segunda-feira, 4 de outubro de 2010

FCCV - VIOLÊNCIA: POUCA FÊNIX E MUITA COMBUSTÃO

FCCV - Forum Comunitário de Combate à Violência

Leitura de fatos violentos publicados na mídia
Ano 10, nº 33, 04/10/10

VIOLÊNCIA: POUCA FÊNIX E MUITA COMBUSTÃO


Em 20 de setembro de 2010, a Folha de São Paulo traz uma matéria com o intrigante título “Pelotão matava ‘por esporte’, diz jornal”. Refere-se a uma notícia veiculada pelo jornal americano Washington Post a qual informa que soldados americanos “chegaram a simular ataque para matar afegão”.

Conforme a matéria, cinco militares americanos estão sendo acusados de matar três civis em datas diferentes. De acordo com a Folha, as revelações do jornal americano foram baseadas em relatórios oficiais e em entrevistas feitas a indivíduos envolvidos nos casos. O “esporte” tinha como primeiro lance o arremesso de uma granada por um policial que fingia estar sendo atacado e, em seguida, seus companheiros começavam a atirar contra um civil afegão. E assim morreu Mudin em 15 de janeiro de 2010, a primeira vítima dos “militares desportistas”, quando a “equipe” se encontrava no local para “garantir a segurança do encontro entre oficiais norte-americanos e anciãos de tribos afegãs”.

O pai de um policial, através do Facebook, ficou sabendo da atitude e tentou denunciar a prática às autoridades americanas, mas não obteve sucesso e novos ataques foram efetuados em fevereiro e maio. Agora as autoridades dos Estados Unidos estão preocupadas quanto ao efeito desta denúncia junto aos afegãos civis que são considerados necessários aos objetivos americanos de combate ao Taleban.

A circunstância narrada parece estar muito distante de nós. O Afeganistão fica longe demais para ser verdade nossa. É um livro de ficção ambientado em um lugar inverossímil. É tão inconcebível que os integrantes do exército adotam a ludicidade violenta como forma de diversão, dando sinais de que ali é um lugar inventado por uma América do Norte, que é vislumbrada como país autor de uma nação. Um grande parque para jogos bélicos à semelhança de alguns produtos disponíveis na internet, os quais se propõem a entreter crianças e adolescentes através da divisão entre o bem e o mal e dos direitos assegurados aos virtuosos sobre os malvados.

Ao que parece, a brincadeira de brigar e de ser provocado para ter direito de responder com golpes fatais se relaciona não apenas aos que mataram os civis afegãos utilizando-se desse “faz de conta que eu fui agredido”, mas está na base da relação entre as forças de ocupação americanas e a população do longínquo país. A imagem que se faz é de um país a ser construído a partir, na melhor das hipóteses, do nada. É um lugar que precisa desaparecer para ter chance de existir.

Em um universo em liquidação, tal como se apresenta aquele “conto asiático” tem-se a impressão de que tudo o que resta de pé naquele espaço é negativo e fator de impedimento à missão saneadora. Desse modo, destruir ampla e indiscriminadamente o que ali ainda vige equivale a avançar na obra de edificação e de invenção de um país, de uma nação. Diante disto, por que não brincar de correr risco para depois matar um afegão? Afinal, uma das mensagens secretas que a ocupação militar transmite é aquela na qual o Afeganistão tem de ser reduzido a cinzas e, diferentemente de Fênix que depois de entrar em combustão renasce de suas próprias cinzas, ele deve ser “reconstruído” artificialmente, sem a sombra do seu DNA. Seu povo deve falar inglês, seu mundo deve ser ocidental, sua crença, seus costumes devem ser americanos ou quase.

A ação dos jovens soldados dá indicação a propósito da forma com se pensa a gente, o lugar e a vida daquele país e, neste sentido, se trata de um excesso esclarecedor. Sob ângulo mais diverso, a atitude daqueles militares lembra certas coisas registradas em nossos quintais, quando ações policiais injustificadas levam civis à morte. Também aí cabe refletir sobre a sub-reptícia mensagem contida em prática como essa no que toca ao modo com que se pensa a gente, o lugar e a vida das vítimas destas “combustões”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário