quinta-feira, 31 de março de 2011

CHICO BUARQUE E OS AMORES URBANOS (9)

CHICO BUARQUE E OS AMORES URBANOS (9)

2 - O MALANDRO (I)



JUCA

Chico Buarque

(1965)

Juca foi autuado em flagrante
Como meliante
Pois sambava bem diante
Da janela de Maria
Bem no meio da alegria
A noite virou dia
O seu luar de prata
Virou chuva fria
A sua serenata
Não acordou Maria

Juca ficou desapontado
Declarou ao delegado
Não saber se amor é crime
Ou se samba é pecado
Em legítima defesa
Batucou assim na mesa
O delegado é bamba
Na delegacia
Mas nunca fez samba
Nunca viu Maria


MALANDRO QUANDO MORRE


(1965)


Cai no chão
Um corpo maltrapilho
Velho chorando
Malandro do morro era seu filho

Lá no morro
De amor o sangue corre
moça chorando
Que o verdadeiro amor sempre é o que morre

Menino quando morre vira anjo
Mulher vira um flor no céu
Pinhos chorando
Malandro quando morre
Vira samba


COM AÇÚCAR, COM AFETO


(1966)

Composição : Chico Buarque
Com açúcar, com afeto, fiz seu doce predileto
Pra você parar em casa, qual o quê!
Com seu terno mais bonito, você sai, não acredito
Quando diz que não se atrasa
Você diz que é um operário, sai em busca do salário
Pra poder me sustentar, qual o quê!
No caminho da oficina, há um bar em cada esquina
Pra você comemorar, sei lá o quê!
Sei que alguém vai sentar junto, você vai puxar assunto
Discutindo futebol
E ficar olhando as saias de quem vive pelas praias
Coloridas pelo sol
Vem a noite e mais um copo, sei que alegre ma non troppo
Você vai querer cantar
Na caixinha um novo amigo vai bater um samba antigo
Pra você rememorar
Quando a noite enfim lhe cansa, você vem feito criança
Pra chorar o meu perdão, qual o quê!
Diz pra eu não ficar sentida, diz que vai mudar de vida
Pra agradar meu coração
E ao lhe ver assim cansado, maltrapilho e maltratado
Como vou me aborrecer? Qual o quê!
Logo vou esquentar seu prato, dou um beijo em seu retrato
E abro os meus braços pra você



MAMBEMBE

(1972)


No palco, na praça, no circo, num banco de jardim
Correndo no escuro, pichado no muro
Você vai saber de mim
Mambembe, cigano
Debaixo da ponte
Cantando
Por baixo da terra
Cantando
Na boca do povo
Cantando
Mendigo, malandro, muleque, mulambo bem ou mal
Cantando
Escravo fugido, um louco varrido
Vou fazer meu festival
Mambembe, cigano
Debaixo da ponte
Cantando
Por baixo da terra
Cantando
Na boca do povo
Cantando
Poeta, palhaço, pirata, corisco, errante judeu
Cantando
Dormindo na estrada, no nada, no nada
E esse mundo é todo meu
Mambembe, cigano
Debaixo da ponte
Cantando
Por baixo da terra
Cantando
Na boca do povo
Cantando



HOMENAGEM AO MALANDRO


(1977/1978)

Eu fui fazer um samba em homenagem
à nata da malandragem, que conheço de outros carnavais.
Eu fui à Lapa e perdi a viagem,
que aquela tal malandragem não existe mais.
Agora já não é normal, o que dá de malandro
regular profissional, malandro com o aparato de malandro oficial,
malandro candidato a malandro federal,
malandro com retrato na coluna social;
malandro com contrato, com gravata e capital, que nunca se dá mal.
Mas o malandro para valer, não espalha,
aposentou a navalha, tem mulher e filho e tralha e tal.
Dizem as más línguas que ele até trabalha,
Mora lá longe chacoalha, no trem da central



DESAFIO DO MALANDRO

Chico Buarque

(1985)

- Você tá pensando que é da alta sociedade
Ou vai montar exposição de souvenir de gringo
Ou foi fazer a fé no bingo em chá de caridade
Eu não sei não , eu não sei não
Só sei que você vem com five o'clock, very well, my friend
A curriola leva um choque, nego não entende
E deita e rola e sai comentando
Que grande malandro é você
- Você tá fazendo piada ou vai querer que eu chore
A sua estampa eu já conheço do museu do império
Ou mausoléu de cemitério, ou feira de folclore
Eu não sei não, eu não sei não
Só sei que você vem com reco-reco, berimbau, farofa
A curriola tem um treco, nego faz galhofa
E deita e rola e sai comentando
Que grande malandro é você
- Você que era um sujeito tipo jovial
Agora até mudou de nome
- Você infelizmente continua igual
Fala bonito e passa fome
- Vai ver que ainda vai virar trabalhador
Que horror
- Trabalho a minha nega e morro de calor
- Falta malandro se casar e ser avô
- Você não sabe nem o que é o amor
Malandro infeliz
- Amor igual ao seu, malandro tem quarenta e não diz
- Respeite uma mulher que é boa e me sustenta
- Ela já foi aposentada
- Ela me alisa e me alimenta
- A bolsa dela tá furada
- E a sua mãe tá na rua
- Se você nunca teve mãe, eu não posso falar da sua
- Eu não vou sujar a navalha nem sair no tapa
- É mais sutil sumir da Lapa
- Eu não jogo a toalha
- Onde é que acaba essa batalha?
- Em fundo de caçapa
- Eu não sei não, eu não sei não
- Só sei que você perde a compostura quando eu pego o taco
A curriola não segura, nego coça o saco
E deita e rola e sai comentando
que grande malandro é você



A VOLTA DO MALANDRO

Chico Buarque

(1985)


Eis o malandro na praça outra vez
Caminhando na ponta dos pés
Como quem pisa nos corações
Que rolaram nos cabarés
Entre deusas e bofetões
Entre dados e coronéis
Entre parangolés e patrões
O malandro anda assim de viés
Deixa balançar a maré
E a poeira assentar no chão
Deixa a praça virar um salão
Que o malandro é o barão da ralé





Nenhum comentário:

Postar um comentário