segunda-feira, 8 de março de 2010

MULHERES QUE NÃO SÓ DIZEM SIM: violência sexual contra prostitutas em Feira de Santana - Bahia - Brasil

DIA E SEMANA INTERNACIONAIS DA MULHER - 2010

Nosso Bolg se alia às comemorações do Dia (e Semana) Internacional da Mulher, 8 a 12 de março de 2010, com a postagem (em cinco momentos) do artigo MULHERES QUE NÃO SÓ DIZEM SIM: violência sexual contra prostitutas de Feira de Santana – Bahia.

Pensando bem, até mesmo o primeiro aniversário de uma criança é um fato político. Pensando bem outrossim, nem tudo têm sido rosas na trajetória da luta das mulheres, na história mundial. O estabelecimento das comemorações internacionais do Dia da Mulher, há mais de cem anos, tomou como referência um episódio de violência contra a mulher datado de 1857: em Nova York (Estados Unidos) operárias de uma fábrica de tecidos, que protestavam por melhores condições de trabalho. Pela ousadia do gesto, elas foram trancadas e queimadas no galpão da fábrica.

Por força e significado desse acontecimento, desde a primeira as comemorações do Dia Internacional da Mulher, 8 de março, têm sido marcadas por atos políticos - sob as mais variadas bandeiras de reivindicações – e, também (claro!) por festas, presentes, flores, celebrações, cumprimentos, músicas ...

Não pode ser estranho às comemorações, pois, que este Blog tenha decidido postar um artigo sobre violência sexual contra prostitutas. Este tipo particular de violência agride duplamente a mulher: como mulher e como profissional do sexo.

Feliz 8 de março de 2010 para tod@s,

Vicente

Comentários e sugestões podem ser enviados para um dos e mail vicentedeocleciano@yahoo.com.br ou vicentedeocleciano@gmail.com



DIA E SEMANA INTERNACIONAIS DA MULHER – 8 DE MARÇO DE 2010

“Cuerpo de mujer, blancas colinas, muslos blancos,
te pareces al mundo en tu actitud de entrega.
Mi cuerpo de labriego salvaje te socava
y hace saltar el hijo del fondo de la tierra”.
(“Veinte poemas de amor y una canción desesperada, poema 1” de Pablo Neruda,. poeta chileno (1904-1973), Prêmio Nobel de Literatura de 1971)


MULHERES QUE NÃO SÓ DIZEM SIM: violência sexual contra prostitutas de Feira de Santana - Bahia

Vicente Deocleciano Moreira, Maria da Luz Silva, Edna Lucia do Nascimento Macedo e Mara Larissa Lima Vasconcelos – pesquisadores do Núcleo de Antropologia da Saúde (NUAS) do Departamento de Ciências Humanas e Filosofia da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS)


Se acaso me quiseres
Sou dessas mulheres
Que só dizem sim
Por uma coisa à toa
Uma noitada boa
Um cinema, um botequim
E se tiveres renda
Aceito uma prenda
Qualquer coisa assim
Como uma pedra falsa
Um sonho de valsa
Ou um corte de cetim
E eu te farei as vontades
Direi meias verdades
Sempre à meia luz
E te farei, vaidoso, supor
Que és o maior e que me possuis
Mas na manhã seguinte
Não conta até vinte
Te afasta de mim
Pois já não vales nada
És página virada
Descartada do meu folhetim...
(“Folhetim” Chico Buarque)
RESUMO
Este é um estudo qualitativo com abordagem analítica – explorativo, que tem como objetivo analisar o significado da violência sexual para as profissionais do sexo de Feira de Santana, descrevendo este significado e identificando as formas utilizadas pelas profissionais do sexo para prevenir a violência sexual e os riscos de DST nas relações praticadas sob violência. O interesse por este tema surgiu da percepção dos riscos trazidos pela prostituição, dentre eles a violência sexual que, conseqüentemente, aumenta o risco de contração de DST/AIDS. Nos dscursos, percebe-se a negação do lust , do gozo de só dizer sim à violência sexual contra as práticas de violência de que são vítimas.
Palavras Chave - Prostituição; violência sexual; DST/AIDS; lust (gozo); perversão.
ABSTRACT
This is a qualitative study with analytical approach - explorer, which aims to analyze the meaning of sexual violence for sex workers in Feira de Santana, describing the significance and identifying the ways used by sex workers to prevent sexual violence and risk of STD in a committed relationship violence. The interest in this subject arose from the perception of the risks posed by prostitution, including sexual violence, which, consequently, increases the risk of contraction of AIDS. To achieve these objectives, we used a semi-structured, applied to ten sex workers in Energy Street, one of the older sections of the city of prostitution, and the Association of Sex Professionals of Feira de Santana (APROFS). In speeches realize the denying of lust , of fair that says yes to the

Keywords – Prostitution; sexual violence; STD / SIDA; lust (fair); perversion.

INTRODUÇÃO

A violência contra as profissionais do sexo e, notadamente, a violência sexual contra estas mulheres não tem tido a merecida atenção de estudiosos da violência contra a mulher, da mídia e das organizações de defesa e de valorização da cidadania da mulher. Nestes espaços críticos tende a prevalecer à concepção de senso comum que nega a possibilidade de profissionais do sexo serem vítimas da violência sexual (de clientes, policiais ou de qualquer outra pessoa) já que elas vivem/sobrevivem de serviços sexuais que oferecem a clientes que as procuram ou que aceitam estes tipos de serviço. Já que são mulheres “que só dizem sim” ... supõe-se que devam dizer sim também para tudo ... para toda e qualquer prática violenta, inclusive na esfera da sexualidade.
Como são profissionais do sexo, prostitutas, putas, ‘mulheres de vida fácil” ... no ato sexual com seu cliente devem aceitar dele (ou dela) socos, ferimentos e xingamentos, ofensas e desqualificações morais , estupros, felações e relações anais não consentidas porque não pactuadas/negociadas antes da prestação do serviço erótico, sexual que elas proporcionam à clientela masculina e feminina. Quando práticas como socos, ferimentos e xingamentos, ofensas e desqualificações morais , estupros e relações anais são previamente consentidas, estimuladas ou inseridas no ‘pacote’ de serviços eróticos e sexuais, aí defendemos que não existe violência sexual na intersubjetividade da dupla. Mas não descartamos que na objetividade do julgamento social isto possa ser carcterizado como violência sexual..
O que é violência? A violência é um fenômeno que atinge todo o planeta com grande intensidade, é de tamanha complexidade, que se faz difícil conceituá-la. Segundo Minayo (2003, p. 46), “as dificuldades para conceituar violência provêm do fato de se tratar de um fenômeno da ordem do vivido e cujas manifestações provocam uma forte carga emocional em quem a comete, em quem a sofre e em quem a presencia”. Para esta autora, a violência pode ser classificada como física, atingindo a integridade corporal e traduzida em homicídios, agressões, violações e assaltos à mão armada; em econômica, se caracterizando como desrespeito e apropriação contra a vontade ou de forma agressiva de algum bem; e a violência moral e simbólica, na qual ocorre o desrespeito e ofensa aos direitos do outro. Nesse âmbito, a violência pode atuar de forma física, psicológica e sexual, portanto, ela não se resume apenas às delinqüências.
Mulheres de todas as etnias, idades e classes sociais são afetadas pela violência e vários condicionantes estão associados a este fato como, agravos na saúde física e mental, o desemprego e uso de drogas. Mas, na literatura sobre mulher e/ou violência contra a mulher dificilmente a profissional do sexo é referida. É como se não fosse uma cidadã feminina, e sim uma mulher de “segunda categoria” – que, evidentemente, ela não é.
A profissional do sexo, na condição de mulher, não escapa ao contexto da violência, historicamente construído. E o fato de a sociedade considerar a prostituição não só ilícita, mas também moralmente reprovável, expõe a prostituta a uma violência ainda maior, no universo social e nos ambientes (ruas, boates, prostíbulos, hotéis...) em que ela exerce sua atividade.
Neste sentido, a violência se caracteriza como um fator muito relevante na hierarquia de riscos a serem enfrentados por essas mulheres (BRASIL, 2002).
A violência sexual contra as profissionais do sexo traduz a violência contra a mulher. Diversos pesquisadores destacam a violência sexual como uma das principais formas de agressão, colocando em primeira ordem o estupro e o atentado violento ao pudor. Esses dois tipos de agressão sexual são alvos de controvérsia conceitual desde quando o estupro é conceituado como sendo “todo ato de penetração oral, anal ou vaginal, utilizando o pênis ou objetos e cometido à força ou sob ameaça, submetendo ao uso de drogas ou ainda quando esta for incapaz de ter julgamento adequado”. O atentado ao pudor é considerado como ato de constranger alguém, mediante violenta ou grave ameaça, a permitir que com ele pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal. Estupro no artigo 213 do Código Penal é conceituado como “ato de constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça”. Assim sendo, vamos adotar nesta pesquisa a conceituação de estupro como violência sexual contra a vagina e outras partes da genitália feminina e o Atentado violento ao pudor como violência sexual contra a boca, ânus ou qualquer outra parte não genital da mulher. O atentado violento ao pudor difere do atentado ao pudor, pois este último é tido como ato de constranger alguém com gestos e palavras sexualmente obscenas.
Mas quando uma profissional do sexo sofre violência sexual, ela é seis vezes mais violada que qualquer outra mulher. Uma mulher - prostituta ou não - pode sofrer violência ao ser furtada, roubada, assaltada e/ou espancada, xingada, assassinada; a mulher que não é uma profissional de sexo pode também ser sexualmente violentada através de pancadas, socos e sob a mira de uma arma branca ou revolver; pode ser estuprada (tendo como alvo de violência, a vagina), vítima de atentado violento ao pudor (tendo como alvo o ânus) ou abusada sexualmente dentre outras coisas, obrigada a praticar felação (chupar/morder o pênis do agressor), além de burlada quando o cliente finge usar o preservativo ou não desiste do coito quando ele se rompe. A referida profissional é seis vezes mais violentada, porque: 1) é violentada como mulher; 2) fisicamente; 3) moralmente; 4) sexualmente; 5) profissionalmente (quando faz sexo, sua atividade profissional, contra a vontade); 6) é mais exposta ao risco de contrair doenças, principalmente Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST), a exemplo da AIDS.
Vez por outra, mantemos a expressão profissional do sexo todas as vezes que se faz referência às prostitutas cadastradas na Associação das Profissionais do Sexo de Feira de Santana (APROFS) porque: a) elas se autodenominam, se reconhecem e reconhecem as colegas como profissional do sexo; b) estão inscritas na APROFS, o que lhes possibilita alguma identidade e também um mecanismo de defesa contra os preconceitos que a sociedade – e elas mesmos – alimentam contra o ser e a atividade profissional da prostituta. E assim, em alguns momentos deste artigo, conservamos a expressão profissional do sexo para todas as prostitutas (associadas ou não à APROFS), por uma questão de coerência antropológica – o que significa, dentre tantas coisas, o acatamento da(s) verdade(s) com as quais os sujeitos da pesquisa antropológica orientam suas próprias vidas e sua visão de mundo. Além de metodológica, essa atitude é capaz de qualificar (e não de desqualificar) e de reconhecer a identidade que aquelas mulheres construíram para si mesma e para as outras prostitutas - como indivíduos (subjetividade) e como grupo. Ainda assim, reconhecemos que: Profissional do sexo não raras vezes é um eufemismo cheio de “vergonha de dizer o nome” e de preconceito contra a prostituta e a atividade prostitucional. Profissional do sexo por outro lado é uma expressão talhada pela moralidade dominante e até por mecanismo de defesa, internalizado pelas prostitutas. Profissional do sexo é uma categoria profissional de grande amplitude e tão genérica que nela cabem todos os profissionais que vivem/sobrevivem, direta ou indiretamente, da própria atividade sexual ou da atividade sexual de outras pessoas: “michês” (rapazes que cobram por programas sexuais com mulheres, homens, casais), cafetinas (donas de prostíbulos sofisticados ou rústicos), gigolôs (que mantêm ou gerenciam mulheres – inclusive esposas, companheiras, amantes, masasgistas masso-eróticas, proxenetas, peixotos (encarregados de apresentar prostitutas aos clientes) e tantos outros trabalhadores que sobrevivem na/da prostituição que os mantem, hospeda e protege.
Nosso interesse acerca do significado da violência sexual para as profissionais de sexo se deveu, de um lado, pelo fato de a violência sexual representar ou predispor a um maior risco de contrair DST/AID – sem querer desconhecer ou minimizar a importância das atividades de orientação e de prevenção(palestras, orientação, etc.) que a APROFS proporciona a suas associadas. Por outro lado, também nos propomos a provacar e contrair uma dívida a ser paga futuramente: refletir sobre os possíveis perfís psicológicos dos homens que violentam – inclusive sexualmente - as prostitutas, mas que costumam ser mantidos ‘invisíveis’ e à sombra dos depoimentos das violentadas - sem que sejam submetidos (a partir destes depoimentos) a algum tipo de consideração analítica, sociológica, psicológica, mesmo que superficial.
(AMANHÃ, TERÇA, CONTINUAÇÃO)

Um comentário:

  1. Excelente matéria!!!!! Deveria ser mais divulgado esse assunto pois ainda é muito obscuro, preconceituoso, enfim as pessoas discriminam muito as profissionais do sexo.
    Vicente, fui aluna sua na UEFS e vc sempre foi um professor admirável e competente. Gostaria de tirar uma dúvida: prostituiç~co é ilegal? A infantil, claro!!!
    Obrigada

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