O DESEJO, O GOZO E A NOITE ETERNA DOS SHOPPING CENTERS (FINAL)
Vicente Deocleciano Moreira
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vicentedeocleciano@gmail.com
FONTE DIRETA – Blog http://www.viverascidades.blogspot.com
É possível construir uma Erótica para as noites eternas das vitrines dos Shopping Centers (SC). Vitrines são a alma dos SC. A salvação dessa alma é a salvação do SC, e por essa Erótica vale o investimento na orgia dos sentidos: tato (poltronas macias, cadeira e corrimões anatômicos); olfato (o ‘cheirinho’ do SC, de suas lojas e de seus sanitários); visão (letreiros, filmes, mármores, clarabóias, cores e luzes); audição (música externa nas ruas e praças e música interna nas lojas); paladar (cafés, restaurantes, lanchonetes).
Tudo o que for feito para alimentar o gozo dos clientes valerá à pena ... não importa se a alma comercial for pequena. Inspirado em “Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é” (frase de Caetano Veloso em “Dom de Iludir”), crio uma novilíngua para o gozo; dordelícia. O gozo fálico é aquele que pode ser dito pela linguagem comum enquanto falo, enquanto poder.
O gozo como dordelícia é, muitas vezes, a repetição de atitudes que, sabemos, está nos fazendo mal, mas gostamos de repeti-la. É uma espécie de ‘bate bola’ entre dor e prazer. Muita gente diz: essa minha profissão é minha “cachaça”; é menos remunerada que qualquer outra que eu poderia abraçar – nisso ela me faz mal -, mas não consigo deixar de gostar e de viver dela”. O gozo que não se consegue exprimir com palavras é o gozo não fálico, é o gozo da mulher Sobre a mulher quanto mais se fala e se faz poesia e canções menos se diz, menos se sabe. O doce mistério do feminino.
Nos desvãos da orgia dos sentidos, própria da Erótica a que estamos nos referindo, o gozo de olhar as vitrines emolduradas pela noite eterna nos aprisiona na impossibilidade concreta de comprar tudo o que vemos e desejamos; os muitas vezes de comprar sequer o produto mais barato da vitrine. Mesmo assim, olhamos, sonhamos, sofremos e temos prazer ... “vítimas” que somos deste irresistível jogo de sedução.
Não é apenas no sonho enquanto via régia do inconsciente que vemos o que desejamos ou o que os restos diurnos nos trouxeram. Mas também no sonho, enquanto ato consciente e projeto de ter tudo, consumir tudo.
O indizível da noite eterna das vitrines do SC é uma linguagem poderosa que dispensa vocabulários. Basta uma só palavra e nossa alma está capturada e nosso desejo está preso na vitrine como os bonecos manequins exposto à meia luz da noite eterna da vitrine.
Bonecos de vitrine que somos (e com que nos identificamos) excita-nos o gozo fálico que nos proporciona a meia palavra à meia luz das noites eternas das vitrines. O que menos importa é se temos dinheiro ou crédito para comprar tudo de todas as vitrines ou se não temos dinheiro sequer para pagar o ônibus de volta para casa.
Bom domingo, bom dia/boa noite eterna das vitrines e do Narciso que habita entre nós.
Post Scriptum (PS)
Hoje é domingo. As praças de alimentação e as salas dos cinemas dos SC estão abertas desde nove ou dez horas da manhã. Praças de alimentação e salas de cinema são vizinhos inseparáveis. Depois de comermos comida e cinema, - não necessariamente nessa ordem - é o tempo para que os deuses, a partir das 13 ou 14 horas, digam FIAT LUX!, a cada clarão ... para que as vitrines possam sair das trevas que cobriam o mundo para as luzes de sua noite eterna. Luzes que iluminam e alimentam nossos desejos e nossos gozos.
Passamos por esses deuses sem lhes dar atenção. Mas nem nosso exibicionismo griffítico (outra novilíngua) e nem nossa indiferença impedem que eles vigiem tudo e todos e catem a poesia (e as pipocas) que entornamos no chão.
Eu te vejo sair por aí
Te avisei que a cidade era um vão
- Dá tua mão
- Olha pra mim
- Não faz assim
- Não vai lá não
Os letreiros a te colorir
Embaraçam a minha visão
Eu te vi suspirar de aflição
E sair da sessão, frouxa de rir
Já te vejo brincando, gostando de ser
Tua sombra a se multiplicar
Nos teus olhos também posso ver
As vitrines te vendo passar
Na galeria, cada clarão
É como um dia depois de outro dia
Abrindo um salão
Passas em exposição
Passas sem ver teu vigia
Catando a poesia
Que entornas no chão
(“As Vitrines”, Chico Buarque)
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