quarta-feira, 9 de março de 2011

FCCV - DE VIGILANTE PARTICULAR A DUBLÊ DE CULPADO

FCCV - FORUM COMUNITÁRIO DE COMBATE À VIOLÊNCIA

Salvador - Bahia - Brasil

 

 

 

 

Leitura de fatos violentos publicados na mídia

Ano 11, nº 07, 28/02/11 

DE VIGILANTE PARTICULAR A DUBLÊ DE CULPADO
           
A partir da lógica do encaixe entre a ação criminosa e as vocações incrustadas no espaço social, são construídos sistemas de proteção coerentes com as necessidades e as capacidades financeiras dos interessados em frustrar ações lesivas características de cada espaço. Esta prevenção, ao mesmo tempo em que cria obstáculos à atividade criminosa oferece indicações quanto ao teor dos elementos preservados, ou seja, os mecanismos de segurança funcionam como uma publicidade daquilo que se pretende ocultar e salvaguardar. Desse modo, a estratégia de proteção é ambígua e seu objetivo pode resultar em fator de encorajamento da ação delituosa. Ironicamente a própria segurança, com seus equipamentos cada vez mais sofisticados, faz as vezes de vitrine que, indiretamente, anuncia a existência dos bens resguardados no interior dos espaços circundados por complexos mecanismos de proteção, exaltando-os como raros e suficientemente fascinantes ao merecem tanto zelo. 


Foi em uma rua elegante no Alto de Pinheiros, na zona oeste de São Paulo, que uma quadrilha de quatro indivíduos armados e, sem disfarces, penetrou uma residência no dia 7 de fevereiro de 2011. Ali, como que movidos por um imaginário cardápio compatível com a área, eles levaram dinheiro, computadores, celulares, jóias e automóvel (esse último item foi logo recuperado pela polícia).

A ação seria mais uma a ser relatada como lamentável, pois portadora de insegurança para os moradores de um local tranqüilo e habitado por pessoas respeitáveis da sociedade paulistana. A peculiaridade do caso se restringe ao fato de o dono da residência assaltada ser o Secretário de Transportes e Logística do Estado de São Paulo - que também foi secretário de Segurança Pública do Estado na gestão anterior. Este acaso gerou, certamente, desconforto ao aparato de Estado, pois ficou evidenciada a fragilidade da política de segurança, de modo a se imaginar aquele roubo como sinal de que não há lugar seguro na cidade. Como confiar na proteção se até a casa do Secretário de Estado está sendo devassada?!

A ocorrência criminosa foi compatível com a “vocação” do espaço social envolvido;  cabe lembrar que as áreas nobres de São Paulo têm sido alvos de quadrilhas especializadas em roubo a domicílios. O senão desta vez resguarda a coincidência entre e moradia violada e o seu residente. É este detalhe que torna o evento extraordinário e provoca uma inusitada fala do Delegado-geral de Polícia Civil de São Paulo.

Em entrevista concedida à rádio Jovem Pan, mencionada pela Folha de São Paulo, esta autoridade falou que “somente a polícia não consegue resolver problema dessa envergadura”.  E tentou resvalar a culpa para a competência da vigilância privada, ao considerar que se os vigilantes “recebem dinheiro desses moradores para fazer uma segurança, ela tem de ser efetiva, e não apenas, como vimos várias vezes, cabines abandonadas, vigilantes que não estão fazendo o serviço adequado.” Depois desta reprimenda aos que prestam segurança particular na rua onde mora o secretário, o delegado dirigiu a crítica aos vigilantes que atuam na capital paulista afirmando que “a partir de agora, a polícia irá fiscalizar vigilantes de rua autônomos” com o intuito de criar um banco de dados “para que os cidadãos possam saber quem é contratado”. 

As declarações anteriormente citadas evidenciam a falta de um repertório compatível com o episódio, levando à construção de um dublê improvisado para assumir a posição de culpado. Afinal, desta vez a vítima corresponde ao personagem que, há poucos meses, se encarregava de transmitir tranqüilidade aos paulistas, afirmando que tudo estava sob controle, apesar da multiplicação das ações criminosas. Mas quando a ofensa bate à sua porta, não é mais possível sustentar a serenidade e até o “dever de casa” é comprometido: o local do crime, por exemplo, foi alterado antes de a perícia coletar as impressões digitais. 

Diante da impossibilidade de se acusar falhas na política de segurança pública, pois corresponderia a um gol contra a gestão estadual, apela-se para aquilo que toda a sociedade tem aderido e que consiste no investimento em recursos de proteção privada. Mas há um “ponto de flexão” que dá ao apelo uma insólita versão. Com pequenas alterações na formulação textual, a fala do delegado corresponde à crítica freqüente à área da segurança pública. Desse modo, é possível observar que foi feito um pequeno arranjo no vocabulário da seguinte matriz discursiva: “se eles, os responsáveis pela segurança pública, recebem dinheiro dos cidadãos para fazer uma segurança, ela tem de ser efetiva, e não apenas, como vimos muitas vezes, equipamentos abandonados, servidores que não prestam o serviço adequado”.

No arranjo discursivo construído pelo delegado-geral fica evidente uma expectativa no sentido de que nos casos de maior “envergadura” a segurança deve ser buscada no âmbito privado. Ao mesmo tempo, deixa transparecer que este setor não estaria cumprindo a sua função. Como é possível notar, as declarações desta autoridade soam mais comprometedoras que a simples admissão de que há problemas sérios na atividade de segurança pública estadual e que o assalto à casa do secretário obedece a uma tendência atualmente observada em alguns territórios da capital paulista. E questões dessa envergadura consistem em desafios a serem enfrentadas não apenas pelos órgãos de segurança, mas por todo o Estado, em amplo debate com a sociedade civil.


Como moral da história, fica um conselho às autoridades: cuidado quando da concepção das emendas para que as mesmas não sejam piores que o soneto.duo assaltasse um banco o emprego de um canivete ou esmurrando os funcionada para roubar uma residência.

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