A mão no metrô
Metrô: Pesquisa aponta que 66% dos passageiros acham muito ruim ou ruim a prevenção contra as investidas nos vagões. As queixas femininas mais comuns envolvem as "encoxadas" e a "mão-boba". Folha Cotidiano, 05.09.2005
Assim que o metrô chegou ela preparou-se para incomodação. Porque o vagão estava cheio, completamente lotado, e ela já sabia o que a esperava tão logo embarcasse: sem demora, algum homem, ou vários homens, encostariam nela, tentando tirar proveito da situação. Mulher ainda jovem, bonita, estava sujeita a essas situações, que a deixavam indignada. Mas, como outras usuárias na mesma situação, resignava-se. Era, achava, o preço que tinha de pagar por ser pobre, por não ter carro, como outras colegas de escritório.
Pensou em não entrar, em esperar outro metrô mais vazio. Mas já era tarde, e ela precisava ir para casa. Num impulso, entrou, e imediatamente viu-se na clássica posição de sardinha em lata, imprensada entre corpos, vários deles masculinos. Só faltava a mão.
Que não tardou a se fazer presente. Aos poucos, suavemente, ela sentiu a pressão de dedos sobre seu corpo.
Mas, surpreendentemente, aquilo não a enojou, não a alarmou. Porque era diferente, o contato daquela mão. Não se tratava de uma "mão-boba"; não havia malícia naqueles dedos, não havia safadeza. Para começar, eles estavam em lugar neutro, não nas nádegas, não nas coxas, mas nas costas, as costas que ela tinha doloridas depois de um dia de árduo trabalho. E a mão não estava em busca de prazer, de sacanagem; estava simplesmente pousada, quieta. Como se dissesse estou em busca de contato humano, é só isso que eu quero.
Ela poderia olhar ao redor, tentar descobrir quem, daqueles homens e mulheres à sua volta, estava a tocá-la. Mas não queria fazer isso. A verdade é que a gentil mão não a incomodava. Pelo contrário, fazia com que lembrasse uma passagem na infância, o dia em que o pai a levara à escola pela primeira vez. Tinham também ido de metrô; ela estava assustada, chorosa. O pai então colocara-lhe a mão nas costas, como a ampará-la, dizendo qualquer coisa do tipo "não chore, a escola é boa, você vai gostar". E ela se acalmara, não tanto por causa das palavras, mas pelo contato da mão paterna. E era a mesma sensação que tinha agora: a sensação de amparo, de conforto.
Estava chegando, precisava descer. Como se houvesse percebido, a mão, discretamente, retirou-se de seu dorso. A porta se abriu e ela saiu do vagão. Ainda teve a tentação de olhar para trás, mas resistiu. Não queria associar nenhum dos rostos que ali estavam com a mão que a tocara. Queria, isto sim, guardar a lembrança dessa mão como uma entidade misteriosa que, de algum modo, a fizera viver uma estranha e perturbadora aventura.
Folha de São Paulo (São Paulo) 12/09/2005
O amor à distância
Os brasileiros estão ficando cada vez mais móveis. Nascem em uma cidade, estudam em outra cidade, arranjam trabalho (quando arranjam trabalho) numa terceira, numa quarta, numa quinta cidade. Uma situação que repercute nas amizades, na relação com parentes e até na vida dos casais. Não é raro hoje que homem e mulher passem algum tempo, às vezes um longo tempo, separados. No caso de gente jovem, esta situação pode resultar de vestibular: o rapaz vai cursar a faculdade num lugar, a moça em outro. Curiosamente, problemas também surgem quando os dois fazem vestibular para uma mesma faculdade. A Folha de São Paulo publicou uma matéria a respeito, mostrando os conflitos que emergem quando o casalzinho está disputando uma vaga. Um psicoterapeuta foi ouvido a respeito e acabou confessando que ele próprio terminara um relacionamento quando, ao contrário da namorada, passara no vestibular: “Eu não tinha com quem comemorar.”
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Mesmo quando os dois podem comemorar juntos, a perspectiva de uma separação geográfica não é agradável. Verdade que no passado, quando a comunicação e as viagens eram difíceis, isto era ainda pior. Freqüentemente a paixão dependia da correspondência, do correio. Cartas de amor acabaram fazendo história, e isto foi o que aconteceu com os tristemente famosos amantes do século doze, Abelardo e Heloísa.
Pedro Abelardo era um famoso professor de filosofia e teologia em Paris. Entre seus alunos, estava a bela e brilhante Heloísa, por quem o mestre apaixonou-se perdidamente: "... nossa paixão não omite qualquer dos graus do amor e se orna de tudo aquilo que o amor pode inventar de raro." Chegaram a ter um filho, casaram secretamente, mas o tio de Heloísa, o cônego Fulbert, era contrário à união e ameaçou os dois. Abelardo levou a amada para uma abadia; pensando que ele tivesse abandonado a sobrinha, Fulbert contratou bandidos que atacaram e emascularam Abelardo. Definitivamente separado de Heloísa, ele tornou-se monge. Os dois mantiveram uma longa correspondência, que até hoje nos impressiona pela intensidade da paixão.
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Será que o e-mail susbtitui as cartas de amor? Será que Abelardo e Heloísa passariam à História usando a linguagem típica das mensagens eletrônicas, tipo “Naum esqueci de vc”? E onde está o papel, manchado de lágrimas? E a trêmula caligrafia?
Não adianta chorar pelo leite derramado (nem pelo pranto derramado). Vivemos novos tempos e temos de nos adaptar a eles. O importante é que as pessoas continuam se querendo. A tecnologia e os hábitos mudam. O amor, mesmo à distância, continua igual.
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