EPÍSTOLAS DA TERCEIRA IDADE AOS FEIRENSES (5)FINAL
Não falem desta mulher perto de mim
Não falem pra não lembrar minha dor
Já fui moço, já gozei a mocidade
Se me lembro dela me dá saudade
Por ela vivo aos trancos e barrancos
Respeitem ao menos os meus cabelos
brancos
Ninguém viveu a vida que eu vivi
Ninguém sofreu na vida o que eu sofri
As lágrimas sentidas
Os meus sorrisos francos
Refletem-se hoje em dia
Nos meus cabelos brancos
E agora em homenagem ao meu fim
Não falem desta mulher perto de mim
(Herivelton Martis e Marino Pinto – “Cabelos Brancos”)
Vicente Deocleciano Moreira
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vicentedeocleciano@gmail.com
Blog http://www.viverascidades.blogspot.com
Em dezembro de 1994, coordenei uma Oficina da Universidade Aberta à Terceira Idade (UATI) da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). O produto desta Oficina – “Epistolas da Terceira Idade aos Feirenses” – resultou da contribuição textual sob forma de cartas sobre o passado da cidade de Feira de Santana (Bahia – Brasil) e dirigidas aos moradores dessa cidade, a maior do interior do estado da Bahia.
Pedi que o assunto das cartas fosse o passado de Feira de Santana que ele(a)s testemunharam e viveram: suas lembranças, memórias, recordações desta cidade.
Dezesseis anos depois – quando os participantes estão com dezesseis anos de idade a mais – eis que aqui estamos começando a postar muitas dessas epístolas, utilizando pseudônimos para preservar o anonimato de seus autores 16 anos depois. E, quando a idade em 1994 foi revelada, mencionamos a atual idade: quantos anos o missivista completou ou estará completando este ano, 2010.
Vicente Deocleciano Moreira
“O homem, dotado de faculdades por ser o mais perfeito da escala zoológica é o agente propulsor da evolução, pois encontramos todas as formas de desenvolvimento oriundos de suas necessidades vitais e assim sendo a satisfação de seus interesses é objetivo principal. Do interesse em atender suas necessidades, emanaram toso os seus esforços e maios capazes de assegurarem o predomínio de sua vontade e sobrepor os óbices que se apresentam. E é justamente essa força interior que o impele a viver em sociedade, descobrindo, criando, usufruindo dos recursos naturais aperfeiçoando os materiais, as instituições, enfim promovendo o progresso e a marca da civilização.
Deste modo, surgiram as nações, sua gente, seus objetivos em consonância com as localizações, os recursos, os meios, os anseios, as aspirações. Assim, surgiu Feira de Santana, ligada ao comércio de gado introduzido na Bahia no século XVI e devido as dificuldades de locomoção do gado por estradas sertanejas, passou Feira a ser a rota das boiadas. Isto, porque, a fazenda de Domingos Barbosa de Araújo e Ana Brandoa, situava-se na via principal da “Estrada das Boiadas”, que foi doada pela Corôa Portuguesa, após desapropriação das terras de Antonio Guedes Britto e outros. Este casal português construiu uma capela em louvor a S. Domingos e a Santana em 1773.. Em torno do templo passou a ser construído um vilarejo que passou a ser ponto de pouso dos tropeiros e viajantes que vinham de alguns pontos do país para atingir a demanda do litoral. Constituiu-se aí, uma feira livre e com a troca de serviços NE mercadorias e o comércio de gado já se desenvolvendo, em 1828 era considerada a maior feira de gado da província. Fadada ao comércio e ao desenvolvimento e com a construção das estradas de linha férrea e rodagem, a cidade tomou proporções gigantescas. Graças a sua topografia e localização, transformou-se em eixo rodoviário, o qual deu impulso ao seu crescimento populacional e comercial.
Todavia, esse crescimento vertiginoso, se de um lado propiciou o desenvolvimento sócio-econômico, por outro lado, com o aparecimento de coisas novas e novos tempos, grande parte de nossa tradição está se consumindo, porque não está sendo olhado com o necessário carinho pelos poderes constituídos.
Refiro-me às nossas praças, aos jardins, coretos, algumas instituições, as filarmônicas, coisas que simbolizam a memória de Feira de Santana e estão carentes de reestruturação e valorização.
A Praça da Catedral, hoje, é reminiscência dos velhos bons tempos, quando as pessoas se misturavam, apesar da diferença que percebíamos entre a grandeza de uns e a pequenez de outros, mas todos se juntavam para a culminância dos louvores à senhora Santana, cuja festa deixou uma doce lembrança na memória daqueles que tiveram a felicidade de participar. Bons tempos! Que digam aqueles que ainda vivem e ouvem através da retrospecção, o soar das zabumbas, do bando anunciador, os espocar dos foguetes, a gritaria dos ternos de máscaras, as lavagens e levagens das lenhas, as bandas de músicas, a Kermesse, enfim do dia da festa e a suntuosa procissão ... Tudo isto se realizava num clima alegre sem sacrilégio, sem macular a fé.
No entanto, os eleitos do estímulo ao comércio e outras tantas iniciativas, deram margem e marcaram por longo tempo o desencontro nos costumes, confusão de valores, integração forçada e forçosa de elementos ambiciosos, que transformaram a praça sonora e enormes conseqüências de encontro aos preceitos religiosos porque dificultavam a celebração dos atos litúrgicos e consequentemente ofuscavam o brilho da fé religiosa.
Era preciso coibir os abusos. As autoridades eclesiásticas decidiram comprimir determinados festejos religiosos e hoje a festa de nossa padroeira, se realiza em caráter mais restrito. Mesmo assim, a área que circunda a igreja não é preservada, o aspecto no seu cotidiano é deplorável pois, constituiu-se em ponto de parada de ônibus, estacionamento de táxis, pontos de carrinho de pipocas e de vendedores, dando a impressão de desordem e mau gosto. Há tolerância dos poderes públicos.
É mister que se faça uma avaliação, que os homens de boa vontade nesta terra dêem as mãos à Igreja ajudando-a a preservar a imagem de nosso patrimônio histórico e religioso.
As Filarmônicas Vitória, Euterpe e 25 de Março, formadas respectivamente por Pe. Ovídio de São Boaventura e Leolindo Ramis Filho e mantiodas pelo altruísmo, abnegação de tantos outros e que por muitos anos empreenderam esforços no sentido de conservação das mesmas, hoje estão desorganizadas, saíram de circulação por falta de incentivo e aprêço. Por muitas décadas, a presença das filarmônicas era indispensável e motivo de júbilo o seu comparecimento nas formaturas, casamentos, comícios, procissões, aniversários, nos passeios de recreio às cidades vizinhas nos seus dias de festas, como São Gonçalo, Santo Amaro, e outras localidades, as retretas aos domingos, etc. Hoje não possuem mais músicos e quando chegam a se reunir compõe-se de músicos de outras corporações.
Sabemos que a maioria dos músicos era composta de alfaiates, sapateiros, carpinteiros, etc. artistas que trabalhavam o dia inteiro, e as noites se reuniam para os ensaios e tudo faziam, levados por amor à profissão quase que sem nenhuma recompensa. Grandes maestros regeram essas filarmônicas como Estêvão Moura, Armando Nobre, Prof. Santos, que se destacavam nas suas apresentações brilhantes e elogiosas.
O coral, o trio elétrico e outras tantas novidades, obviamente são necessários porque temos que acompanhar a evolução tecnológica, no entanto a lógica e a compreensão não justificam o descaso e a falta de determinação para a reestruturação dessas filarmônicas. Os seus dirigentes deveriam se empenhar em movimentos, campanhas, conclamar a sociedade, para dar uma colaboração e acredito que surgiriam os voluntários engajados ao movimento.
Construir e inovar é valioso, porém se torna mais significativo preservar algo para a posteridade. Nossa cidade possui muitas empresas, a população é grande; dever-se-ia fazer pesquisas para aquisição de voluntários com pendores para música e daí quem sabe, surgiria um bom número de adeptos que comporiam o número daquelas desfalcadas. Oxalá! Que encontrem soluções e dêem às filarmônicas uma nova fase de vida! Que voltem as retretas para o nosso entretenimento, os da 3ª idade, já que não nos é cabível cairmos na onda dos trios elétricos.
Meus conterrâneos e feirenses, permitam-me o uso de palavras distintas com o mesmo sinônimo. Permitam-me pois chamar de Feirenses a todos que não tenham nascido nesse torrão, mas aqui vivem e se juntam a nós ligados pelo coração e trabalho, pela fé, Participando da sociedade, cultivando nossa tradição, buscando no seu próprio, o interesse de todos, colaborando deste modo para o bem comum, o progresso de Feira de Santana, melhores condições de vida para o seu povo e preservando sua memória dos tempos, para que não se extinga a sua história.”
Suzana Lins Lopes Bezerra – pseudônimo.
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