CALCANHOTO (3) – “ESQUADROS”, SEGUNDO NOEMI JAFFE – COMENTÁRIOS (PRIMEIRA PARTE)
A rua em derredor era um ruído incomum,
Longa, magra, de luto e na dor majestosa.
Uma mulher passou e com a mão faustosa
Erguendo, balançando o festão e o debrum;
Nobre e ágil, tendo a perna assim de estátua exata.
Eu bebia perdido em minha crispação
No seu olhar, céu que germina o furacão,
A doçura que se embala e o frenesi que mata.
Um relâmpago, e após a noite! - Aérea beldade,
E cujo olhar me fez renascer de repente,
Só te verei um dia e já na eternidade?
Bem longe, tarde, além, jamais provavelmente!
Não sabes aonde vou, eu não sei aonde vais,
Tu que eu teria amado - e o sabias demais!
(Charles Baudelaire – “As flores do mal” - VIII - A uma Passante)
Vicente Deocleciano Moreira
vicentedeocleciano@gmail.com
vicentedeocleciano@yahoo.com.br
http://www.viverascidades.blogspot.com
Hoje, quarta-feira, dia 9 de junho, iniciaremos uma espécie de resenha/comentário do artigo "Esquadros", de Noemi Jaffe.
(JAFFE, Noemi – Esquadros. In: NESTROVSKI, Arthur (org) - Lendo Música: 10 ensaios sobre 10 canções. São Paulo, Publifolha, 2008)
Na postagem de amanhã, quinta, concluiremos esse trabalho (resenha/comentário/Jaffe).
Na sexta-feira, 11 de junho, ainda com "Esquadros", realizaremos a primeira postagem sob o seguinte título: CALCANHOTO E CAEIRO: "ESQUADROS", ROMARIA FUGAZ NA FUGACIDADE DAS CIDADES
Vamos, rapidamente, a “Esquadros” de Adriana Calcanhoto.
Eu ando pelo mundo
Prestando atenção em cores
Que eu não sei o nome
Cores de Almodóvar
Cores de Frida Kahlo
Cores!
Passeio pelo escuro
Eu presto muita atenção
No que meu irmão ouve
E como uma segunda pele
Um calo, uma casca
Uma cápsula protetora
Ai, Eu quero chegar antes
Prá sinalizar
O estar de cada coisa
Filtrar seus graus...
Eu ando pelo mundo
Divertindo gente
Chorando ao telefone
E vendo doer a fome
Nos meninos que têm fome...
Pela janela do quarto
Pela janela do carro
Pela tela, pela janela
Quem é ela? Quem é ela?
Eu vejo tudo enquadrado
Remoto controle...
Eu ando pelo mundo
E os automóveis correm
Para quê?
As crianças correm
Para onde?
Transito entre dois lados
De um lado
Eu gosto de opostos
Exponho o meu modo
Me mostro
Eu canto para quem?
Pela janela do quarto
Pela janela do carro
Pela tela, pela janela
Quem é ela? Quem é ela?
Eu vejo tudo enquadrado
Remoto controle...
Eu ando pelo mundo
E meus amigos, cadê?
Minha alegria, meu cansaço
Meu amor cadê você?
Eu acordei
Não tem ninguém ao lado...
Pela janela do quarto
Pela janela do carro
Pela tela, pela janela
Quem é ela? Quem é ela?
Eu vejo tudo enquadrado
Remoto controle...
Eu ando pelo mundo
E meus amigos, cadê?
Minha alegria, meu cansaço
Meu amor cadê você?
Eu acordei
Não tem ninguém ao lado...
Pela janela do quarto
Pela janela do carro
Pela tela, pela janela
Quem é ela? Quem é ela?
Eu vejo tudo enquadrado
Remoto controle...
Noemi Jaffe é professora e doutora em Literatura Brasileira pela USP. Colaboradora do caderno “Ilustrada” da Folha de S.Paulo, escreveu Macunaíma (série “Folha Explica”, Publifolha, 2001), Ver Palavras Ler Imagens (Global, 2003) e Todas as Coisas Pequenas (Hedra, 2005.
Nos primeiros parágrafos de seu artigo, Jaffe realiza um encontro musical entre Adriana Calcanhoto e Cássia Eller em termos de complementaridade entre ambos os estilos, entre ambas as personalidades.. Vale transcrever os quatro parágrafos iniciais:
Talvez pela época em que as duas despontaram para o sucesso, e muito por desconhecimento meu, sempre identifiquei de forma complementar Adriana Calcanhotto e Cássia Eller. Agora, quando ouço e leio Adriana detidamente e me sento para escrever sobre ela, percebo que a identificação, que eu achava ser estritamente pessoal e advinda da minha experiência de ouvinte desavisada, talvez faça até muito sentido, e elas possam mesmo ser compreendidas como complementares. Como os dois lados de uma mesma moeda.
A moeda, no caso, seria a mulher forte. Os dois lados seriam as diferentes maneiras dessa força se manifestar: Cássia Eller seria a força torrencial, que existe quase que a despeito do ser em que ela se manifesta, a força da própria música em seu estado de natureza. Cássia Eller não cantava propriamente, mas recebia a música e servia a ela como uma mensageira de um deus pagão que despejava o som apaixonadamente sobre ela. Sua morte, infelizmente, acabou inclusive compondo poeticamente com essa mitologia da descontenção, do transbordamento. Já a força feminina de Adriana Calcanhotto é, por oposição complementar, a força da contenção, da elegância, da construção.
Entretanto, a desmesura de Cássia Eller também contém um lado frágil. Sua potência natural fica até maior pelo fato de que sempre escapa uma certa fragilidade pela grandeza de sua voz e de sua figura. É tudo tão autenticamente humano que, a qualquer hora, pode rasgar.
E o inverso se pode dizer sobre Adriana Calcanhotto. Sua voz doce e aparentemente pequena também contém força, às vezes dando a impressão de que não vai sustentar alturas muito elevadas. Mas sustenta. Não falta segurança a sua graciosidade. Como um pássaro, que mantém o equilíbrio e que, apesar de leve, sabe exatamente para onde voa. (Jaffe, Op. Cit)
(AMANHÃ, QUINTA, DAREMOS CONTINUIDADE (SEGUNDA PARTE) A ESTA RESENHA/COMENTÁRIO)
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