terça-feira, 12 de outubro de 2010

MINAS AINDA HÁ. MELHOR ASSIM (2) - Vicente D. Moreira

MINAS AINDA HÁ. MELHOR ASSIM - Vicente D. Moreira


Casas entre bananeiras
mulheres entre laranjeiras
pomar amor cantar.

Um homem vai devagar.
Um cachorro vai devagar.
Um burro vai devagar.
Devagar... as janelas olham.

Eta vida
besta, meu Deus.


("Cidadezinha qualquer" - Carlos Drmmond de Andrade)




Aqueles cenários urbanos vivos, cujas casas não traiam nenhum estilo que eu conhecia nos rincões sulistas, urbanos e rurais: alemão, italiano, inglês. Jardins que pareciam, a um golpe de vista, construídos pela mão paciente da natureza.

A inconfidência mineira daquelas casas só traía mesmo a sabedoria do esperar pelo que aquelas cidades sabiam que jamais viria. Aquelas cidades - aquela "êta vida besta meu Deus" drummondiana & mineira - e aqueles senhores assentados mais do que sentados nos bancos das praças a fumar cigarros de palha. Chapeú sobre a cabeça, rapé no nariz, vendo´a própria imagem refletida nos aparelhos de TV das lojas. Narcisos.

E eu, buscando a verdadeira verdade do estar alí, pedia que o motorista estacionasse o carro, por alguns minutos. E, ato contínuo, sentava-me junto a esses velhos mineiros ... eu fingindo - sem muito talento - um por acaso, uma coincidência de encontro. Cumprimentos. Ouvia-lhes a conversa, sentia-lhes o cheiro do cigarro. Minas cheira muito bem. Existe um cheiro de Minas Gerais (que deveria até ser patenteado).

Com alegria de criança (que já não mais era há décadas), passei por sobre as pontes tijoladas e curvas sobre rios e riachos; e nos seus para-corpos elegantes debrucei-me sobre os verdes de todos os verdes. E deitei olhar pelos roxos das quaresmeiras e por tudo o mais que abraçava aquíferos translúcidos. Paisagens que nós, (de)formados pelo chamado gosto artístico, torcemos o nariz quando as vemos estampadas em quadros - o chamado 'gosto popular' - à venda em feiras, praças e calçadas das cidades por cidadãos comuns que não são exatamente marchands de galerias.

Orgia dos sentidos ... havia até pássaros "rurais", acompanhando automóveis, estudantes uniformizados e sacolas de compras; pássaros ...como se questionassem todos os conceitos sociológicos de cidade, de vida urbana. Eram cidades dentro de fazendas ou fazendas dentro de cidades? Não sei responder, nem fui a nenhum cartório de imóveis buscar resposta a uma tão ociosa pergunta.


Água de beber
Bica no quintal
Sede de viver tudo
E o esquecer
Era tão normal que o tempo parava
E a meninada respirava o vento
Até vir a noite e os velhos falavam coisas dessa vida
Eu era criança, hoje é você, e no amanhã, nós(2x)
Água de beber
Bica no quintal, sede de viver tudo
E o esquecer
Era tão normal que o tempo parava
Tinha sabiá, tinha laranjeira, tinha manga rosa
Tinha o sol da manhã
E na despedida,
tios na varanda, jipe na estrada
E o coração lá


("Fazenda" - de Nelson Ângelo - imortalizada na voz de Milton Nascimento)


O tempo havia parado naquelas cidades e isso me agradava. E também eu estava alí parado, inerte pelo esforço debalde e anti-heraclitiano de, com a minha imobilidade, segurar o tempo com os pés colados no calçamento de pedras ainda não sepultado pelo asfalto. Sou da seguinte opinião: quem sepulta calçamentos antigos pode até pensar que está sepultando o passado mas, verdade seja dita, está sepultando o futuro.

Minas Gerais - o estado minerável em todos os mistérios e ministérios gerais do oculto.O mistério e oculto de Minas se fazem cúmplices de um jogo de sedução entre a vida e a morte. E isso não acontece apenas nas celebradas cidades históricas/antigas Ouro Preto, Tiradentes, São João Del Rei, Congonhas, Diamantina, Sabará, Mariana. Ao menos nas cidades por onde passei o mistério e o oculto estavam lá. Donde se conclui que Minas não precisa de mar

Mas não posso omitir a minha experiência de Ouro Preto onde passei (anos 80)larga temporada e pude constatar a tal cumplicidade a que se prestam o mistério e o oculto mineiros. Nesta intraduzível cidade, morei numa casa térrea pela qual paguei aluguel a um preço que se fosse de graça não seria tão barato como o foi. Isto porque a casa tinha fama de malassombrada, em toda a cidade, e o proprietário não conseguía alugá-la a nativos ou turistas.

Falava-se que quartos e salas haviam sido cenários de mortes violentas no passado; e dúvida não havia de que corpos estavam sepultados, no quintal, em cova rasa. À noite, então, todos esses "atores" saiam de seus lugares de repouso eterno para fazer poucas e boas´inclusive na área externa do imóvel. Sim, ele tinha algo de lúgubre na sua vigorosa ausência de luz diurna, em seus móveis escuros e pesados e nos solo do quintal incertos com pequenas elevações e nenhuma vegetação.

À noite, sentia o perfume das damas da noite (flores típicas do local) colorindo o ar; estava eu sentado numa cadeira sobre o passeio mineiramente a cismar, ouvir estrelas e olhar a vida dos outros. Tudo isso sem nenhuma preocupação de estar criando obstáculo à passagem dos transeuntes porque, nem mesmo durante o dia, eles por ali passavam.



(Minas haverá, ainda, amanhã - quarta-feira 13)

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