segunda-feira, 8 de novembro de 2010

FCCV - QUEM INVENTOU A BALA PERDIDA PRECISA ENCONTRÁ-LA

FCCV - Fórum Comunitário de Combate à Violência
Leitura de fatos violentos publicados na mídia
Ano 10, nº 37, 03/11/10

QUEM INVENTOU A BALA PERDIDA PRECISA ENCONTRÁ-LA

Não se sabe quem foi que pela primeira vez usou a expressão “bala perdida”. O que se observa é que a definição pegou e diariamente é referida pela crônica policial, evidenciando a existência de balas deflagradas que alcançam, intencionalmente, pessoas que, em geral, se encontram em vias públicas quando desta violência.

É interessante refletir sobre o sucesso da expressão que é objeto de apreço nessa leitura. Forjada por uma prática de violência que vem se intensificando e adquirindo riqueza no que concerne ao vocabulário típico, a bala perdida pode indicar uma perda de mira quando da deflagração do projétil que se aloja em corpo inespecífico, opondo-se à idéia de alvo. Ela também é traduzida como objeto cuja trajetória é atravessada por um corpo que cruza o seu caminho de modo inesperado, gerando um prejuízo à ação e ao desavisado corpo que se projeta na hora e no lugar errados.

Aos poucos, a bala perdida incorporou o lugar de caso possível dentro das probabilidades ensejadas pelas manifestações violentas no tecido urbano. A mídia, de um modo geral, acompanha esta habituação dando a este tipo peculiar de risco uma discreta posição na hierarquia das notícias. É ocorrência rotineira que não mobiliza as redações em torno de uma investigação jornalística mais complexa. Assim sendo, das balas perdidas chega-se aos casos perdidos no que se refere às potencialidades de serem incorporados à agenda dos noticiosos como fatos merecedores de investigação mais minuciosa.

Enquanto estes eventos são acomodados na esfera da normalidade cotidiana, cresce o medo da rua e nele um “pé atrás” é dedicado à possibilidade de uma bala perdida “resolver” se situar justamente no corpo amedrontado. Isto porque as histórias de balas perdidas, inevitavelmente, dão conta de situações nas quais os projéteis são localizados ou achados no interior de corpos que por elas foram feridos ou mortos. Isto quer dizer que toda vez que a mídia registra a existência de bala perdida a mesma está devidamente encontrada e é motivo de uma tragédia.

A bala perdida é sinal da presença de armas de fogo e do uso das mesmas nas vias públicas. A expressão dá a idéia de que há projéteis que se perdem da agulha e circulam como corpo desgarrado e desgovernado, mas essa representação não corresponde à dimensão fática. Não se trata da bala perdida em si, não é noticiado o desaparecimento de uma bala, ao contrário, toda vez que o termo é empregado vem associado a lesões causadas por esta espécie característica de projétil. Uma bala que esconde a arma e o acionamento do gatilho. Eis o que fica perdido enquanto encontrados são balas e feridos.

Quem cunhou a expressão certamente não pensou no quanto a sua obra viria sancionar desculpas públicas e privadas diante de tragédias imperdoáveis. Acusadas, as balas continuam a se mover pelas ruas como se gozassem da impunidade mais exacerbada. E na mídia elas constituem fonte de explicação inapelável para trágicas ocorrências.

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