CRÔNICA DOMINICAL
DOMINGO: DOM E CONTRADOM. (60 ANOS DE FALECIMENTO DO ANTROPÓLOGO FRANCÊS MARCEL MAUSS - 1872 - 1950)
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Com esta crônica, nosso Blog inicia uma série de postagens celebrativas pelos 60 anos de falecimento do antropólogo francês Marcel Mauss. Dentre várias contribuições à Antropologia, ele desenvolveu a teoria do Dom e do Contradom, a partir das observações que fez na Melanésia, Polinésia e Nordeste dos Estados Unidos. Seu tio, Émile Durkheim, talvez seja mais conhecido que ele para a maioria das pessoas. Uma das obras mais recomendadas para a compreensão dessa teoria maussiana é o Ensaio sobre a Dádiva (1924).
A crônica deste domingo - o último de abril - quer tentar uma aproximação da teoria do Dom/Contradom com os ritos da visitação que podem ocorrer aos domingos nas sociedades ocidentais em que eu e o leitor estamos vivendo neste momento. Com isso queremos possibilitar uma compreensão inicial, mais confortável, acerca da referida teoria.
Na próxima semana, iniciaremos reflexões sobre o viver as cidades, à luz da teoria do Dom/Contradom
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Domingo é, dentre outras coisas, o dia especial em que muitos visitam parentes e amigos. De preferência à tarde para não chegar na hora do almoço sem avisar, “de supetão”, e assim causar um mal estar sem tamanho se não tiver sido preparado comida suficiente para os da casa e, mais, para os de fora.
De todo o modo, o hábito de visitar parentes e amigos, aos domingos, é um hábito que as cidades grandes herdaram o (e ainda não se desfez) das cidades pequenas, subúrbios , povoados e fazendas. Há moradores trabalhadores de fazendas que costumam, aos domingos, viajar de carro de bois, animais, automóveis, caminhões para a cidade mais próxima; e, embora não tenham necessariamente, algum amigo ou parente para visitar, ali, passeiam na praça, bebem, jogam sinouca nos bares, têm encontros amoroso, ou alimentam a esperança disso acontecer, paqueram .... enfim quando começar a escurecer – hora de voltar! – terá valido o domingo.
No exemplo eleito por esta crônica, chamemos de DOM a visita que as pessoas fazem a outras pessoas ou a cidades. E de CONTRADOM os agradecimentos em forma de café, doces, lanches, água, frutas, bolos, doces, cremes ... que os visitados fazem àqueles que os visitam. Tudo isso quase sempre acompanhado da desculpa de forte sotaque e colorido rurais: “Não repare não”; “Não repare não essa bobagem, é que eu ando sem tempo”. “Ainda é cedo comadre. Não vá agora não. Espera aí, comadre, que eu vou passar uma café pra gente”
Não gostaria nem de reduzir o CONTRADOM a uma reciprocidade apenas material, nem tampouco apelar para vieses psicologizantes. Todo esse cuidado é porque o domingo é o dia em que parentes, amigos – e também estranhos, desconhecidos – visitam internados em hospitais e apenados em presídios.
Religiosos, pregadores, sacerdotes, pastores evangélicos, palhaços em hospitais de crianças e voluntários em geral costumam visitar enfermos (hospitais) e presidiários (peinitenciárias). Que CONTRADOM essas pessoas podem oferecer a quem os visita? Dificilmente, têm condições de retribiur (CONTRADOM) a visita (DOM), comprando presentes ou qualquer outro meio material de agradecimento.
Penso que, nestes casos, a satisfação, a alegria demonstradas em ser visitado (em ser lembrado) – no caso, claro, destes sentimentos de reciprocidade existir – podem ser considerados CONTRADONS. Pela exigência da norma de reciprocidade, quando alguém ‘bate a porta na cara’ do visitador ou se recusa a receber visitas inclusive quando está num hospital ou num presídio, esta recusa não pode ser considerada um CONTRADOM, porque não existiu a reciprocidade esperada. Houve frustração de expectativas.
Sempre me ponho a imaginar o que se passa na cabeça de alguém que, preso num leito hospitalar ou na cela de uma cadeia, não encontra ,meios materiais para “agradecer” a gentileza da visita. Por outro lado, todos devem reconhecer o direito dessas pessoas em não desejarem receber visitas seja de parentes, seja de amigos ou de desconhecidos. Tudo depende da maneira como cada um(a) interage com sua própria condição de enfermo ou apenado.
Mudando rumo da prosa, pergunto: o que uma cidade tem a oferecr de CONTRADOM aos seus visitantes? Às vezes, nem a própria cidade e quem nela residem sabem. Nesse caso, os visitantes são os identificadores do CONTRADOM que a cidade lhes proporciona.
Morei numa (então) pequena cidade do Noroeste do Paraná. Uma cidade cercada por grandes plantações exportadoras de soja e de café, uma região de forte colonização italiana, alemã, japonesa e ucraniana. Aos domingos, os rapazes esperavam as “moças do sítio” que lá chegavam, início da tarde, em pequenos caminhões, montarias e carros de bois. Chamavam “sítio” o que nós, com os mesmo hectares no Nordeste, chamamos de fazenda, latifúndio. Nunca me souberam informar o que, para eles, era uma fazenda.
Era uma festa. Todos falavam alto. Anfitriões e visitantes vestiam a melhor roupa (a domingueira) para receber e ser recebido. Moças passeavam e tomavam sorvete ... sorridentes e sempre em grupos. Nos bares, os rapazes jogavam sinuca ou discutiam os preços de suas produções agrícolas. Até a hora de retornarem ao mundo do trabalho, n o campo, que já reclamava a presença de todos e todas.
A melancolia do retorno destes jovens parecia fazer a cidade escurecer e se recolher mais cedo, mesmo no inverno
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