segunda-feira, 21 de março de 2011

FCCV - MAIS SEGURANÇA E MENOS MORTES:

FCCV - FORUM COMUNITÁRIO DE COMBATE À VIOLÊNCIA - Salvador - Bahia - Brasil 

 

Leitura de fatos violentos publicados na mídia

Ano 11, nº 10, 21/03/11 


MAIS SEGURANÇA E MENOS MORTES: EIS UMA PISTA PARA AS MANCHETES

            Dez pessoas foram mortas pela polícia em Lauro de Freitas no dia 26 de fevereiro de 2011. A notícia ultrapassou a extensão da região metropolitana de Salvador e adquiriu status de assunto nacional ao ser abordada por meios de comunicação de massa situados na região Sudeste do País.



Como já se tornou protocolar, o caso foi anunciado como ação de combate ao crime. Desta vez, conforme as autoridades policiais ouvidas, os mortos pertenciam a uma quadrilha responsável por assaltos a bancos e a lojas na Bahia.

Ao comparar os títulos de duas matérias em circulação na internet e tratam do caso, observam-se construções textuais ligeiramente distintas. Em ambas as mortes e os seus responsáveis são componentes centrais das mensagens. O jornal A Tarde, na seção Cidades, em 26 de fevereiro anuncia: 10 assaltantes são mortos em confronto com a polícia. No dia 27, a Folha de São Paulo, no caderno Cotidiano escreve: Polícia mata dez supostos assaltantes na Bahia. 

É claro que a questão mais importante são as mortes e essas estão presentes nas duas formas de enunciação entretanto, vale refletir sobre o modo de dizer, especialmente o modo de escrever para um grande público que tem acesso à informação, na maioria das vezes, através dos meios de comunicação de massa.

Quando o noticioso baiano informa, no mesmo dia da ocorrência das mortes, que “dez assaltantes são mortos em confronto com a polícia” está incorporando à esfera do jornalismo a posição adotada pela instituição policial em relação ao fato. Ao passo que, o título da Folha de São Paulo, ao evidenciar a ação policial contra dez supostos assaltantes, coloca-se em condição não homologatória da versão policial.

As duas construções textuais devem ser apreciadas tendo em vista um contexto de proliferação da atividade criminosa com o conseqüente desafio no que se refere ao controle do crime por meio dos aparatos de estado. Ao lado da propagação sistemática dos delitos tem emergido valores e atitudes pertinentes com a aceitação de soluções baseadas em ações letais por parte das forças públicas. Nesse sentido, vem se tornando normal o incremento de mortes violentas praticadas por policiais. A manchete de A Tarde é representativa desta “normalidade”. E a deixa simbólica que tem contribuído para sustentar social e culturalmente esta forma de “normalidade” está bem sintetizada na manchete pela afirmação de que dez assaltantes se confrontaram com a polícia. Vem daí uma espécie de reação química absolvente e absorvente. 

No que se refere ao aspecto absolvente, a questão se dá pela via da justificativa da ação letal perpetrada por autoridades públicas. Por este viés, e dada a sua constância, vão sendo favorecidas as idéias de que o óbito do criminoso é positivo, desejável, legal e tecnicamente defensável. Com este lastro se chega ao outro efeito social de caráter absorvente que se dá pela assimilação das condutas violentas de agentes públicos vistas como típicas e necessárias para o combate ao crime.

A idéia de limpeza social fica inscrita nas entrelinhas do texto “dez assaltantes são mortos em confronto com a polícia”. A morte de tantos indesejáveis vai ganhando feição de obra e de política pública.

Com a manchete “Polícia mata dez supostos assaltantes na Bahia” A Folha de São Paulo evita a homologação da versão policial e, com isso, não repete a “reação química” referida anteriormente. Esta opção sugere a necessidade de se investigar para a obtenção de provas que venham confirmar ou não a suspeição. Tal perspectiva se distingue da anterior pela existência de uma distância simbólica razoável entre culpado e suspeito. Diga-se de passagem, essa distinção tem efeitos estruturais no que se refere à apreciação legal dos acontecimentos criminosos. Entretanto, fica subtendida uma pausa para a averiguação que, uma vez cumprida, pode classificar como exitosa a ação violenta contra os, legalmente, reconhecidos criminosos.

           Não obstante as diferenças assinaladas, em ambas as mensagens as mortes, enquanto excesso, não teve lugar e também não houve fenda para um questionamento quanto à conduta técnica que produz tantos óbitos. Essas duas últimas questões não dependem da certeza ou da suspeição de culpa dos mortos. O ponto que mereceria lugar de destaque diz respeito ao modelo de proteção e de segurança que deve economizar vidas e não transformar as tragédias em êxitos institucionais.


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