segunda-feira, 21 de março de 2011

ASSIS VALENTE E OS AMORES URBANOS (2)

ASSIS VALENTE E OS AMORES URBANOS (2)

Vicente Deocleciano Moreira


Não é suficiente dizer que "amores urbanos" são relações afetivas que unem ou separam  alguém em relação a uma cidade ou, de outro modo, relações afetivas, eróticas, entre passoas que se amam ou se odeiam tendo como 'pano de fundo' ou 'cenário' uma cidade ou parte dela. Mais que isso, ou além disso, é necessário que estes dois gêneros de afetividades estejam impregnados do que habituamos cjamar 'cultura urbana'. Se concordamos com isso,  parece bem sucedida, acertada e tempestiva a expressão AMORES URBANOS, presente em nossas postagens e aplicada na veia da produção artística da MPB (Música Popular Brasileira), especialmente de uma Assis Valente, Chico Buarque, Lupicínio Rodrigues ... e tantos outros compositores e suas  obras de arte, à mancheia.

Como inevitável, os textos literários (poesia e prosa) e, também,  os ensaios crítico-lietrários podem operar como 'vasos comunicantes' com a MPB, facultando uma espécie de câmbio estético, de troca e de iluminação entre Literatura e Música. Para ficar em apenas dois exemplos: o poeta Vinicius de Moraes (1913 - 1980) com, por exemplo,  "A Mulher Ideal" (ver postagem anterior)  e o crítico literário Affonso Romano de Santanna (1937) com "Música Popular  e Moderna Poesia Brasileira" e "O canibalismo amoroso" ...


Bem. Vamos a Assis Valente ("Fez Bobagem"):



Meu moreno fez bobagem
Maltratou meu pobre coração
Aproveitou a minha ausência
E botou mulher sambando no meu barracão


Quando eu penso que outra mulher
Requebrou pra meu moreno ver
Nem dá jeito de cantar
Dá vontade de chorar
E de morrer

Deixou que ela passeasse na favela com meu peignoir
Minha sandália de veludo deu à ela para sapatear
E eu bem longe me acabando
Trabalhando pra viver
Por causa dele dancei rumba e fox-trote
Para inglês ver


(Rio de Janeiro (Brasil) : uma favela e seus barracões)

Ainda que de algum modo implícito, aparece a figura do malandro carioca: sem trabalho, sem emprego, sustentado pela companheira que trabalha duro pra viver; e para lhe dar 'boa vida'. Não bastasse tudo isso, ele - na ausência dela -  faz "bobagem": recebe outra mulher  que samba no barracão e que ainda ganha de presente obletos pertencentes à da dona de casa como o  "peignoir"  - com que ela passeia na favela. - e a sandália de veludo.


São duas mulheres, uma faz mistério para a outra: "o que é uma mulher?" ... "o  que quer uma mulher?" elas se perguntam e indagam à outra: "Quando eu penso que outra mulher/ Requebrou/costuma requebrar para ele. E também se perguntam uma à outra: "O que ela tem que eu não tenho?" ... "Será que o  requebrado dela é melhor, mnais bontio, mais sensual e atraente que o meu requebrado?" ... "Ela é mais mulher - para ele - do que eu?"
Alimentando a intriga feminina, tão escancarada por Assis Valente em "Fez Bobagem",  a cúmplice do infiel usa, na esfera privada do barracão, as sandálias de veludo (veludo, um tipo de tecido caro!); e o  "peignoir" no quadrante  do público; justamente o  "peignoir"uma peça íntima é exibida´para toda a vizinhança. A intriga feminina faz com que ambas (e não só a dona do barraco)  tenham o "coração machucado". Faz com que sejam a "Mulher Ideal" à façon do poeta Vinicius de Moares ("Soneto da Mulher Ideal")




Uma mulher tem que ter alguma coisa além da beleza
Qualquer coisa feliz
Qualquer coisa que ri
Qualquer coisa que sente saudade

Um pedaço de amor derramado
Uma beleza ...
Que vem da tristeza
Que faz um homem que como eu sonhar

Tem que saber amar
saber sofrer pelo seu amor
E ser só perdão



Aliás, o próprio poeta, o "poetinha" como era carinhosamente chamado, fez uma versão mais cantável que, inclusive, ele mesmo declama:


Uma mulher
Tem que ter qualquer coisa de triste
Qualquer coisa que sinta saudade
Um molejo de amor machucado
A beleza que vem da trsiteza
De saber-se mulher
Feita apenas para amar
Sofrer pelo seu amor
E ser só perdão ...




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Amanhã, terça-feira, segundo dia do Outono no Brasil, mais ASSIS VALENTE



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