sexta-feira, 16 de abril de 2010

Interfaces 2 – AS CHEIROSAS DO VER O PESO

Interfaces Antropologia e História do urbano. CIDADESSERTÃO: A CIDADE RECEBE E ACOLHE O SERTÃO: 2 – AS CHEIROSAS DO VER O PESO


“Em 1896 há de rebanhos mil correr da praia para o sertão; então sertão virará praia e a praia virará sertão.
Em 1897 haverá muito pasto e pouco rasto e um só pastor e um só rebanho.
Em 1898 haverá muitos chapéus e poucas cabeças.
Em 1899 ficarão as águas em sangues e o planeta há de aparecer no nascente com o raio do sol que o ramo se confrontará na terra e a terra em algum lugar se confrontará no céu...
Há de chover uma grande chuva de estrelas e aí será o fim do mundo.
Em 1890 se apagarão as luzes.”


(Profecias de Antonio Vicente Mendes Maciel, o Antonio Conselheiro, nascido em 1830 em Quixeramobim, Ceará. Morreu em Canudos (Bahia) em 1897).


Vicente Deocleciano Moreira
vicentedeocleciano@yahoo.com.br
vicentedeocleciano@gmail.com
FONTE DIRETA – Blog http://www.viverascidades.blogspot.com

Quando a cidade recebe e acolhe o sertão, é o sertão que virou mar ou o mar que virou sertão?


São conhecidas e atendem pelo nome de Cheirosas as mulheres que vendem ervas, garrafadas, fitoterápicos e congêneres no Mercado de Ver o Peso em Belém, capital do estado do Pará, Brasil. No mundo da comercialização de ervas, em barracas e lojas em que os homens são maioria, as Cheirosas se constituem exceção pois são amaioria no Ver o Peso. Certamente, isto se deve ao processo de urbanização que marcou a região amazônica, processo este que manteve, com bastante vigor, as influências culturais dos indígenas. E que, também, encontrou na decadência da borracha (1912) seu ‘divisor de águas’

Segundo Kampel, Câmara e Monteiro (2001),

Com a queda das exportações da borracha, em 1912, esta rede urbana se desestruturou. Muitas cidades se esvaziaram e a estagnação econômica promoveu o aparecimento de novas aglomerações a partir do êxodo rural das unidades produtoras de borracha. As aglomerações passaram a explorar recursos locais e reduzir as trocas de mercadorias entre elas, num processo de auto-organização. Este processo aliado à estagnação da economia regional explicam a relativa estabilidade da estrutura de povoamento nas décadas que se seguiram. Surgiram frentes de povoamento no domínio das savanas: criação de gado no Mato Grosso, vilas no Tocantins associadas à exploração mineral e no Maranhão vinculadas à cultura do arroz.

(...)


Espacialmente identificou-se: a substituição do padrão dendrítico pelos eixos viários, aperda de importância de Belém e Manaus com população não mais concentradas em grandes centros urbanos, a consolidação das regiões metropolitanas - Manaus, Belém, São Luís e Cuiabá, e a consolidação de cidades médias e pequenas (50.000 habitantes) no interior. Entre 1991 e 1996, os processos de urbanização e desconcentração se acentuaram, com o surgimento de novos municípios (Constituição de 1988) e com o crescimento da população em núcleos urbanos de 20.000 habitantes. Como resultado, obteve-se a concentração dos núcleos urbanos ao longo dos eixos fluvial e viário,desenhando um macrozoneamento regional.



Nos grupos indígenas, o Pagé detém o poder e o saber sobre muitos tipos de ervas. É exclusividade dele os segredos e as técnicas mágicas de como utilizá-las para a comunicação com os espíritos no transe místico-religioso. Mas as mulheres indígenas – a exemplo do que ocorreu em períodos os mais remotos da histórica econômica (divisão sexual do trabalho, comunismo primitivo ...) – conservou-se hegemônica ao menos no conhecimento e comércio de ervas.

O Ver o Peso, mercado a céu aberto, está situado nas docas de Belém, às margens da Baía do Guarajá, ao lado do Forte do Castelo, e tem origem na segunda metade do século XVII. Mais exatamente num posto que, em 21 de março de 1688, os portugueses criaram para fiscalização e tributos: a Casa do Haver o Peso, com uma balança, e sob a responsabilidade de um funcionário público. O chamado complexo Ver o Peso (tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístioco Nacional – IPHAN – em 1997) é composto pelas Praças do Relógio, dos Velarmes, Mercado de Ferro, Mercado de Carne, Doca, Feira do Açaí, Ladeira do Castelo, e pelo Palacete de Bolonha – presente do engenheiro Francisco Bolonha a Alice, sua esposa, em 1905.


As duas mil barracas do Ver o Peso ocupam 26,5 metros quadrados, onde são vendidos peixes (água doce e água salgada), crustáceos, carnes, legumes, refeições, animais vivos, frutas e artigos regionais, garrafadas à base de andiroba, artesanato, preparados com nomes bastante sugestivos como: “Chama Dinheiro”, “Queira ou não queira tem que me querer” ... – e também ervas, perfumes (cheiros), ervas místicas e aromáticas e artigos religiosos.

Eis os nomes e indicações terapêuticas populares de algumas ervas:

Quebra pedra – elimina cálculos no fígados, rins, bexiga, alivia tosse, alivia as ‘dores de cadeira’, das juntas, hidropsia, dores de barriga, azia, prostratite. O chá das folhas e da sementes é recomendado contra diabetes.

Cravo da Índia – alivia dor de dente e gases, indicado contra impotência sexual, digestivo e facilitador do fluxo menstrual.

Capim-cidreira, capim-cidro e capim-limão – sedativos, fazem transpirar, combatem gases intestinais, aliviam tosse, incômodos urinários e mhisterismo. Recomanda-se uso moderado para não debilitar a pessoa.

Papoula – suas sementes comidas com pão resolve problemas de insônia, combate tosse, asma, alivia dores do câncer.


Tudo isso sem falar dos poderes terapêuticos de plantas como: aroeira, calêndola, dente de leão, margarida dourada, mal-me-quer, amor-dos-homens, erva de santa maria (ou erva de bicha) e tantas outras.

Todo este conhecimento – não raro contrabandeado para outros países ou utilizado, livre e confortavelmente, por algumas indústrias farmacêuticas e de cosméticos (nacionais e estrangeiras) – tem origem no sertão, entra na cidade e encontra diante de si o desafio de curar doenças urbanas e estranhas àquelas próprias do sertão, do interior da floresta amazônica.

As ervas fazem a floresta virar cidade e a cidade virar floresta.


REFERÊNCIA

KAMPEL, Silvana Amaral, CÂMARA, Gilberto e MONTEIRO, Antonio Miguel Vieira – Análise espacial do processo de urbanização da Amazônia. Relatório Técnico. Brasília, DF, Ministério da Ciência e Tecnologia. Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, dezembro de 2001.

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