segunda-feira, 19 de abril de 2010

Interfaces 5 – LITERATURA DE CORDEL

Interfaces Antropologia e História do urbano. CIDADESSERTÃO: A CIDADE RECEBE E ACOLHE O SERTÃO: 5 – Literatura de Cordel

“Meus leitores conterrâneos
Leiam este com atenção
Com responsabilidade
Nessa histórica missão
Noticio a mudança
Da feira de tradição

A nova não ta legal
É uma total lameira
Que até atola carro
Que descarrega na feira
Sem transporte coletivo
Só escada e ladeira

Dona de casa não pode
Ir lá fazer sua compra
Pagar táxi é prá rico
Se carregar, se estrompa
Quem subir rampa e escada
Carregada se arromba

Os feirantes já procuram
Outra feira pra vender
O Centro d’Abastecimento
Tá botando pra feder
Ninguém vende nada lá
Tudo está a apodrecer

A feira livre que tinha
Duzentos anos de história
Nos dias de segunda-feira
Era pra cidade a glória
Com turistas e sertanejos
Gente rude ou finaria”


(Franklin Machado, cordelista, advogado e jornalista). Estes versos testemunham o fim da feira livre de Feira de Santana – Bahia - Brasil, em 10 de janeiro de 1977, e as dificuldades iniciais de acesso e de comércio no então recém-construído Centro de Abastecimento para onde os ex-feirantes, a partir daquela data, foram transferidos.

Vicente Deocleciano Moreira
vicentedeocleciano@yahoo.com.br
vicentedeocleciano@gmail.com
FONTE DIRETA – Blog http://www.viverascidades.blogspot.com


A literatura de cordel, ou simplesmente cordel, de antiga e crescente sobrevivência principalmente nas feiras livres e nas praças das cidades do Nordeste brasileiro, de variadas expressões culturais e demográficas, tem origens no medievo e na renascença de Portugal e Espanha, tanto quanto no romanceiro luso-holandês. Da Espanha chegou ao Brasil com o nome cordelete, depois abreviado para cordel. No século XVIII, Portugal legou ao cordel as histórias de cavalaria ali editadas. Porém, desde o início da colonização, portugueses já haviam trazido, ao Brasil, os pequenos livros de cordel. Mas foi na segunda metade do século XIX que os temas locais (nordestinos) passaram a ocupar os versos do cordel. Leandro Gomes de Barros (1865-1918) e João Martins de Athayde (1880-1859) foram dois dos primeiros autores importantes.


O Nordeste brasileiro aculturou componentes do ciclo cavalheiresco ibérico, cujos temas clássicos do combate, da narrativa de proezas, armadilhas, lutas aguerridas, dilemas de variada ordem, personagem teratológicos e satânicos, que sempre sucumbem à coragem dos heróis do Bem, foram livremente sertanizados pelos cordelistas e repentistas em livretes ilustrados por xilogravuristas e vendidos pendurados em cordões, ou cordéis, em feiras livre e praças. Na verdade, em Portugal chegou a se vender, pendurados em cordões/cordéis, até mesmo textos teatrais de Gil Vicente (1465-1536).


A cidade recebe e acolhe o cordel que, apesar de sua bem sucedida inserção no mundo urbano, trata com freqüência de temas e conjunturas afetivas, sociais e religiosas que têm as cores e as formas sociais do sertão, de sua mitologia, das histórias trágicas. Tragédia, aqui, no sentido grego da pedagogia do bem viver, da correção da convivência com o outro e do respeito aos costumes e às regras morais.

Livros de cordel são disputados, com avidez, por museus, universidades e colecionadores particulares, incrustados no mundo urbano e, portanto, longe das pelejas que – ficção ou não – têm como cenário o distante sertão.Lampião e Maria Bonita (sem falar em Getúlio Vargas,) têm cadeira cativa na literatura de cordel.


Franklin Maxado, baiano, um dos mais importantes cordelistas vivos, fala das temáticas de seus livros de cordel, emn entrevista a Lima Trindade (revista Verbo 321, de 29 de junho de 2008)

Lima Trindade – Quantos títulos de cordel você publicou até hoje? Quais fizeram maior sucesso e quais lhe agradaram mais?


Franklin Maxado – Mais de 200 em 33 anos de profissão, escrevendo desde infanto-juvenis a eróticos, romances, casos, lendas, circunstâncias, denúncias, etc: O Sapo que Desgraça o Corinthians, O Japonês que Ficou Roxo pela Mulata, O Crioulo Doido que Era um Poeta Popular, O Jumento que Virou Gente, Vaquejada de Sete Peões pra Derrubar uma Mineira, O Romance do Vaqueiro Marciano da Égua, Carta dum Pau-de-arara Apaixonado pra sua Noiva, Maria Quitéria, Heroína Baiana que Foi Homem, Profecias de Antonio Conselheiro - O Sertão já Virou Mar, A Alma de Lampião Faz Misérias no Nordeste, A Volta do Pavão Misterioso, Papagaio e as Macacas que não Estão na Mata (uma fábula urbana de bichos), o Pulo do Gato-Mestre, Os romances Feministas de Gracinha corneteira, a Malazartes de Minissaia, Horóscopo das Bichas.... Este último folheto começa assim: Se meu amigo leitor/ Não é homem ou mulher,/ Não vai ter mais o problema? Que o perturbava até? Que é ter o seu horóscopo/ Para nele crer com fé.


As raízes sertanejas da cidade trazem, ao mundo urbano, o imaginário e a riqueza criativa do Sertão.

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