sexta-feira, 25 de março de 2011

CHICO BUARQUE E OS AMORES URBANOS (3)

CHICO BUARQUE E OS AMORES URBANOS (3)

 
"O MEU GURI"/CHICO BUARQUE   FAZ  30 ANOS (1981 - 2011)




O MEU GURI: UM RECORTE SEMIÓTICO DA CANÇÃO (I/II)

MARTINELLI, Delaine Marcia

Professora de Linguagem e Argumentação – Cursos de Administração e Educação Física / UNIGRAN e mestranda do Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagens da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.


RESUMO:

Esse artigo realiza uma análise da construção de sentido, sob a perspectiva da semiótica francesa (ou semiótica greimasiana), da letra da música O meu guri, composta por Chico Buarque. A análise procurará desvelar o texto nos três níveis do percurso gerativo de sentido: fundamental, narrativo e discursivo.


PALAVRAS CHAVE: semiótica, música, Chico Buarque.


ABSTRACT:

This article performed an analysis of the construction of sense, in terms of semiotic  french (or semiotic greimasiana), the lyrics of the song O meu guri, composed by Chico Buarque. The analysis will seek to unveil the text of the route gerativo three levels of
meaning: fundamental, narrative and discursive.


KEYWORDS: Semiotics, music, Chico Buarque.


INTRODUÇÃO

O presente artigo realiza uma análise da construção de sentido(s) da letra da canção O meu guri de autoria de Chico Buarque, sob a perspectiva da semiótica greimasiana, oportunizando ao leitor, outra visão para a canção.

A opção pela semiótica francesa encontra abrigo no fato de que a mesma “se interessa por tudo que faça sentido para o ser humano. Herdeira de Saussure e de Hjelmslev, não toma a linguagem como sistema de signos, e sim como sistema de significações, ou melhor, de relações, pois a significação decorre da relação” (Barros, 2005, p.13) e, também, no fato de a concepção metodológica do Percurso Gerativo de Sentido, proposta por Greimas, permitir que se analise os mais variados discursos – políticos, religiosos, obras de artes, propagandas, letras de música – enfim, todo e qualquer produto cultural passível de sentido(s) para o homem. Lembramos que a semiótica francesa é de extração lingüística, vez que sua base alicerça-se nos postulados de Saussure, Hjelmslev, Propp e Lèvi-Strauss, ou seja, foi a partir desses postulados que Greimas construiu a Semântica Estrutural (1966), obra fundadora da semiótica francesa.

Ressalta-se que, além da Escola de Paris, há outras correntes teóricas que voltam o olhar para a construção de sentido(s) do/no texto, entre elas a Semiótica Peirciana (Charles Sanders Peirce) e a Escola de Tartu (Yuri Lotman), as quais têm renomados seguidores junto à academia brasileira.

A seguir, apresentamos breve retrospecto dos princípios que norteiam a semiótica greimasiana sem grandes incursões, visto ser impossível dar conta de todo seu fazer teórico, além disso, ela “não está facta, mas in fieri” (FIORIN, 1999, p. 1), ou seja, é uma teoria que se modifica, se refaz, corrige-se. Enfim, não está pronta, acabada, mas sim a se formar, a construir-se. Antes, porém, cumpre esclarecer o que a semiótica francesa entende por texto.

Um texto define-se de duas formas que se complementam: pela organização ou estruturação que faz dele um ‘todo de sentido’, como objeto de comunicação que se estabelece entre um destinador e um destinatário. A primeira concepção de texto, entendido como objeto de significação, faz que seu estudo se confunda com o exame dos procedimentos e mecanismos que o estruturam, que o tecem como um ‘todo de sentido’. A esse tipo de descrição tem-se atribuído o nome de análise interna ou estrutural do texto. Diferentes teorias voltam-se para essa análise do texto, a partir de princípios e como métodos e técnicas diferentes. A semiótica1 é uma delas. (BARROS, 2005, p. 7)

Barros (2005) esclarece, também, que o texto pode ser oral ou escrito (texto lingüístico); visual ou gestual (imagens, dança etc) ou mesmo sincrético. Essas diferentes possibilidades de manifestação textual devem, de acordo com a Teoria Semiótica, ser abstraídas, o que possibilita tomarse o texto no seu plano de conteúdo e a partir desse explicar o(s) sentido(s) presente(s) no texto, sob a forma de um percurso gerativo. O Percurso Gerativo de Sentido (PGS), cânone metodológico proposto por Greimas (1966) para se analisar qualquer texto, porque, segundo o estudioso, diferentes planos de expressão manifestam mesmos conteúdos.

A Semiótica volta-se, então, para a análise estrutural, isto é, para o plano de conteúdo, onde é/são ‘gerado(s)’ o(s) sentido(s) do texto. Vale ressaltar, ainda que, como qualquer disciplina, a Semiótica tem suas limitações teóricas, como já dito, é uma teoria in fieri. Greimas, ao elaborar sua Teoria Semiótica, buscou compreender a produção de sentido de um texto a partir das relações entre as unidades, sem, no entanto, prender-se a uma descrição dos sistemas sígnicos. O teórico propõe que se tome o texto como um todo de significações; propondo, ainda, que tais significações se fundem na relação existente entres as unidades que estruturam o texto. Enfim, relação é o termo chave na Teoria Semiótica proposta por Greimas. Para o autor, é a relação entre as unidades estruturais de um texto a responsável pelo(s) sentido(s) ali presente(s); é ela que dá ao texto significação.

A significação, por sua vez é responsável pela construção de simulacros, pelo texto como verdade, ou seja, cada texto constrói uma imagem, um simulacro, e preocupa-se com os efeitos que a produção do texto deixa apreender, “tenta determinar as condições em que um objeto se torna significante para o homem” (BARROS, 2005, p. 13). A significação é sempre articulada, é ‘algo’ percebível aos sentidos e, ao mesmo tempo, remete a um conteúdo, a um conhecimento. Como o texto constitui-se materialmente, seja de forma verbal ou não-verbal, aciona os órgãos sensoriais (audição, tato, paladar, olfato e visão), responsáveis diretos pela percepção humana do mundo e, conseqüentemente, levam o homem a dar sentido a essas percepções.

O princípio semiótico, que diz respeito à verdade, nos mostra que a verdade é concebida como a verdade do texto. Qualquer aspecto da realidade é mais complexo do que supomos e essa complexidade está
atrelada ao sistema de valores do sujeito e dos objetos com os quais ele se relaciona. “A verdade é sempre uma construção dos homens e por isso é necessário acolher seu caráter múltiplo, problemático, variável em função dos pontos de vista humanos” (PIETROFORTE & LOPES, 2003, p. 116-117). O homem, ao produzir/dar sentido a um texto, está produzindo ‘verdade’; logo, para valores diferentes, temos ‘verdades’ diferentes.

Como dito, a semiótica ocupa-se em descrever e explicar “o que o texto diz e como faz para dizer o que diz” (BARROS, 2005, p. 7), o que significa dizer que o semioticista faz a análise interna do texto. É na estrutura interna do texto que a semiótica explica o seu dizer, valendo-se, para tanto, dos procedimentos da própria organização textual e dos mecanismos enunciativos, que relacionam produtor e receptor do texto para descrever e explicar o que se diz e como se faz esse dizer.

Barros (2005) nos explica que o PGS – ou simulacro metodológico –
fundamenta-se nas seguintes etapas: a) o PGS abrange todos os níveis (do mais simples ao mais complexo e abstrato); b) o PGS envolve três níveis que, embora autônomos, são dependentes entre si no que diz respeito ao sentido; c) a primeira etapa abrange o nível fundamental ou das estruturas fundamentais (simples e abstrato); d) a segunda, diz respeito ao nível narrativo, onde a narrativa organiza-se a partir do ponto de vista de um sujeito determinado; e e) a terceira etapa, ou terceiro nível, é do discurso, ou das estruturas discursivas; portanto, é uma teoria metodológica capaz de investigar os diversos níveis encontrados na produção de sentido. Resumindo: o plano de conteúdo está hierarquizado metodologicamente em três níveis: o discursivo, o narrativo e o fundamental e é por meio dele, plano de conteúdo, que percebemos, recebemos e recuperamos detalhes da produção do(s) sentido(s) contidas em um texto – do nível mais simples e abstrato ao mais complexo e concreto.
Cumpre, acerca da teoria greimasiana, esclarecer que o PGS mostra os níveis crescentes de invariância do sentido e dá a cada um desses níveis uma descrição metalingüística adequada. Distinguindo a imanência, que diz respeito ao plano de conteúdo, da manifestação.

Pode-se afirmar que, no nível da imanência, há os patamares: fundamental (o nível das estruturas profundas, em que predomina o maior grau de abstração), narrativo (onde o sentido se organiza em programas que envolvem sujeitos e objetos, numa sucessão de estados de transformação em que os sujeitos visam valores) e discursivo (que considera os aspectos de tempo, de espaço, os atores, os temas e as figuras).

Enfim, de posse dessa metodologia, propomo-nos, nesse trabalho, analisar O meu Guri de Chico Buarque nos três níveis do PGS, ou seja,
não se tratará aqui de buscar as “reais” intenções do homem Chico Buarque, mas sim identificar quais marcas foram deixadas no texto e, a partir delas, traçar um percurso gerativo de sentido ou sentidos e, conseqüentemente, apresentar um recorte semiótico da canção.

Trazemos, com intuito de situar o leitor, alguns dados sobre o compositor do texto para, a seguir, reproduzir o poema narrativo, na íntegra.

1. CHICO BUARQUE E SUA CANÇÃO: ESCOLHAS JUSTIFICADAS

Francisco Buarque de Hollanda, o Chico Buarque, é um compositor dos mais respeitados e consagrados no Brasil e fora dele. Conhecido, e reconhecido, por unir poeticidade e melodia a um aguçado desvelamento das mazelas sociais incrustadas em nossa sociedade; pela atemporalidade e pelo não-espaço, características determinantes em sua obra e que a tornam eterna e sempre atual.

A canção O meu guri, gravada em 1981, tem como foco o jovem marginalizado dos grandes centros urbanos. Jovens que são arregimentados, ‘capturados’ pelo tráfico de drogas, ou seja, são soldados na/em guerra e que, como em qualquer guerra, vão ao front para matar ou morrer. E, embora transcorridos 26 anos, é um assunto que, infelizmente, ocupa espaço nos cadernos policiais de boa parte dos jornais de circulação nacional.

O Meu Guri

Chico Buarque


Quando, seu moço, nasceu meu rebento
Não era o momento dele rebentar
Já foi nascendo com cara de fome
E eu não tinha nem nome pra lhe dar
Como fui levando, não sei lhe explicar
Fui assim levando ele a me levar
E na sua meninice ele um dia me disse
Que chegava lá
Olha aí
Olha aí
Olha aí, ai o meu guri, olha aí
Olha aí, é o meu guri
E ele chega
Chega suado e veloz do batente
E traz sempre um presente pra me encabular
Tanta corrente de ouro, seu moço
Que haja pescoço pra enfiar
Me trouxe uma bolsa já com tudo dentro
Chave, caderneta, terço e patuá
Um lenço e uma penca de documentos
Pra finalmente eu me identificar, olha aí
Olha aí, ai o meu guri, olha aí
Olha aí, é o meu guri
E ele chega
Chega no morro com carregamento
Pulseira, cimento, relógio, pneu, gravador
Rezo até ele chegar cá no alto
Essa onda de assalto tá um horror
Eu consolo ele, ele me consola
Boto ele no colo pra ele me ninar
De repente acordo, olho pro lado
E o danado já foi trabalhar, olha aí
Olha aí, ai o meu guri, olha aí
Olha aí, é o meu guri
E ele chega
Chega estampado, manchete, retrato
Com venda nos olhos, legenda e as iniciais
Eu não entendo essa gente, seu moço
Fazendo alvoroço demais
O guri no mato, acho que tá rindo
Acho que tá lindo de papo pro ar
Desde o começo, eu não disse, seu moço
Ele disse que chegava lá
Olha aí, olha aí
Olha aí, ai o meu guri, olha aí
Olha aí, é o meu guri.


2. ANÁLISE

Nosso olhar buscou focar no texto da canção O meu guri “o que ele diz e como faz para dizer o que diz”, e analisar os níveis propostos por Greimas: o fundamental, o narrativo e o discursivo. O que se propõe, então, é uma aplicação prática da Teoria Semiótica, buscando uma reflexão isenta e centrada no texto.


2.1 AS FRONTEIRAS SOCIAIS

O meu guri está estruturada em quatro estrofes, às quais, numaperspectiva semiótica, constroem no nível fundamental, ou seja, no nível mais abstrato da geração de sentido a oposição pobreza x riqueza ou classe social desprestigiada x classe social de prestígio. Essa oposição é detectada na 1ª e 2ª estrofes, “...com cara de fome” x “tanta corrente de ouro”.






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