sexta-feira, 9 de abril de 2010

O DESEJO, O GOZO E A NOITE ETERNA DOS SHOPPING CENTERS – (PARTE 2)

O DESEJO, O GOZO E A NOITE ETERNA DOS SHOPPING CENTERS – (PARTE 2)


Vicente Deocleciano Moreira

vicentedeocleciano@yahoo.com.br
vicentedeocleciano@gmail.com

FONTE DIRETA – Blog http://www.viverascidades.blogspot.com





3 – O Real, a Mulher e a Morte. É trindade do impossível de dizer; da mulher, quanto mais se fala menos se diz. Indagado sobre a mulher, Freud respondeu: “sobre a mulher, perguntem aos poetas”; a licença poética nos autoriza a nos encantar com o tu pisavas nos astros distraída e os demais versos de “Chão de Estrelas”. ,. música de Sílvio Caldas, letra de Orestes Barbosa. Tu pisavas nos astros distraída era, na opinião de Manuel Bandeira, o mais belo verso da língua portuguesa.

Minha vida era um palco iluminado
E eu vivia vestido de dourado
Palhaço das perdidas ilusões
Cheio dos guizos falsos da alegria
Andei cantando minha fantasia
Entre as palmas febris dos corações
Meu barracão lá no morro do Salgueiro
Tinha o cantar alegre de um viveiro
Foste a sonoridade que acabou
E hoje, quando do Sol a claridade
Forra o meu barracão, sinto saudade
Da mulher, pomba-rola que voou
Nossas roupas comuns dependuradas
Na corda qual bandeiras agitadas
Pareciam um estranho festival
Festa dos nossos trapos coloridos
A mostrar que nos morros mal vestidos
É sempre feriado nacional.
A porta do barraco era sem trinco
Mas a lua furando nosso zinco
Salpicava de estrelas nosso chão
E tu pisavas nos astros distraída (grifo nosso)
Sem saber que a ventura desta vida
É a cabrocha, o luar e o violão
______
__________________________________


Como ilustração didática, pensamos em tentar exemplificar o impossível de dizer com a seguinte letra/composição de Roberto Carlos/Erasmo Carlos:

"Como é Grande o Meu Amor Por Você"

Roberto Carlos

Eu tenho tanto pra lhe falar
Mas com palavras não sei dizer (grifo nosso)
Como é grande o meu amor por você
E não há nada pra comparar
Para poder lhe explicar
Como é grande o meu amor por você
Nem mesmo o céu, nem as estrelas
Nem mesmo o mar e o infinito
Não é maior que o meu amor
Nem mais bonito
Me desespero a procurar
Alguma forma de lhe falar (grifos nossos)
Como é grande o meu amor por você
Nunca se esqueça nenhum segundo
Que eu tenho o amor maior do mundo
Como é grande o meu amor por você


(...)

4 – Desejo e falta. O desejo facultado pela falta, a falta constitucional do ser humano, animal que ‘manca’ e que produz a verdade ‘não-toda’, verdade como (sempre) ‘meia verdade’ e a impossibilidade de dizê-la toda e de dizer tudo. De viver tudo.


5 – A inveja do pênis. A mulher inveja do pênis; inveja no sentido de ‘in-ver’ (não ver). Temos in-veja do salário de Ronaldinho por que não-vemos no nosso contracheque os valores pagos a este jogador. Tem-se in-veja do que não se vê ou não se tem.


6 – O desejo e o gozo. O desejo barra o gozo. O que é gozo ... de que se trata?.. Trata-se do gozo sexual; mas não apenas dele ... é muito além dele. Discutimos sobre a possibilidade de escolher um neologismo para ajudar nossa reflexão. Este neologismo foi dordelícia. Gozo é dor e é prazer a um só tempo. “Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é” – acrescentaria Caetano Veloso. O gozo, mais amplamente, diz respeito à fruição do ser e do estar no mundo, do dasein de cada um no mundo, na sociedade. Mas o gozo é dordelícia mesmo quando ele faz sofrer, quando é mortífero, como é o caso do alcoolismo, do vício em drogas, do vício em amar um amor impossível ou que faz sofrer ... e de tantos outros que têm em comum uma espécie de círculo vicioso, ou mesmo virtuoso, que parece cumprir o destino do mito do eterno retorno, da repetição mais potente que nossas forças em mudar esse destino. Como ilustração, escolhemos – mais uma vez - uma tetra da MPB, no caso o “Retrato em Preto e Branco”, de Tom Jobim e Chico Buarque.



Já conheço os passos dessa estrada
Sei que não vai dar em nada
Seus segredos sei de cór
Já conheço as pedras do caminho
E sei também que ali sozinho
Eu vou ficar, tanto pior
O que é que eu posso contra o encanto
Desse amor que eu nego tanto
Evito tanto
E que no entanto
Volta sempre a enfeitiçar
Com seus mesmos tristes velhos fatos
Que num álbum de retrato
Eu teimo em colecionar
Lá vou eu de novo como um tolo
Procurar o desconsolo
Que cansei de conhecer
Novos dias tristes, noites claras
Versos, cartas, minha cara
Ainda volto a lhe escrever
Pra lhe dizer que isso é pecado
Eu trago o peito tão marcado
De lembranças do passado
E você sabe a razão
Vou colecionar mais um soneto
Outro retrato em branco e preto
A maltratar meu coração



O que fazer para sair do gozo, melhor dizendo - de certos tipos de gozo? Não é fácil dar receitas neste caso, pois tudo depende da mudança, retificação (e não da ratificação) da posição subjetiva do gozante. Mas o desejo (de sair ‘dessa’!) pode barrar o gozo através da falta que lhe abre uma ‘ferida’ no próprio tecido gozoso, e que lhe (o desejo) antecede num desenho lógico (lógica do desejo). É quando ‘algo’ faz falta. Vejamos um depoimento publicado na reportagem de capa (sobre solteironas e casamento) da revista Veja, de hoje, domingo (26/11):
“Há dois ou três anos percebi que alguma coisa estava faltando. Comecei a fazer terapia e vi que tinha deixado passar o tempo e as oportunidades., Mudei – desde o cabelo até o jeito de me vestir. Passei a usar mais decote, fiquei mais jovem e feminina. (...) Conheci muita gente nova, mas ainda não apareceu nenhum namorado”.

Exemplo extraído da MPB? Roberto Carlos mais uma vez. (canta Erasmo Carlos)
Sentado à beira do caminho


Eu não posso mais ficar aqui a esperar
que um dia, de repente, você volte para mim
Vejo caminhões e carros apressados a passar por mim
estou sentado à beira de um caminho que não tem mais fim
Meu olhar se perde na poeira dessa estrada triste
onde a tristeza e a saudade de você ainda existem
Esse sol que queima no meu rosto um resto de esperança
de ao menos ver de perto o seu olhar que eu trago na lembrança
Preciso acabar logo com isso
Preciso lembrar que eu existo
Vem a chuva, molha o meu rosto e então eu choro tanto
minhas lágrimas e os pingos dessa chuva
se confundem com o meu pranto
Olho pra mim mesmo, me procuro e não encontro nada
sou um pobre resto de esperança à beira de uma estrada
Preciso acabar logo com isso (grifo nosso)
Preciso lembrar que eu existo
Carros, caminhões, poeira, estrada, tudo, tudo
se confunde em minha frente
minha sombra me acompanha
e vê que eu estou morrendo lentamente
Só você não vê que eu não posso mais ficar aqui sozinho
esperando a vida inteira por você, sentado à beira do caminho
Preciso acabar logo com isso
Preciso lembrar que eu existo



7. Da impossibilidade do amor. Um dos componentes do grupo propôs que discutíssemos sobre a impossibilidade do amor. Há algumas linhas atrás escrevemos, em destaque, a expressão amor impossível . Desde então, já mostrávamos um partis pris pela impossibilidade do amor. A discussão começou lembrando que o “desejo do ser humano é o desejo do outro” e, ato contínuo, prosseguiu com O Banquete , de Platão, especificamente no concurso a que diversos filósofos (inclusive uma filósofa) se entregaram sobre a melhor tese acerca do amor. Venceu Aristófanes e sua narrativa sobre um deus ciumento de sua criação perfeita e à sua imagem e semelhança e profundamente irado com essa criatura – a um só tempo e a um só corpo homem e mulher com suas respectivas genitálias, copulando nesse mesmo corpo. A ira divina separa as duas partes: cada uma delas é afastada irremediável e eternamente da outra; de modo que por mais que uma procure a outra o fato é nunca mais se encontrarão. A nossa metade nunca se encaixa, como sonhamos, na outra e tão querida metade. O fato é que:

a) A mão e a luva é não apenas o título de uma obra literária, mas também a expressão que costumamos usar quando dois amantes “dão certo”, “se completam”. Entre a mão e a luva existe um espaço (uma falta, um Real – impossível de dizer) milimétrico, nanométrico que seja. Caso contrário, se houve fusão entre a mão e a luva ninguém saberá ao certo se o que vai restar é apenas a mão, apenas a luva – ou nenhuma das duas.

b) A frase que mais corresponderia à ‘verdade’ da impossibilidade do amor não é “Eu te amo” e sim outra (menos romântica, talvez): “Eu me amo em você”.

(CONTINUA AMANHÃ, SÁBADO, DIA 10 DE ABRIL)

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