CALCANHOTO (4) – “ESQUADROS”, SEGUNDO NOEMI JAFFE – COMENTÁRIOS (SEGUNDA PARTE)
Jaffe prossegue mantendo o conteúdo introdutório dos primeiros parágrafos de seu artigo “Esquadros”, falando sobre a elegância de Adriana Calcanhoto que não pode ser confundida com serenidade ou com bom gosto E cita trechos de “Senhas”:
“Eu não gosto do bom gosto/
Eu não gosto de bom senso/
Eu não gosto de bons modos/
Não gosto”,
Ainda comparando (ou exercitando a complementaridade) entre Calcanhoto e Cássia |Eller. Jaffe afirma que esta última é senhora de uma força frágil; a primeira é dona de uma fragilidade forte.
Indo a “Esquadros”, Jaffe assegura que a letra ilustra o jogo fragilidade/segurança que ela identifica em Calcanhoto. Olhando o mundo e a si mesmo através do rigor , do ‘cálculo’e do filtro mediador dos esquadros, o sujeito da canção – construtivo e inquieto além de intenso - manifesta sentimentos de impotência e se dedica à investigação metonímica. Uma investigação que, por outro lado, se debruça sobre o cinema (cores) de Almodóvar e a pintura (também cores) de Frida Khjalo. Prossegue Jaffe: O sujeito vê “tudo enquadrado” – “remoto controle”, ou seja, o controle é só uma ilusão. Com a palavra, Jaffe:
Na canção, os olhos desse perscrutador do mundo estão enquadrados, “esquadrados”, inevitavelmente instrumentalizados para ver, mesmo quando, quem sabe, gostariam de não estar. Trata-se de uma hiper-consciência do mundo que, nesse momento, lembra a angústia de um poema como “Os Ombros Suportam o Mundo”, de Drummond: “Ficaste sozinho, a luz apagou-se,/ mas na sombra teus olhos resplandecem enormes”. O sujeito da canção poderia até ser o mesmo eu-lírico do poema, cujos olhos – sua consciência – teimam em manter-se abertos, mesmo quando um eu exaurido gostaria de poder fechá-los.
Um eu que diz, na canção, que quer chegar antes – antes de quem? antes de quê? por quê? – para filtrar os graus de cada coisa e sinalizar seu estar. Mas tanto os filtros quanto a sinalização parecem dissolver-se diante da coisidão, da verdade dos “meninos que têm fome” e que continuam a ter fome, a despeito desse olhar fino que se debruça sobre eles e que chora ao telefone.
O olhar do sujeito está injetado de angústia e do estar perdido no mundo: “quem é ela, quem é ela?;” Pode ser também: “quem sou eu, quem sou eui?”. Porém, em “meu amor cadê você?” essa angústia existencial ‘fingida’ no sentido pessoano (Fernando Pessoa) se dissipa.
A compositora gaúcha se entrega a um “espiral de contrastes”: segurança e fragilidade, tensão e relaxamento, consciência e desejo de inocência, rigor e simplicidade , segundo Jaffe. Concluindo ainda com Jaffe:
Para tentar dar conta de tantos paradoxos, tento, para finalizar, uma espécie de “alter-retrato” imitativo da canção analisada aqui: “Esquadros” tem consciência. “Esquadros” não quer ter consciência. “Esquadros” não sabe como perder a consciência. A melodia reconquista a inocência para a poesia. “Esquadros” sabe. “Esquadros” sabe que não sabe. A letra pergunta. A melodia responde. “Esquadros” finge uma angústia existencial. “Esquadros”, na verdade, precisa de um amor. Todos precisam.
Evidentemente que Jaffe não faz a mineração da cidade no solo de “Esquadros”, a composição de Calcanhoto. Mas vale sua contribuição inclusive para introduzir, de algum modo, o texto da postagem de amanhã, sexta-feira.
Para o(a)s interessados em diversos olhares de diferentes autores, entrevistas ... em torno de Adriana Calcanhoto, vale conferir, no livro organizado por Arthur NESTROVSKI Lendo Música: 10 ensaios sobre 10 canções. São Paulo, Publifolha, 2008)
Vejam que fortuna crítica você pode usufruir:
- Mariano del Mazo: Belleza tropical
- Edgard Scandurra: Adulta melancólica se torna criança leve
- Antonio Mattoso: Mar de Posídon, mar de Iemanjá
- Antonio Mattoso: Nos braços de Calipso
- Adriana Calcanhotto: Faixa-a-faixa
- Eucannã Ferraz: Perguntas em forma de cavalo marinho *
- Adriana Calcanhotto: Som é onda
- Mingus B. Formentor: La diva tranquila
- Bernardo Gutiérrez: Voces heterónimas
- Noemi Jaffe: Esquadros
- Martha Medeiros: A palidez
- Eduardo Harau: Uma questão de gosto
- Hugo Sukman: Crianças em fase de formação merecem isso
- Heloisa Tolipan: Meu nome é Partimpim
- Paulo Roberto Pires: Brincadeira de gente grande
- Rodrigo Sabatinelli: O pirlim-pim-pim de Adriana Partimpim
- Sandra de la Fuente: El juego del blanco sobre negro
- Andrés Casak: Canción de las simples cosas
- Fernando López: Adriana Calcanhotto: más, con menos
- Leticia Wierzchowski: Para Adrianas e Partimpins
- Fernando López: Adriana Partimpim
- Alejandro Lingenti: Cara y Ceca
- : Los chicos deben trabar contacto con las artes
- Adriana Calcanhotto: Self-Portrait
- Nelson Motta: Músicas inteligentes para crianças espertas
- Paulo Roberto Pires: Partimpim!
- Ivan Claudio: Bem distante do óbvio
- Mariano del Mazo: Adriana Calcanhotto, la insaciable
- Sérgio Maggio: Velha infância
- Paulo Celso Pereira: Calcanhotto Partimpim
- Hugo Sukman: Arte influenciada por sábias idéias infantis
- Carlos Galilea: Artista
- João Miguel Tavares: Adriana Partimpim Tintim Portintim
- Nuno Pacheco: Adriana no país das máscaras
- Nuno Pacheco: COMO SÓ AS CRIANÇAS SABEM
- Carlos Vaz Marques: “Partimpim, meu heterónimo”
- Jorge Mourinha: Adriana Partimpim
- Helena Mascarenhas: Adriana explica às crianças
- : Premio Latino Revelación
- Paulo Roberto Pires: A maestria do Vinicius aprendiz
- Violeta Weinschelbaum: Fuera de lugar
- Daniel Domínguez: Las caricias de una voz que huele a Brasil y a poe
- Gorka Elorrieta: Madurez=clasicismo+vanguardia:
- Rolling Stone: Cantada
- Apoenan Rodrigues: Spa sonoro
- Péricles Cavalcanti: Cuando vi una presentación...
- Fernando Fantinel: Cantada
- Rita Severino: Adriana Calcanhotto no Coliseu
- La Nación: Clásica y moderna
- Francisco Cruz: Adriana Calcanhotto: a falsa simplicidade da Canta
- Fernanda Levy: Adriana Calcanhotto "Cantada"
- Crítica: No Centro Cultural de Angra
- Antonio Cicero & Waly Salomão: CANTADA - A seductive approach
- Eduardo Prado Coelho: O simples tão difícil
- Jorge Lima Alves: Adriana Remix
- Silvio Essinger: Calcanhotto, clara e com clareza
- Jacinto Lucas Pires: Disco mesmo compacto
- Julio Daio Borges: Supressão de ruídos
- Miguel Francisco Cadete: Cantada
- Tárik de Souza: Contra o império do banal
- Douglas Damasceno: Adriana Calcanhotto manda sua cantada básica
- Jamari França: Minimalismo sonoro por opção
- Antonio Cicero e Waly Salomão: Release de Cantada
- Eucanaã Ferraz e A. C.: Entrevista
- João Bandeira: Adriana Calcanhotto
BOA VIAGEM PELO UNIVERSO DE ADRIANA CALCANHOTO. E ATÉ AMANHÃ
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