sexta-feira, 11 de março de 2011

FCCV - CRIME DE MORTE PELA “SUTILEZA” DOS PAVIOS

Leitura de fatos violentos publicados na mídia

Ano 11, nº 08, 10/03/11 


FCCV - Forum Comunitário de Combate à Violência (Salvador - Bahia - Brasil)

CRIME DE MORTE PELA “SUTILEZA” DOS PAVIOS
           
Provavelmente é de histórias como essa que surgiu a necessidade de se criar a uma palavra como “atônito”. Um dia, sem saber o que dizer diante de um assombro a lhe atravessar o peito, um indivíduo se disse atônito tal como aqueles sujeitos que, em 10 de fevereiro de 2011, ficam sabendo por meios de comunicação baianos que um motorista de caminhão matou um vigilante por causa de um real.


A história é curta. O motorista, Mauro da Silva, vai a um posto de combustível e pede para usar o banheiro, mas se recusa a pagar um real ao funcionário que lhe explica a cobrança como uma taxa destinada à manutenção do sanitário. Ele reage com agressão e o funcionário corre. O vigilante, de 43 anos, tenta evitar a violência.  Um amigo de Mauro paga a taxa e ele usa o sanitário. Em seguida, se dirige ao caminhão, volta com uma faca, mata o vigilante e depois foge.
Simples assim, sem mistério, morreu Ubiranei Marcelino dos Santos. Um tipo de morte em torno da qual tem se multiplicado falas e escritas denunciando a banalização da violência. Por este tipo de vítimas sobram suspiros interrogativos: Por quê!?
Do quase nada se faz uma morte violenta. Em muitos infortúnios, não tem sido necessária uma longa história de conflitos, mágoas profundas ou traumas envolvendo vítimas e algozes. Dois desconhecidos se esbarram e um mata o outro. O vínculo entre eles tem quase a mesma duração correspondente ao ato de matar. É nesse tempo ínfimo que nascem os motivos como um gesto, uma palavra ou a cobrança de um real para o uso do vaso sanitário. 
No conjunto dos que praticam a violência letal estão aqueles caracterizáveis por seus “pavios curtos”. Pelas narrativas referentes às circunstâncias da agressão, estes indivíduos vão, imediatamente, “às vias de fato”, sem buscar recursos violentos de menor ou médio poder lesivo. Às vezes a sua manifestação se expressa no trânsito com o revide a um motorista que comete falhas, atrapalhando o fluxo de automóveis. O desatento pode ser alvejado por um tiro que sai de um pavio curto.
A atuação inesperada dá ao indivíduo que possui este perfil uma semelhança com os homens-bomba, dada a sua inusitada explosão contra um alvo. Entretanto, nessas ocorrências há três distinções: o pavio curto não tem uma causa religiosa ou política que lhe dá justificativa moral; sua ação não é planejada e ele resta ileso ao final do atentado.
A diferenciação anteriormente proposta tem uma conseqüência que deve ser objeto de reflexão. O homem-bomba, ao realizar um atentado, pressupõe que a vida tem um valor muito alto, tanto que a sua perda é vista como estratégica na busca de um objetivo considerado nobre. Já o pavio curto, ao ferir de modo letal, não cogita valor para aquela vida perdida. A morte, neste caso, não tem serventia a não ser como lenitivo para aplacar a raiva momentânea. 
A comparação aqui esboçada tem o intuito de chamar a nossa atenção para o fato de sermos muito sensibilizados pelos horrores inscritos nas sociedades que recorrem aos suicidas para matar e morrer por causas que lhes são caras. A mesma sensibilidade não se evidencia quando se constata entre nós a presença crescente de pavios curtos. Que sociedade e que cultura é esta? Por que a arma da palavra tem perdido espaço para as facas e pistolas? Por que está sendo tão fácil o apelo ao recurso violento mais radical? O que fazer para enfrentar o desafio que essas práticas de violência encerram?


Devemos passar da reação de assombro diante da barbárie nossa de cada dia e procurar caminhos que possam nos devolver a palavra como arma eficaz e conseqüente na solução dos conflitos eventuais. Precisamos ocupar os espaços institucionais, a exemplo das escolas, dos lugares de convivência e de outros ambientes de socialização para fortalecer as nossas competências cívicas e o nosso pertencimento a uma ordem na qual não estamos isolados e não podemos atuar a partir de leis pessoais ou das sutilezas dos pavios.

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