sexta-feira, 2 de abril de 2010

ITAPUÃ BELO E DESIGUAL / SALVADOR 461 ANOS

ITAPUÃ BELO E DESIGUAL / SALVADOR 461 ANOS


Vicente Deocleciano Moreira


Itapuã ou, como na versão original indígena, “pedra que ronca” é dos bairros mais típicos de Salvador. Dizer isto sobre Itapuã chega a ser um truísmo. Mas, como eu disse anteriormente, o bairro nunca deixou de ser a vila de pescadores que sempre foi - este é o seu ethos - apesar dos condomínios, mansões e hotéis sofisticados à beira mar e das rua e habitações pobres e abandonada à beira da Avenida Dorivalo Caymmi.

Vinicius de Moraes, Osvaldo Fahel, Caetano Veloso ... Itapuã é o bairro de Salvador mais cantado em prosa e verso. Seus coqueirais, a brisa, o mar, a enseada e a vida boêmia que tanto atraem baianos e turistas são o diferencial do bairro. A “cachaça de folha” (cachaça de foia”) completa o quadro de atrações.

Gosto de observar o modo como os moradores dos diversos bairros da capital baiana se vestem ao sair às ruas. Itapuã é um caso à parte. Homens saem às ruas sem camisa, troncos tostados pelo sol, trajando bermudas ou calções e sandálias com notável simplicidade. Parecem pescadores a deambular nas vielas, praças e cais de suas aldeias. Mas esta informalide do trajar masculino não será comum em bairros praieiros? Não. Há bairros praieiros e bairros praieiros. Pituba. Amaralina, Boca do Rio Ondina, Rio Vermelho estão a beira mar, porém os homens moradores não se vestem com tanta informalidade e descontração nas ruas desses bairros.

A Pituba , por exemplo, é um bairro praieiro mas os moradores se permitem no máximo camisetas cavadas mesmo em 'dias úteis' Em Itapuã, as desigualdades sociais são mais gritantes que na Pituba ou na Boca do Rio, outro bairro tão popular quanto Itapuã

O que eu quero dizer é que, na capital baiana, há bairros mais pobres que Itapuã. Porém, da mesma forma que nos bairros ricos (itaigara, Horto Florestal ...), há um certo ‘nivelamento’ dos ricos (e não a distância quilométrica entre ricos e pobres), nos bairros pobres (Mata Escura, Engomadeira ...), verifica-se nivelamento entre os pobres,;não há, pois, uma separação devastadora entre pobres e ricos. Itapuã, desde sempre foi agraciado pelos artistas, Turismo e mídia como um bairro boêmio de belas praias e exuberantes coqueirais. Nem sei se estes adjetivos ainda cabem, com algum conforto na dura realidade do bairro hoje (abril de 2010).


Em Itapuã, ricos e pobres estão separados inclusive fisicamente: na orla os ricos, a Avenida Dorival Caymmi, longe da orla, os pobres. Não há como nivelar cada um desses dois grupos. Quem é rico (mora nos loteamentos sofisiticados mansões palaciais. Quem é pobre está deles distate física e, com maior severidade, socialmente. Não conheço outro bairro assim, em Salvador, uma cidade em que é comum pobres serem vizinhos (de janela) de ricos.

O Itapuã dos ricos recebe a brisa do mar de tão próximo que dele está. O Itapuã pobre corre nas duas margens da Avenida Dorival Caymmi, ocupa áreas invadidas e sofre com vielas e calçadas estreitas, llixo, construções inacabadas e esgoto a céu aberto.

Bem, a praia é, ainda um dos espaços mais democráticos de uma cidade (Salvador, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Fortaleza ...). Entretanto, democracia não quer dizer – nem mesmo na areia e na água da praia - superação das desigualdades sociais. Pois bem: na faixa da enseada e na praia próxima e defronte do Calçadão da Sereia os negros e os pobres tomam banho de mar. Na faixa sob as amendoeiras, próxima e após o Farol, os brancos e os ricos, os visitantes e os turistas.

Não é que haja policiais determinando tal segregação; nem precisa e nem seria legal (em todos os sentidos desta palavra); tudo se dá “naturalmente’; “cada macaco nos seu galho”

As barracas, sofisticadas no serviço, mobiliário comidas e bebidas atendem o segmento social formado por brancos, ricos e turistas. Mais adiante, além do Farol, barracas ainda mais sofisticadas; poltronas, lounge, poltronas confortáveis. E também preços proibitivos que atraem gente de alto poder aquisitivo e afastam até as mais desvairadas ilusões de consumo da maio rparte (pobre) dos moradores de Itapuã. E de Salvador em geral.


Feira Livre e dunas do Abaeté


A extinção da feira livre foi o maior desastre administrativo de Itapuã só comparável ao abandono das dunas da Lagoa do Abaeté pelos poderes públicos. Nos anos 70, era comum casais e grupos de amigos e de cantores dos mais diversos bairros de Salvador se sentarem e se aconchegarem dessas dunas em noites de lua cheia. Hoje, até recordar tudo isso torna-se perigoso para a segurança pessoal. A degradação do ambiente e da segurança pública que tem vitimado o local e a cidade fazem com que estar nas ruas, barews e restaurantes de Salvador, depois das dezoito horas, uma exposição irresponsável ao risco de assaltos, balas perdidas e assassinatos.

Felizmente o mercado popular (bares e restaurantes populares, venda de peixes) é um dos poucos sobrevivente de uma época em que este tipo de equipamento era um poderoso mkodismo. O mercado do Rio Vermelho,decadente, está sendo substituído por um outro de desenho moderno.Como Sidartha, sentemos, meditemos e esperemos.

Itapuã não é, certamente, o bairro mais pobre da capital baiana. Mas é que abriga o maior e mais largo fosso que separa os ricos dos pobres. Basta passar uma tarde em Itapuã para ouvir os gritos da desigualdade social em meios a bares e coqueiros.

Um comentário:

  1. Quero parabenizar este artigo. Simples, mas profundo em suas reflexões. Quero destacar o fragmento "preços proibitivos" quando se refere a segregação social, economica e espacial que, aliás é responsável pela expulsão de moradores de outras partes da cidade do Salvador, entre outras (Feira de Santana, onde resido atraves da implantação de condomínios e loteamentos fechados, forçando a especulação imobiliária e, consequentemente afastando os citadinos para as piores áreas dos sítios urbanos. Estejamos atentos para denunciar estes processos.
    Mauricio Dias - Geógrafo - Feira de Santana - Ba

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