quinta-feira, 3 de junho de 2010

EPÍSTOLAS DA TERCEIRA IDADE AOS FEIRENSES (3)

EPÍSTOLAS DA TERCEIRA IDADE AOS FEIRENSES (3)



O homem velho deixa a vida e morte para trás
Cabeça a prumo, segue rumo e nunca, nunca mais
O grande espelho que é o mundo ousaria refletir os seus sinais
O homem velho é o rei dos animais
A solidão agora é sólida, uma pedra ao sol
As linhas do destino nas mãos a mão apagou
Ele já tem a alma saturada de poesia, soul e rock’n’roll
As coisas migram e ele serve de farol
A carne, a arte arde, a tarde cai
No abismo das esquinas
A brisa leve traz o olor fulgaz
Do sexo das meninas
Luz fria, seus cabelos têm tristeza de néon
Belezas, dores e alegrias passam sem um som
Eu vejo o homem velho rindo numa curva do caminho de Hebron
E ao seu olhar tudo que é cor muda de tom
Os filhos, filmes, ditos, livros como um vendaval
Espalham-no além da ilusão do seu ser pessoal
Mas ele dói e brilha único, indivíduo, maravilha sem igual
Já tem coragem de saber que é imortal


(Caetano Veloso – “O homem velho”)


Vicente Deocleciano Moreira
vicentedeocleciano@yahoo.com.br
vicentedeocleciano@gmail.com
Blog http://www.viverascidades.blogspot.com

Em dezembro de 1994, coordenei uma Oficina da Universidade Aberta à Terceira Idade (UATI) da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). O produto desta Oficina – “Epistolas da Terceira Idade aos Feirenses” – resultou da contribuição textual sob forma de cartas sobre o passado da cidade de Feira de Santana (Bahia – Brasil) e dirigidas aos moradores dessa cidade, a maior do interior do estado da Bahia.

Pedi que o assunto das cartas fosse o passado de Feira de Santana que ele(a)s testemunharam e viveram: suas lembranças, memórias, recordações desta cidade.

Dezesseis anos depois – quando os participantes estão com dezesseis anos de idade a mais – eis que aqui estamos começando a postar muitas dessas epístolas, utilizando pseudônimos para preservar o anonimato de seus autores 16 anos depois. E, quando a idade em 1994 foi revelada, mencionamos a atual idade: quantos anos o missivista completou ou estará completando este ano, 2010.

Vicente Deocleciano Moreira


Cheguei em Feira de Santana, já em dezembro de 1945. Fiquei na casa onde hoje está o Hotel Senador, início da rua Araújo Pinho, Senador Quintino e Travessa Nossa Senhora de Lourdes. Era os dias de Natal e Ano Novo, já havia a Festa da Kalilândia, lembro bem da Festa de Santana, em janeiro de 1946. Em fevereiro fui morar no Ponto Central por onde passavam as boiadas, levadas por salta moitas, para a Capital do Estado. Nessa estrada, acontecia aos domingos, corridas de cavalo. O Sr. Celestino Correa Gomes, proprietário das pastagem que dera segmento à Avenida Maria Quitéria, e o Café Tabajara, na rua Francisco Sales Barbosa, hoje na Praça Bernardino da Silva Bahia. Neste Bairro, chegavam caminhões importados, traziam sobre a cabina, conjunto de buzinas tocando Asa Branca de Luis Gonzaga. O Ponto Central era onde hoje está o Palace Hotel, o EMEC, a Padaria Chinesa e HTO. Eu entrava na cancela da pastagem do Sr. Celestino e saía na outra, a fim de chegar no Centro da Cidade. A feira ocupava só a praça João Pedreira e no Mercado Municipal.

Aos domingos pela manhã, moleques iam ao Campo do Gado, a fim de correr atrás dos bois que, por acaso, fugiam em disparada pelas campinas ao redor da Cidade. Nessas campinas, nós, moleques, passávamos esses dias de Feira do Gado, distraídos, sem ver chegar o dia de terça-feira. Porém era o dia de voltarmos para casa. Nestas todas redondezas da cidade, passávamos por muitas lagoas, fontes, tanques e cisternas, tomávamos banho nessas águas e bebíamos. Só comíamos o que aparecia na hora, nada mais. Dormíamos em qualquer lugar, até sobre árvores. Muitos acontecimentos, durante essa Feira do Gado, houve um dia em que um boi entrou na praça João Pedreira, quebrando tudo que encontrava à sua frente. Eu estava envolto nesse desastre.

Em 1947, ouvia falar sobre a Fábrica dos Produtos Depurativo 43, vinho de Jurubeba composto e a Salvação das Senhoras – da Fábrica Leão do Norte do Sr. Paulo da Costa Lima, na avenida Maria Quitéria, que ora fora transferida para Salvador, posteriormente Simões Filho, bem ali na BR 324.

Na praça da Feira e no Campo do Gado, onde hoje é o Forum Filinto Bastos e Colégio Municipal, as pessoas de toda idade vendiam água em moringos e potes de barro. O gado que tomava a direção Sul chegava à Fonte do Mato e São João, e as aguadas daquela baixada do Tomba, que era bem distante naquele tempo. As águas da Fonte do Mato e São João eram carregadas para uso doméstico e industrial, como as fábricas de vinho de jurubeba e outros vinhos. Chegavam até a levar para os distritos de Santa Bárbara, Bonfim, Anguera e São Vicente. Toda essa beleza ao redor da cidade, tanque e fonte da nação, nessas águas já chegou a morrer muita gente; hoje foram transformadas em ruas e casas. No bairro do Jardim Acácia, além da Fonte do Mato, uma lagoa nas terras de Ana, já no fim da rua Ouriçangas, Tanque do Urubu onde é hoje o bairro do Conjunto Feira IX.

As águas dos tanques e fontes da fazenda Muchila. Havia lagoas com água funda ao lado esquerdo da avenida José Falcão da Silva, hoje ela recebe o esgoto do Conjunto Centenário, e existia outra até a Queimadinha, que já está sendo invadida, para construção de moradia. Lagoa Tanque do |Moura – ligada ao Loteamento Terra do Sol. Lagoa da Tabua – ao Norte do conjunto Georgeamérico, Oeste do Feira VI e o DERBA. Duas (2) lagoas no bairro da Mangueira nas ruas Dr. Vicente dos |Reis e Bonfinópolis de Minas. Lagoa do Subaé lado direito e esquerdo da BR 324. Lagoa Salgada – Parques. Santo Antonio e São Jorge. Lagoa Grande limita-se com os bairros Ponto Central e Caseb e a avenida Eduardo Froes da Mota.

Ao encontro de duas estradas que vem de Riachão do Jacuípe e Tanquinho com Serrinha para chegar a Feira de Santana, não é só o asfalto de hoje. Nos tempos das boiadas havia esse mesmo encontro de estradas naquele ponto. Existia uma lagoa onde o gado bebia. Os vaqueiros a conheciam como Lagoa do Entroncamento. Porém, desapareceu para o plantio do capim. Lagoa da Pindoba, limita-se com a Universidade e o bairro Novo Horizonte. Lagoa de Berreca – na estrada Jaíba e São Roque. Conheci o senhor que dá nome a essa lagoa, viveu ali mesmo há anos atrás.

A famosa Lagoa de São José quando o Sr. João Durval foi prefeito pela primeira vez, mandou buscar areia da praia de Cabuçu para encher as margens dessa lagoa, transformando em uma verdadeira praia. Só que os banhistas tomavam bebida e morriam afogados, sendo necessários suspender tal evento.

O rio Jacuípe recebe os riachos que jogam os esgotos para esse rio e para essas lagoas. As águas que voltam através da Embasa. Vertentes em todas as encostas cheias de olhos d’água, as pastagens nos verdes vales circundantes e os compradores de gado, a geografia teve uma participação notável na fixação da cidade de Feira de Santana.

Cheguei a saber que todo esse Centro da Cidade era chamado de Alto da Boa Vista. O lugar que se pode entender por Santana dos Olhos D’água era chamado de JACUÍPE, antes mesmo da presença de Domingos Barbosa e Ana Brandão, como fazendeiros deste local que pertencia a São José das Itapororocas. Em 1950, a população era de cento e vinte mil (120.000) habitantes. Não havia transporte coletivo; só em 1956, ônibus usados que vieram do Estado de Pernambuco em experiência – o combustível fornecido pelo prefeito João Marinho Falcão. Nessa administração foi providenciado o primeiro abastecimento d’água, embora precário.

Ainda nessa época havia a cisterna, com noventa palmos de profundidade; a água puxada por corda em carretel sobre um tampão. Morei na rua Cristóvão Barretyo de 1948 a 1956, cheguei a apanhar em cinco (5) cisternas. As vasilhas eram duas latas com paus à abertura.

No Centro da Cidade os aguadeiros trabalhavam com quatro (4) barris de dezoito litros cada, carregados por jumentos. O centro comercial da água era a rua Visconde do Rio Branco, J.J. Seabra, Intendente Rui com a Barão de Cotegipe, principalmente a fonte do Sr. Pio e dona Binha. Queimadinha e fonte do Mato. Essa fonte hoje se acha abandonada em uma pequena faixa de terra, à rua |Netuno, cercada por casas, menos por um lado, onde existe uma cerca de arame farpado, um canavial, bananeiras e mangueiras, tem 5% de água, 95% de lama. Diz o Sr. Honorato Alves, que a propriedade pertence ao Estado, mas é olhada pela Prefeitura da Cidade.. Quando do Governo de Sr. Colbert Martins, foi ameaçado de desaparecer para construir oficinas mecânicas a serem transferidas da praça Presidente Médici.

Em 1970, houve o recenseamento, Feira chega a 314.565 habitantes.

Em 1974, foi inaugurada a água vindo do Parguaçu. Estamos em 1994, e já estão na moda, os poços artesianos, com água puxada por motores elétricos.”


Pedro Archanjo S. Aleluia - pseudônimo

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