Leitura de fatos violentos publicados na mídiaAno 11, nº 09, 14/03/11 | |
FCCV - Forum Comunitário de Combate à Violência - Salvador - Bahia - Brasil SE ORIENTE, OCIDENTE! |
É 20 de fevereiro de 2011. As agendas midiáticas ofertam um Oriente Médio em plena convulsão. Nunca antes neste País se viu tanto Egito, tanta Tunísia, tanto Iêmen, tanta Líbia, tanta Argélia, tanto Bahrein, tanto Omã... E, de todos esses sítios antes midiaticamente adormecidos, jorram insidiosas lavas cortando o sossego e a contemplação do público que exclama: Quantas ditaduras! Quantos anos para os ditadores! Para que tanto petróleo com tão pouca democracia?!
No contraste com estas exclamações o nosso quinhão fica perfeito. Temos indicadores invejáveis, mesmo! O que nos falta fica menor diante das imagens que dão conta de milhares de pessoas desesperadas e em luta por respeito, direito e liberdade. Mas, em 20 de fevereiro, o Jornal da Band volta as câmeras para uma delegacia paulista e dali revela cenas gravadas pelos próprios agentes públicos nas quais uma escrivã de polícia civil é algemada e despida, à força, por colegas do sexo masculino e à vista de outras autoridades policiais, totalizando seis homens e duas mulheres.
Acusada de ter aceitado suborno no valor de 200 reais para não registrar uma queixa crime, ela nega o desvio e, diante disso, o delegado determina a um PM e a uma integrante da guarda civil que a dispam, depois de algemá-la, enquanto ela grita, vinte vezes, pedindo ao delegado para ser vistoriada por uma mulher.
As cenas parecem vir do Egito ou da Líbia em boletins que atualizam a barbárie denunciada nos dias atuais sobre aqueles países. Enquanto a mulher grita e pede socorro é jogada contra o chão e o delegado diz, conforme matéria da Istoé: “Perdi a paciência com você” e, dirigindo-se aos presentes no local, avisa: “Ela vai ficar pelada na frente de todo mundo”. Depois de ter suas ordens atendidas com a retirada das calças e da calcinha da escrivã, o delegado evidencia a sua posição de comando dizendo: “Eu sou o condutor da sua cana. Você está presa em flagrante”.
No jornal da Band, a notícia apareceu sob a forma de indignada surpresa e de denúncia, e as repercussões também foram pautadas por esse mesmo viés. Mas é também informado que a ocorrência se deu em 2009 e chegou ao conhecimento da Corregedoria de Polícia, do Ministério Público do estado de São Paulo e da Justiça. Todas estas instâncias não se curvaram às evidências de cometimento de fato criminoso contra os policiais. Ao contrário, de acordo com a Istoé, o juiz que atuou no caso “respaldou a decisão do Ministério Público de não instaurar processo criminal contra os delegados da Corregedoria”. Ainda conforme a revista, o promotor responsável “elogiou a atuação dos agentes e escreveu, em sua fundamentação, que “à Polícia será sempre permitido relativo arbítrio, certa liberdade de ação, caso contrário esta se tornaria inútil”.
Foi necessária a instauração do “inquérito midiático” para que, em poucas horas muitos dos responsáveis pela agressão sofressem impactos traduzidos em afastamentos de cargos, a exemplo dos delegados presentes à sessão de tortura e também da corregedora-geral de polícia civil.
Diante do roteiro apresentado não é difícil imaginar quem sofreu punição exemplar na etapa pré-midiática do caso. Nos idos de 2009, a posição de culpada coube àquela que sofreu as torturas. Ela perdeu o cargo, atualmente é ex-escrivã e morre de medo de sua própria imagem, não admitindo, portanto, ter seu rosto revelado pelo “inquérito midiático” que dá ao seu caso uma nova forma de apreciação, levando a ajustes profundos e incogitáveis na fase pré-midiática.
Histórias como esta nos remetem ao poder das imagens, tão evidente nas atuais manifestações dos habitantes do Oriente Médio, enquanto ferramenta fundamental para desestabilização de uma ordem que fere a dignidade dos seres humanos. Caberia a todos nós tomarmos aquelas ações contestatórias como lições aplicáveis a contextos comezinhos nos quais podem reinar sultões e outras majestades ditatoriais, não obstante a grandeza da nossa Constituição Cidadã.
Temos aderido, nesses dias, ao clamor de nossos irmãos do mundo árabe. Não temos dúvidas quanto à nobreza e legitimidade de suas aspirações. Deveríamos ter ânimo equivalente quanto à validade do clamor daquela escrivã que roga para ser revistada por autoridade do sexo feminino em plena dependência de polícia civil situada em unidade da federação brasileira. O não atendimento a este direito coloca aquelas dependências policiais muito próximas de sultanatos e de porões.
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