordai João
João está dormindo
Não acorda, não

Saudemos a São Pedro
E também a São João
Saudemos a Santo Antônio
Com canjica e balão

Acordai, acordai
Acordai João
João está dormindo
Não acorda, não

Onde está João Batista
Ele não está na igreja
Anda de casa em casa
Para ver quem o festeja

Acordai, acordai
Acordai João
João está dormindo
Não acorda, não

Fui pedir a São João
Que me fizesse casar
Dez noivos me vieram
Nenhum deles quis casar

Acordai, acordai
Acordai João
João está dormindo
Não acorda, não

São João é bem bonzinho
Porém é muito velhaco
Fui pedir me desse um noivo
Quando olhei já tinha quatro

Acordai, acordai
Acordai João
João está dormindo
Não acorda, não


(Autor desconhecido - "Capélinha de Melão")


Uma tradição, tributária da Biblia (Novo Testamento / Evangelho de São João/Apocalipse) percorre ruas do Sertão e das cidades: São João está dormindo, no seu dia. Melhor assim, pois se o acordarmos com nossos fogos – os de artifício e inclusive os da fogueira e do nosso próprio fogo sexual - o mundo se acabará. Pecadores temerários e irresponsáveis, talvez céticos, que somos, , continuamos a explodir todos os nossos fogos, no dia de São João.


Ainda cabe espaço (e advertência) para a profecia do Apocalipse:

“ O Anjo falou ainda: «Não guarde em segredo as palavras da profecia deste livro, pois o tempo está próximo. 11 O injusto, que continue com sua injustiça; o sujo, que continue com suas sujeiras; o justo, pratique ainda a justiça; o santo, continue a se santificar! 12 Eis que venho em breve, e comigo trago o salário para retribuir a cada um conforme o seu trabalho. 13 Eu sou o Alfa e o Ômega, o Primeiro e o último, o Princípio e o Fim. 14 Felizes aqueles que lavam suas roupas para terem poder sobre a árvore da Vida, e para entrarem na Cidade pelas portas. 15 Vão ficar de fora os cães, os feiticeiros, os imorais, os assassinos, os idólatras, e todos os que amam ou praticam a mentira”


HAVERÁ AMANHÃ. ATÉ AMANHÃ..

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