terça-feira, 19 de outubro de 2010

JUVENTUDES, DIVERSIDADE E CIDADANIA (1)

JUVENTUDES, DIVERSIDADE E CIDADANIA (1)

À cantora argentina Mercedes Sosa, in memoriam.

A esta hora exactamente,
Hay un niño en la calle...
¡Hay un niño en la calle!

(Nesta hora, exatamente,
há uma criança na rua.
Há uma criança na rua!)

Es honra de los hombres proteger lo que crece,
Cuidar que no haya infancia dispersa por las calles,
Evitar que naufrague su corazón de barco,
Su increíble aventura de pan y chocolate
Poniéndole una estrella en el sitio del hambre.
De otro modo es inútil, de otro modo es absurdo
Ensayar en la tierra la alegría y el canto,
Porque de nada vale si hay un niño en la calle.


(É dever dos homens proteger o que cresce,
cuidar que no haja infância dispersa pelas ruas,
evitar que naufrague seu coração de barco,
sua incrível aventura de pão e chocolate,
colocando-lhe uma estrela no lugar da fome,
de outro modo é inútil, de outro modo é absurdo
ensaiar na terra a alegria e o canto,
porque de nada vale se há uma criança na rua).


“Canción Para Un Niño En La Calle”, cantada por Mercedes Sosa.
Composição de Armando Tejada Gómez - Ángel Ritro)

Mercedes Sosa, morreu (fez um ano) em 4 de outubro de 2009, aos 74, em Buenos Aires. Ela foi a voz das crianças e dos jovens excluídos em toda a América Latina; seu tambor indígena fez acordar o silêncio do mundo para o grito do nosso continente por justiça social e liberdade.

Vicente Deocleciano Moreira



1. IDEAIS DE JUVENTUDE

1.1. Idade e Sociedade

A juventude e a condição bio-psíquica-social-cultural do ser jovem, em diversos tempos, culturas e lugares físicos e sociais têm representado um desafio para esses tempos, culturas e lugares físicos e sociais. Os adultos e idosos que habitam esses tempos, lugares e culturas fortalecem tal desafio com sentimentos, atitudes conscientes e inconscientes além de práticas e discursos que expõem a inveja que os mais velhos têm dos mais jovens.

Não há sociedade ou cultura, independentemente de seu nível de complexidade - grupo ianomami ou cidades chamadas de Paris seja a do Texas, seja a capital da França, Nova York ... - que seja indiferente ao curso e fases das idades dos seus indivíduos. Em algumas sociedades, os mais velhos fazem parte do conselho de anciões aos quais cabe dar a última palavra sobre os processos de cura de doenças ou sobre o ir ou não ir para a guerra, por exemplo. Sociedades de pequena escala e nas tradicionais, atribuem ao idoso papéis sociais a eles exclusivos como contador de histórias, guarda e transmissão das tradições culturais mais caras àquelas sociedades.

Outras – diante do abandono e das práticas de violência a que o idoso é submetido - elaboram leis protetoras para que não esqueçamos que respeitar os mais velhos não de trata somente de um nosso dever de consciência; esse respeito precisa estar no texto da lei para se constituir numa obrigação.
Na sociedade brasileira são claras as tentativas de esconder e camuflar através de várias denominações a classificação real da fase etária das pessoas. Por exemplo, costumamos dar nomes como “baixinho’, ‘pequeno”, “menor de idade” às crianças. Aos velhos chamamos de “idosos” e à condição etária em que estão de “terceira idade”, “melhor idade” .... Nem todo@s os velh@s aceitam ser chamad@s (ainda que carinhosamente) de “meu velho”, “minha velha” .... A depender do tom de voz, chamar um velho de velho pode resultar em processo, na Justiça, por difamação..

Entre os Wogeo (Nova Guiné – ilha sob a tutela da Indonésia e de Papua-Nova Guiné),
para as meninas, se realiza um único rito no momento da primeira menstruação, no desenvolvimento do rapaz é seguido passo a passo pelos anciãos. São eles que, no período da infância, lhe perfuram as orelhas, convencidos de que só assim se poderá tornar, verdadeiramente, rapaz; quando rapazes, retiram-nos às mães e fazem-nos dormir na casa comum dos jovens, porque, doutro modo, nunca atingiriam a puberdade; na idade púbere, escarificam-lhes a língua para que possam tocar a flauta (associada aos espíritos) e chegar à juventude; chegada a puberdade, ensinam-lhes a ferir o pênis (para se purificarem periodicamente com sangue e, dessa maneira, se tornarem homens). (HOGBIN, 1970, citado por BERNARDI, 1974, p. 96)

Esses e tantos ritos de passagem (em sociedades de pequena escala e em sociedades urbano-industriais-‘internetizadas’) estão sempre vivos na invenção, na lembrança, na pressa e no julgamento e nas gestões da adultocracia. Tudo isso para que os jovens que, por si só já são um desafio, uma entidade que causa inquietação, literal e verdadeiramente enfants terribles, se sintam desafiados (e muitas vezes se sentem felizes) em transitar. Transitar o mais depressa e bem sucedido possível, da etapa jovem, vista como “imatura” para a etapa adulta avaliada, social e economicamente, como “madura”. Na nossa sociedade, o alistamento militar, para rapazes aos 18 anos, pode ser considerado um rito de passagem.

1.2. O filho pródigo

São os mais variados possíveis, os exemplos que traduzem as posturas da sociedade em relação à juventude: a história bíblica do retorno do filho pródigo; a eterna juventude buscada a preços elevados e com sacrifício da saúde; ditados populares como “se a juventude soubesse e se a velhice pudesse; além de frases de celebridades como “A juventude é uma coisa maravilhosa, que pena desperdiçá-la com os jovens” (Bernard Shaw – escritor irlandês) . ou “Jovens, envelheçam depressa!” (Nelson Rodrigues – escritor e dramaturgo brasileiro).

Partidos políticos de ontem (nazistas, fascistas) e de hoje apostam no entusiasmo da juventude para divulgar suas ideologias ... São tantos os exemplos, e eles que nada têm de inocentes. Ao contrário, eles tentam esconder a visão, a opinião que a sociedade, as estruturas de poder e da economia, dos adultos e idosos têm sobre a juventude, sobre os jovens.

O filho pródigo, ou seja, o esbanjador de dinheiro, exige do pai a antecipação de sua parte na herança e sai pelo mundo. Em vez de economizar, multiplicara herança e ficar rico – como teria sido uma atitude classificada como ‘adulta’, ‘madura’, ‘responsável’ - o jovem segue esbanjando a herança com mulheres e pagando comida e a bebida para desconhecidos que encontra pelo caminho. O dinheiro acaba e ele volta, arrependido, para casa e recebe o perdão do velho pai.

1.3. Idade, juventude e relação saber & poder

Há um dito popular que lamenta: “Se a velhice pudesse e a juventude soubesse …” À juventude é sempre atribuído o poder (da virilidade, do fazer atlético e sexual), mas não do saber. A juventude é uma das poucas instituições em que o poder está, em princípio, dissociado do saber. No entanto, mesmo sem que a sociedade saiba ou não queira saber,, o fato é que a juventude domina um saber peculiar sobre si mesmo, sobre seus pais, sobre o mundo. Ao mesmo tempo em que a imaginação das pessoas, do imaginário social nega que a juventude ao mesmo tempo tenha saber e poder, essas mesma pessoas (contraditoriamente) repetem que está nos jovens o futuro do país e a esperança da melhoria ética das instituições políticas. Essas pessoas não só sentem saudade mas exigem a volta, às ruas, dos “caras pintadas” que pediram, nas ruas, o impeachmente do ex Presidente da República Fernando Collor de Melo.

No pensamento corrente, no cotidiano vivido porém, o saber é pensado como qualidade exclusiva dos mais velhos cujo corpo e o raciocínio já não pode tanto quanto antigamente, mas continuam considerados os ‘sábios’, os poderosos da sociedade na política, nas empresas ... Questionando opiniões como estas, uma pesquisa da Universidade da Virgínia (nos Estados Unidos), sobre a relação entre a capacidade cognitiva e as fases da vida (publicada n a revista Veja, 21 de outubro de 2009) traz a seguinte contribuição a partir de pesquisa:

a) A partir dos 22 anos de idade, a velocidade de raciocínio, a visualização espacial e a capacidade de estabelecer conexões lógicas entre os fatos estão em seus melhores momentos e não se repetirão cm tanta eficiência.

b) A maioria das descobertas matemáticas foi obra de cientistas com menos de 27 anos. O físico e matemático Albert Einstein publicou a Teoria da Relatividade aos 26 anos. James Watson descobriu a estrutura do DNA aos 25. .

c) Depois dos 27 anos, o raciocínio começa a ficar mais lento embora não perca a exatidão.Porém, a visualização espacial já não é tão eficiente com antes.

d) Por volta dos 40 anos, a memória começa a decair; aos 60 anos, começa a diminuir a capacidade de acumular conhecimentos.

Pensando bem, a partir dessas informações podemos concluir que (apesar de um determinado discurso tentar ‘esvaziar’ o saber da juventude), de um ponto de vista das ciências da aprendizagem, a verdade é que quanto mais se é jovem maior é a capacidade e a velocidade de raciocínio e de acumular conhecimentos; quanto mais idade, menores são tais capacidade e velocidade e mais difícil o acúmulo de conhecimentos.


(continua amanhã. quarta-feira, dia 20)

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