segunda-feira, 5 de abril de 2010

FÓRUM COMUNITÁRIO DE COMBATE À VIOLÊNCIA (FCCV) O JULGAMENTO DO CASO ISABELLA E ALGUNS DIVIDENDOS POLÍTICOS

FÓRUM COMUNITÁRIO DE COMBATE À VIOLÊNCIA (FCCV)
Salvador – Bahia - Brasil

Leitura de fatos violentos publicados na mídia
Ano 10, nº 10, 05/04/10

O JULGAMENTO DO CASO ISABELLA E ALGUNS DIVIDENDOS POLÍTICOS

Embora na última leitura divulgada por nós já tenhamos tratado do caso Isabella, convém voltarmos ao mesmo episódio por considerarmos relevante uma espécie de subproduto circunscrito aos ganhos de natureza institucional que envolvem aquela ocorrência.


Na construção midiática do caso houve uma projeção do Ministério Público paulista, da delegacia que tratou do assunto e do serviço de perícia da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo. Estes três entes foram representados por indivíduos que ganharam reconhecimento do público sob forma de admiração e simpatia e seus desempenhos se aproximaram de performances heróicas na defesa de um ideal de justiça. Seus papéis foram respaldados por procedimentos caracterizados como técnicos e científicos, componentes que possibilitaram uma projeção positiva do estado de São Paulo, território que figurou como detentor de recursos de alto nível, destacando-se, pelos meios de comunicação, como lugar que concentra a maior capacidade em toda a América do Sul no que se refere ao plano das perícias com suas sofisticadas técnicas de investigação policial.


Foi criada, assim, a possibilidade de se julgar aquela unidade da federação a propósito de elementos que têm escassa oportunidade de se tornarem visíveis e que compõem a estrutura tecnológica diferenciada como equipamentos para a análise de material genético ou o emprego de reagentes químicos tornados fundamentais para o estabelecimento das provas. Na exorbitante cobertura do caso, o estado de São Paulo conquistou um destaque especial, podendo-se imaginar que se a morte de Isabella tivesse ocorrido em outro estado brasileiro não seria possível a realização dos feitos judiciários tal como ocorrera na capital paulista. Um tal elogio, inserido com alta intensidade no discurso jornalístico, tem notável efeito político, comparável a uma consagração ou premiação.


Especialmente no que concerne à mobilização de equipamentos e de elementos técnicos, o estado de São Paulo foi, a partir da extrema espetacularização do caso, beneficiado, podendo-se dizer que o processo, independentemente da vontade das pessoas envolvidas, gerou frutos para os gestores do estado. Criou-se a impressão de preparo e de estado-modelo, apto a responder aos graves desafios produzidos pela criminalidade atual.



Os louros colhidos pelo estado ao disponibilizar provimentos para a construção das provas técnicas capazes de dispensar confissões e testemunhas presentes à cena do crime colocam São Paulo como cenário de ocorrência original, aspecto representado pelo tratamento jornalístico através da sugestão de que o caso Isabella deve ser visto como um marco, algo como um divisor da linha do tempo, um feito histórico.


Como marco ou como conquista de uma fronteira avançada, o caso se aproxima da idéia de inauguração de uma obra. E o julgamento foi o palco do grande lançamento público de uma nova performance estatal, contando com enorme adesão e paixão da população que, em certo sentido, pode testemunhar a aplicação das inovações técnicas as quais foram determinantes para o tipo de resultado alcançado pela justiça.



Evidenciou-se, também, que com a introdução destes componentes inovadores, a prova jurídica pode ser buscada na trama dos tecidos, nos materiais lavados, nos traços imperceptíveis que restam da cena do crime. Esta espécie de lente implacável, por sua vez, deu lugar a um olho tecnicamente dotado de condições de leitura, deixando manifesta a capacitação do quadro de profissionais que realiza a perícia técnica paulista. Tais aspectos, por sua vez, contribuem para a renovação da confiança nas instituições que promovem a justiça.



Convém recordar que a evocação à idéia de inauguração não pretende sugerir que as técnicas e tecnologias aplicadas no caso Isabella nunca tenham sido usadas em outras situações pela polícia paulista. Há muito tempo as inaugurações não correspondem, propriamente, ao primeiro instante de vida da obra, ao contrário, há casos de lançamento público de coisas já utilizadas previamente e, também, de feitos virtuais em pleno estágio de promessa. Na situação aqui tratada, o sentido de estréia deve ser vinculado à oportunidade que o julgamento de Isabella deu de tornar pública uma nova provisão técnica para a construção de provas jurídicas, devidamente cercadas por certa estetização do uso dos materiais no interior de um caso dramático, capaz de catalisar a atenção da população.



Frente ao quadro de violência e diante dos desafios e dificuldades no que se refere à constituição de provas testemunhais, a nova obra é saudada com muito entusiasmo ampliando-se os ganhos simbólicos em torno do estado que é, publicamente, seu detentor.

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