BRASIL. O ESTATUTO DA CIDADE COMENTADO (3)
O Estatuto da Cidade comentado
(Lei Nº 10. 257 de 10 de julho de 2001)
Ana Maria Furbino Bretas Barros
Celso Santos Carvalho
Daniel Todtmann Montandon
Seção III. Do IPTU progressivo no tempo
Art. 7º Em caso de descumprimento das condições e dos prazos previstos na forma do caput do art. 5º desta Lei, ou não sendo cumpridas as etapas previstas no § 5º do art. 5º desta Lei, o Município procederá à aplicação do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU) progressivo no tempo, mediante a majoração da alíquota pelo prazo de cinco anos consecutivos.
§ 1º O valor da alíquota a ser aplicado a cada ano será fixado na lei específica a que se refere o caput do art. 5º desta Lei e não excederá a duas vezes o valor referente ao ano anterior, respeitada a alíquota máxima de quinze por cento.
§ 2º Caso a obrigação de parcelar, edificar ou utilizar não esteja atendida em cinco anos, o Município manterá a cobrança pela alíquota máxima, até que se cumpra a referida obrigação, garantida a prerrogativa prevista no art. 8º.
§ 3º É vedada a concessão de isenções ou de anistia relativas à tributação progressiva de que trata este artigo.
Para compelir o proprietário a cumprir a obrigação estabelecida, seja ela parcelamento, edificação ou utilização compulsórios, o Estatuto da Cidade fornece ao Município o IPTU progressivo.
O IPTU é um imposto devido pelos proprietários ou possuidores de imóveis urbanos, sendo calculado como uma porcentagem do valor de mercado do imóvel. O Estatuto da Cidade permite que o Município aumente progressivamente, ao longo dos anos, a alíquota do IPTU para aqueles imóveis cujos proprietários não obedecerem aos prazos fixados para o parcelamento, edificação ou utilização compulsórios. É uma maneira de penalizar a retenção do imóvel para fins de especulação da valorização imobiliária, fazendo com que essa espera, sem nenhum benefício para a cidade, se torne inviável economicamente. Neste caso, o IPTU progressivo é empregado mais pelo caráter de sanção do que de arrecadação.
Para garantir a eficácia do instrumento, o Estatuto da Cidade vedou a concessão de isenções ou anistias.
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Seção IV. Da desapropriação com pagamento em títulos
Art. 8º Decorridos cinco anos de cobrança do IPTU progressivo sem que o proprietário tenha cumprido a obrigação de parcelamento, edificação ou utilização, o Município poderá proceder à
desapropriação do imóvel, com pagamento em títulos da dívida pública.
§ 1º Os títulos da dívida pública terão prévia aprovação pelo Senado Federal e serão resgatados
no prazo de até dez anos, em prestações anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais de seis por cento ao ano.
§ 2º O valor real da indenização:
I – refletirá o valor da base de cálculo do IPTU, descontado o montante incorporado em função de
obras realizadas pelo Poder Público na área onde o mesmo se localiza após a notificação de que trata o § 2º do art. 5º desta Lei;
II – não computará expectativas de ganhos, lucros cessantes e juros compensatórios.
§ 3º Os títulos de que trata este artigo não terão poder liberatório para pagamento de tributos.
§ 4º O Município procederá ao adequado aproveitamento do imóvel no prazo máximo de cinco anos, contado a partir da sua incorporação ao patrimônio público.
§ 5º O aproveitamento do imóvel poderá ser efetivado diretamente pelo Poder Público ou por meio de alienação ou concessão a terceiros, observando-se, nesses casos, o devido procedimento licitatório.
§ 6º Ficam mantidas para o adquirente de imóvel nos termos do § 5º as mesmas obrigações de parcelamento, edificação ou utilização previstas no art. 5º desta Lei.
A propriedade, como qualquer direito fundamental, pode ser limitada e até mesmo objeto de uma intervenção supressiva. A Constituição Federal, conferindo ao Estado o poder de retirar um bem de seu proprietário, possibilita a desapropriação em razão de utilidade e interesse público ou por interesse social, mas exige a justa e prévia indenização em dinheiro. Como exceções a essa regra geral, a Constituição Federal prevê outras duas modalidades de desapropriação, intrinsecamente relacionadas à função social da propriedade: a desapropriação para fins de reforma urbana e a desapropriação para fins de reforma agrária, ambas com caráter de sanção.
O Estatuto da Cidade regula a desapropriação para fins urbanos. Por meio dessa modalidade, o Poder Público Municipal pune o proprietário que não deu a seu imóvel a função social estabelecida no Plano Diretor. Diferentemente das desapropriações por utilidade e interesse público e interesse social, na desapropriação para fins de reforma urbana o pagamento é realizado por meio de títulos da dívida pública, resgatáveis num prazo de dez anos.
Outra relevante diferença, ligada também ao caráter de sanção dessa modalidade de desapropriação, é o valor da indenização. Esse valor, em regra, corresponde ao valor de mercado. Na desapropriação para fins urbanos, fala-se em valor real, que corresponde à base de cálculo para o IPTU, descontado o montante decorrente dos investimentos públicos na área do imóvel.
Essa forma de cálculo concretiza a diretriz sobre a justa distribuição dos benefícios da urbanização, expressa no artigo 2º do Estatuto da Cidade. Além disso, para o cálculo do valor real não podem ser computadas as expectativas de ganho, lucros cessantes e juros compensatórios.
A desapropriação para fins de reforma urbana só pode ser realizada se o proprietário, compelido a dar adequada utilização ao imóvel, não o fez após os cinco anos de aplicação do IPTU progressivo no tempo. A desapropriação pressupõe, portanto, uma sequência de ações: primeiro, o Poder Público Municipal, nos termos da lei municipal, notifica o proprietário para parcelar, edificar ou utilizar o imóvel; decorrido o prazo estipulado na notificação e seguindo os procedimentos legais, sem que o proprietário cumpra com a determinação, o Município pode aumentar anualmente a alíquota do IPTU, por um prazo de cinco anos, na forma do art. 7º do Estatuto da Cidade e da lei municipal; somente após a aplicação desses instrumentos, o Município pode valer-se da desapropriação para fins de reforma urbana.
A vinculação da desapropriação sanção, regulada pelo Estatuto da Cidade, à função social da propriedade obriga também o Poder Público a dar destinação adequada ao imóvel após a desapropriação. Se isto não for feito, o Prefeito e os demais agentes públicos envolvidos incorrem em improbidade administrativa, conforme o artigo 52, II do Estatuto da Cidade. Improbidade administrativa significa ato contrário ao dever do agente público de atuar com honestidade e decência. Um ato de improbidade administrativa não é um crime em sua acepção legal, mas quem incorre em improbidade está sujeito a sanções que podem ocasionar a suspensão dos direitos políticos, perda da função pública, indisponibilidade de bens e ressarcimento ao erário1.
Seção V. Da usucapião especial de imóvel urbano
Art. 9º Aquele que possuir como sua área ou edificação urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
§ 1º O título de domínio será conferido ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.
§ 2º O direito de que trata este artigo não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.
§ 3º Para os efeitos deste artigo, o herdeiro legítimo continua, de pleno direito, a posse de seu antecessor, desde que já resida no imóvel por ocasião da abertura da sucessão.
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Art. 10. As áreas urbanas com mais de duzentos e cinquenta metros quadrados, ocupadas por população de baixa renda para sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, são susceptíveis de serem usucapidas coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural.
§ 1º O possuidor pode, para o fim de contar o prazo exigido por este artigo, acrescentar sua posse à de seu antecessor, contanto que ambas sejam contínuas.
§ 2º A usucapião especial coletiva de imóvel urbano será declarada pelo juiz, mediante sentença, a
qual servirá de título para registro no cartório de registro de imóveis.
§ 3º Na sentença, o juiz atribuirá igual fração ideal de terreno a cada possuidor, independentemente da dimensão do terreno que cada um ocupe, salvo hipótese de acordo escrito entre os condôminos, estabelecendo frações ideais diferenciadas.
§ 4º O condomínio especial constituído é indivisível, não sendo passível de extinção, salvo deliberação favorável tomada por, no mínimo, dois terços dos condôminos, no caso de execução de urbanização posterior à constituição do condomínio.
§ 5º As deliberações relativas à administração do condomínio especial serão tomadas por maioria de votos dos condôminos presentes, obrigando também os demais, discordantes ou ausentes.
Art. 11. Na pendência da ação de usucapião especial urbana, ficarão sobrestadas quaisquer outras
ações, petitórias ou possessórias, que venham a ser propostas relativamente ao imóvel usucapiendo.
Art. 12. São partes legítimas para a propositura da ação de usucapião especial urbana:
I – o possuidor, isoladamente ou em litisconsórcio originário ou superveniente;
II – os possuidores, em estado de composse;
III – como substituto processual, a associação de moradores da comunidade, regularmente constituída, com personalidade jurídica, desde que explicitamente autorizada pelos representados.
§ 1º Na ação de usucapião especial urbana é obrigatória a intervenção do Ministério Público.
§ 2º O autor terá os benefícios da justiça e da assistência judiciária gratuita, inclusive perante o cartório de registro de imóveis.
Art. 13. A usucapião especial de imóvel urbano poderá ser invocada como matéria de defesa,
valendo a sentença que a reconhecer como título para registro no cartório de registro de imóveis.
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Art. 14. Na ação judicial de usucapião especial de imóvel urbano, o rito processual a ser observado é o sumário.
No Brasil, cerca de 40% das famílias urbanas não têm a propriedade ou qualquer documento legal de reconhecimento da posse dos terrenos onde moram. Esta situação é fruto de uma urbanização acelerada, desordenada e injusta, onde os pobres não tiveram reconhecido seu direito à moradia e ocuparam, na prática, seu espaço na cidade, construindo suas casas nos terrenos vazios ou edifícios abandonados.
Reconhecendo que esta situação de ilegalidade é injusta para os pobres e traz prejuízos para toda a sociedade, a Constituição Federal, em seu Artigo 183, garante ao possuidor de imóvel urbano de até 250 m², que não tem outro imóvel e que ainda não foi beneficiado pelo instrumento, a aquisição da propriedade. Para tanto, o possuidor deve ainda demonstrar que ocupa o imóvel há cinco anos, sem oposição, e que utiliza o imóvel para sua moradia2.
Preenchidos os requisitos legais, o possuidor torna-se proprietário, por meio de um processo judicial de usucapião ou de um procedimento extrajudicial específico, instituído pela Lei nº 11.977 de 7 de julho de 2009, que passa pela definição dos limites de toda a gleba, por meio de um instrumento denominado demarcação urbanística e pelo reconhecimento da posse do indivíduo, após a individualização de seu lote e por meio de outro instrumento, a legitimação dea posse.
Nos artigos 9 a 14, o Estatuto da Cidade regulamenta a usucapião especial urbana, introduzindo várias normas que buscam superar entraves burocráticos e econômicos que dificultariam o reconhecimento efetivo do direito concedido ao possuidor do imóvel pela Constituição. Garante, por exemplo, a gratuidade de todos os atos realizados na justiça e no cartório de registro de imóveis, incluindo a assistência judiciária aos beneficiados; possibilita que a associação de moradores proponha a ação de usucapião em nome dos moradores, desde que autorizada por eles; e permite a forma coletiva da usucapião urbana.
De fato, nas favelas, muitas vezes é inviável identificar e separar o terreno em lotes, o que impossibilitaria tecnicamente a propositura de ações individuais. A usucapião coletiva exige apenas que seja demarcado o perímetro externo do conjunto da ocupação, possibilitando o reconhecimento do direito de propriedade do conjunto de moradores que vivem nesse núcleo urbano.
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