terça-feira, 29 de junho de 2010

ARTISTAS DO PELOURINHO (1980) (10) – Abdias do Sacramento Nobre

ARTISTAS DO PELOURINHO (1980) (10) – Abdias do Sacramento Nobre



Nome – Abdias do Sacramento Nobre

Endereços em 1980 – Rua Nova do Cruzeiro, 35 – Pau Miúdo ou Rua Leovigildo de Carvalho, 6/8 – Pelourinho.

Especialidade – Pano da Costa



Fonte - revista Monumento, Salvador, Governo do Estado da Bahia, Fundação do Petrimônio Artístico e Cultural da Bahia,vol.1, n. 10 de dezenbro de 1980, pp. 10-19.



O ÚLTIMO DOS ARTESÃOS DE PANO DA COSTA D’ÁFRICA É O ABDIAS

Abdias do Sacramento Nobre não é apenas um simples artista do Pelourinho. Ele é muito mais. O último artesão de pano da Costa d’África na Bahia e no país inteiro. Seu único concorrente conhecido, o babalorixá “Pequeno da Muriçoca” morreu do coração em 1972. No mês de novembro [1980], Abdias completou setenta anos de idade e dos sete filhos vivos dos treze que teve somente a filha “Lurdinha”, de quem fala com muito orguylho, se mostra interessada em continuar a arte do pai.



Abdias atribui esta falta de seguidores da sua arte ao alto grau de dificuldade na confecção do pano da costa, apesar de achar que “não é coisa de outro mundo”. É necessário, diz ele, “idéia fresca, paciência e coragem, porque o trabalho é ruim, Infelizmente, essas qualidades são cada vez mais raras na juventude de hoje”. Trabalhando duro, Abdias leva de dopis a três meses para tecer um pano d’África.

(IVONEIDA HAAS)



Abdias do Sacramento Nobre – o Mestre Abdias, como era mais conhecido – faleceu em 1994.

Em 23 de abril deste ano (2010), o Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (IPAC), órgão responsável pelo resgate do Mestre Abdias e da transmissão de sua arte para jovens do Maciel (Pelourinho), lançou o livro “Pano da Costa”, em sua sede – Solar Ferrão com a participação da Fundação Pedra Calmon. “Pano da Costa”, ilustrado com fotos, desenhos e gravuras, reúne artigos de historiadores, sociólogos e técnicos do IPA, além de artesãos e artistas plásticos.

O texto, a seguir, de autoria da Assessoria de Comunicação do IPAC dá idéia da importância do resgate desse importante patrimônio cultural brasileiro.


A publicação é fruto do ‘Projeto Mestre Abdias e a Tecelagem do pano da Costa’ elaborado pelo IPAC em 1984. Ainda neste ano, foi instalado no terreiro de candomblé Ilê Axé Opô Afonjá o primeiro curso dedicado ao pano da costa, com coordenação do mestre Abdias e da sua filha e seguidora, a artesã Maria de Lourdes Nobre, ambos funcionários do IPAC. Em 1986 foi montado outro curso no mesmo terreiro e, em 1987, o IPAC sedia no seu museu Abelardo Rodrigues, no Solar Ferrão, a exposição ‘Pano da Costa’.

De acordo com o diretor geral do Instituto, Frederico Mendonça, essa é a primeira publicação da coleção ‘Cadernos do IPAC’ que reunirá trabalhos desenvolvidos pelas equipes de técnicos e especialistas da instituição. “Além de promover a preservação dos bens culturais, o IPAC tem por obrigação regimental, pesquisar e promover a produção técnica e científica com a qual trabalha e colaborar na formulação da política de educação patrimonial; com essa primeira publicação cumprimos todas essas prerrogativas”, afirma Mendonça.

A primeira tiragem da impressão do livro ‘Pano da Costa’ é de três mil exemplares que serão distribuídos para bibliotecas públicas estaduais, através da FPC, escolas e instituições que trabalham com a temática de matriz africana e com o segmento têxtil, entre outros, além de faculdades, universidades e órgãos de preservação cultural. Com a nova publicação resgata-se um passivo de conteúdos específicos da área de patrimônio cultural que já deveriam estar sendo difundidos nos 40 anos de existência do IPAC. “Depois do ‘Pano da Costa’ já dispomos de mais quatro outras publicações que serão editadas, e a próxima será sobre o ‘Carnaval de Maragojipe’ festa popular do Recôncavo que desde o ano passado (2009) está registrada como ‘Patrimônio Cultural da Bahia’”, revela o gerente do IPAC, Mateus Torres.

BOX opcional: PANO DA COSTA - Tradicionalmente integrando o vestuário de africanas provenientes de diversas regiões desse continente, como Costa do Marfim, Gana, Nigéria, Congo, Benin e Senegal, o pano da costa tornou-se, definitivamente, parte da indumentária das crioulas – escravas negras nascidas no Brasil – que habitavam Salvador, cidades do Recôncavo baiano, Rio de Janeiro, Recife e Minas Gerais já no século 19. Registros apontam que no ano de 1875, por exemplo, somente da cidade de Lagos, na Nigéria, foram exportados cerca de 50 mil panos da costa para o Brasil e mais 130 mil de outros portos africanos também para o nosso país.

Segundo a socióloga da Gepel/IPAC, Nívea Alves, é no contexto sócio-religioso existente no Brasil daquela época que está situada a importância do pano da costa. “O saber e o fazer do pano da costa, sob a perspectiva de uma arte africana introduzida no Brasil, arte esta considerada pelos africanos como sendo a personificação de uma inteligência especial, através da qual o homem aprimora o seu ambiente, ou seja, o africano transforma materiais comuns em coisas de valor, utilizando-se do poder criativo e imaginário”, explica Nívea Alves. Para o especialista em Sociologia da UFBA e um dos autores de textos presentes no livro, Jorge da Silva Maurício, vale salientar a importância e preocupação do IPAC na publicação desse trabalho, tão rico em detalhes, com novas pesquisas sobre o tema, em defesa da preservação dos bens tangíveis e intangíveis no Brasil. “A publicação é enriquecida quando mostra dois terreiros de candomblé, o Ilê Axé Opô Afonjá e o São Jorge Filho da Goméia, oferecendo regularmente oficinas dedicadas à criação do pano da costa”, relata Silva Maurício.

Mais que um item religioso, o pano da costa tem um significado social e cultural. Usado sobre os ombros, tem como função distinguir o posicionamento feminino nas comunidades afro-brasileiras. Com cores vivas, ornado com bordados, fitinhas e rendas, ele quebra o predomínio do branco na roupa das baianas, dando mais vida e riqueza a indumentária. Os primeiros panos da costa foram importados da África, onde são denominados alakás ou panos de alaká. Chegaram, sobretudo, vestindo os corpos das escravas. No século 18 passaram a ser tecidos no Brasil por escravos e seus descendentes, tendo como um dos principais artesãos Abdias do Sacramento Nobre, mais conhecido como Mestre Abdias.

Assessoria de Comunicação – IPAC - Em 20.04.2010

Jornalista responsável: Geraldo Moniz (1498-MTBa) – (71) 8732-0220

Texto-base, pesquisas e entrevistas: estagiária de Jornalismo Natália Miranda

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