terça-feira, 2 de novembro de 2010

VIVALDO E O MACIEL (6 - FINAL) - Vicente D. Moreira

VIVALDO E O MACIEL (6 - FINAL)

Vicente D. Moreira

(Final)

Educação

Aqui, eu poderia prosseguir na narrativa telegráfica dos trabalhos e dos dias do Maciel, e então aproveitar o que me concedesse a memória ou o que restasse dela e dos últimos 30 anos de serviço público (estadual baiano)completados neste abril de chuvas mil (1975 - 2005)(*) para falar dos Programas de Alfabetização, de Educação e Artesanato (mais um pouco), Teatro Miguel Santana, Posto Médico do Maciel (Educação e Saúde), Educação e Lazer do Centro de Atenção Social à Criança do Maciel (com equipamentos educacionais, médicos, lúdico-recreativos, refeitório, etc.). Mas peço a todos, todas licenças, para transcrever o conto O Menino do Maciel de um ex-aluno do Programa de Arte Integrada/IPAC e da escola formal, Edmilson Andrade dos Santos (**).

Em 1980, Edmilson tinha 12 anos quando, nosso aluno, escreveu o conto. Morava com a mãe Roselina Andrade dos Santos e dois irmãos na Rua Inácio Acciolly, Maciel. Menino do Maciel recebeu prêmio da Biblioteca Monteiro Lobato (Salvador); Edmilson foi também premiado no concurso de desenhos alusivo ao Dia das Comunidades Portuguesas. Seus sonhos: "gostaria de ser ator. É meu sonho. Para mim é como se fosse um sonho.". Dividia a cama com o irmão, mas gostaria de ter "uma cama mesmo, um negócio que desse para colocar meus livros e para de noite eu ler". Vamos ao conto:

O MENINO DO MACIEL

Edmilson Andrade dos Santos


Era uma vez um menino que não tinha sorte, mas ele não sabia se era por causa do bairro onde ele morava ou se era uma praga que ele tinha com ele. Bem aí ele resolveu procurar um emprego. Ele comprou um jornal e começou a ler , ele leu, leu quando chegou na úiltima página do jornal ele viu escrito: "Precisa-se de um vendedor de café, ganhando três mil por mês, paga às 8:00 da manhã e solta às 8:00 da noite". Era bom para ele porque ele vai para escola às 8:30 da noite, por isso ele adorou.

Chegando lá, ele disse que aceitava porque seu dinheiro estava acabando. O dono da firma perguntou. Quantos anos você tem? Eu tenho 14 anos. Onde você mora? Eu mnoro na Gregório de Matos.
- Como! Um ladrão me pedindo emprego! Mas era só o que faltava.
- Mas senhor eu não sou ladrão, eu nunca roubei na minha vida.
- Ora, não tem emprego coisa nenhuma e vá embora antes que eu chame a polícia.

O rapaz ficou triste e foi para casa, quando ele chegou em casa começou a chorar. Agora eu já sei não é praga não, é aonde eu moro mesmo, aqui só existe ladrão, eu vou ter que roubar também, não tenho mais dinheiro. Ele pegou uma faca e colocou dentro da calça, mas quando ele vai saindo aparece uma fada.
- Marcelo você não pode roubar, por favor não roube.
- Mas dona fada eu não tenho mais um tostão.
- Olhe, eu estou para me apagar para ir embora para sempre, porisso eu vou te dar um presente.
- Um presente, oba eu não vou mais roubar.
- Eu vou te dar uma casa e bastante dinheiro para viver mas aqui no Maciel.
- Vai ser maravilhoso dona fada.
No fim da história ele se casa com a filha do dono da firma.
<


Hoje em dia (2005) acompanho, apenas com interesse, as jactâncias com que realizadores, críticos, anticríticos e até anticristos, tentam realçar a "novidade" e caráter !revolucionário" de projetos e intervenções no tecido social, coisas que a equipe do FPAC/IPAC realizou a quase quarenta anos. Então, compreendo que no pouco além da metade do século XX (década de 6o, 70, 80 ...) já estávamos no século XXI com o trabalho que fazíamos no Maciel. Mesmo sem espelhos, tínhamos a convicção de que não éramos feios (e não fazíamos feio). Nas décadas de 60, 70, 80 ... tínham,os, também, apenas 25 anos (pouco mais, pouco menos) e já ocupávamos cargos e responsabilidades de grande monta ... e isto,com leves nuances de desconfiança, espantava muita gente; curioso é que todos tínhamos menos de 30 anos... Ter 25 anos, há 35 anos atrás, e ter sobre os ombros a responsabilidade de tantas tarefas envolvendo tante gente e, às vezes, a incompreensão de alguns, é diferente de ter 25 anos em 2005 (e, muitas vezes, não poder ter tanta memória).

A experiência de profissão, de vida, alegria, de companheirismos, de afeto e de conflitos, que o Maciel testemunhou, há quase 40 anos, e levou consigo para os desv~]aos da história, nos marcou a todos, e profundamente, o espírito. Num futuro p´róximop, que ela possa ser resgatada, examinada criticamente à altura de uma arqueologia do saber sobre patrimônio arquitetônico e cultural; se não voar tanto, que ainda neste século ao menos possa servir de objeto de estudo para arquitetos, sociólogos, historiadores, antropólogos, urbaniostas, estudantes ... e de todos quantos igualmente se interessem pelo passado recente do centro antigo de Salvador.

Que esta parcela do nosso trabalho no Maciel, mais que de nós próprios, possa enfim ser resgatada de um mundo de invisibilidade e de esquecimento que reina e demora em permanecer.


__________________________________
strong>Notas do Blog

(*)
Apenas para atualizar a informação - a quem interessar possa, é claro! - neste abril de 2010 completei 35 anos de serviço público estadual baiano ... sem contar com o tempo dedicado ao serviço público do estado do Paraná - Brasil.

(**)
Edmilson nasceu com pernas tortas e atrofiadas que lhe deram uma altura aquém das expecativas para sua idade. Era o nosso "Shakespeare", muito compenetrado leitor, tinha um dom especial, uma competência notória para a redação de textos em prosa e, sobretudo, textos teatrais.

Onde estará e o que estará fazendo Edmilson, mãe e irmãos (e tantos outras pessoas) depois que os moradores do Maciel de lá foram retirados ... e o nosso sonho habitacional teve que ceder lugar para a onda turística ... que encharcou, aos ossos, os "ingleses" nativos e os "ingleses" estrangeiros para que se deleitassem com a relativa e suspeita alegria cenográfica efêmera e de gosto discutível num também discutível negócio cultural (show business.)

Entre 1975 e 1984, trabalhei como sociólogo na Fundação. Fui, nesses 9 anos, Chefe do Setor e Coordenador de Planejamento e Pesquisa Social, além de ter ocupado interinamento, por um mês, a Direção Executiva da instituição. Desde 1984, não tenho tido notícias mais que vagas do destino dos ex moradores do ex Maciel. Em 1984, deixei o IPAC e passei a trabalhar apenas como professore e pesquisador da Universidade Estadual de Feira de Santana.




Referências

BACELAR, Jeferson Afonso - A família da prostituta. Dissertação (mestrado em Ciências Sociais). Salvador, Universidade Federal da Bahia, 1979.

BRASIL. Ministério da Educação e Cultura, SPHAN. PróMemória. Brasília, DF, nº 9,. novembro/dezembro 1980.

ESPERANÇA para o Maciel. Monumento. Salvador, SEC/IPAC, 2 (18) jul/set 1982, p. 4-5.

ESPINHEIRA, Carlos G. D'Andrea - Comunidade do Maciel. Salvador, SEC/FPAC, 1971, 50 p. ilus.

LEVANTAMENTO sócio-econômico do Pelourinho. Salvador, SEC/FPAC, 1969, 83 p. ilus.

MAURÍCIO, Jorge da Silva - Prostituição no Maciel, uma atividade em decadência. Monumento. Salvador, SEC/IPAC, 3 (1) mai 1980, p. 10-12.

MENEZES, Álvaro Raimundo - Anotações sobre o quadro habitacional do Maciel. Documento nº 1. Monumento. Salvador, SEC/IPAC, 3 (1) mai 1980, p. 35-36.

MOREIRA, Vicente Deocleciano - Realidade e Futuro do Pelourinho: relatório final. Salvador, SEC/IPAC, Paris, UNESCO, 1979, 2v. 443 p. Bibliog.


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