sábado, 27 de novembro de 2010

M.A. de Menezes - BAUDELAIRE: o poeta ... (5 - FINAL)

M.A. de Menezes - BAUDELAIRE: o poeta da cidade moderna (5 - FINAL)


Oferendas a Charles Baudelaire [9/4/1821-31/8/1867] (Cemitério de Montparnasse - Paris - França)


Esta luta desesperada do citadino do século XIX para não se ver transformado em coisa é acompanhada pela poesia de Baudelaire, que também sofre a amargura da perda da aura. Mas ele ainda tenta transformar horror e dor em beleza. A plástica de suas “flores malditas” tenta transcender a tudo que está se desmanchando no ar. Mas a burguesia tem pressa de construir seu reinado, e mesmo o flâneur precisa se render aos encantos dela e se tornar seu súdito.

Kátia Muricy, citando Benjamin, informa que: o flâneur, que não é consumidor, identifica-se com a mercadoria; nela ele se encarna como estas almas errantes que procuram um corpo, de que fala Baudelaire 37. O artista entra em empatia com a mercadoria, confunde-se com ela. Não encontra ou nega-se a encontrar seu lugar na nascente economia de mercado.

Para o homem da época de Baudelaire, viver a modernidade citadina é estar arremessado ao turbilhão de uma realidade em desvario. O cenário desta tragédia moderna é a metrópole, que está sob a égide absoluta do fluxo do inusitado e da rápida obsolescência provocados pelo capitalismo.

O mundo que se moderniza vai se mostrando, se insinuando, transparente e excessivo. Mas a velocidade da vida nervosa das metrópoles, paradoxalmente, torna turva a visão dos contornos e das formas. O citadino é deixado à deriva, jogado de encontro às multidões das ruas; é obrigado a consumir uma profusão incalculável de sinais, códigos, num cenário abarrotado de imagens.

Parar o tempo e a história, esta era a firme intenção de Baudelaire, nem que para isso fosse necessário jogar o próprio corpo sobre os relógios. Era preciso interromper o círculo de fogo da lógica Divina. Baudelaire falou a linguagem de seu tempo, e sua obra mostra isso claramente. Ele teve a ousadia de questionar o progresso e, com o dedo em riste, disse não a este “farol cego”.

Baudelaire experimentou a angústia da desordem e a ânsia de sentido. Esta vertigem arrastou o poeta ao seu fáustico destino. A audácia daquele que, atirando sobre os relógios, queria fazer parar o tempo da história não pôde se sustentar por muito tempo como projeto filosófico-estético. Esse pacto com o diabo não sobreviveria à catástrofe.

O mundo vai acabar. A única razão pela qual ele poderia durar é a de que ele existe. Uma razão afinal bem fraca, comparando com todos aqueles que anunciam o contrário, e em particular a seguinte: o que é que ainda lhe resta a fazer no universo?38

Hoje, um século após o assombro de Baudelaire diante da caducidade da metrópole, uma rede da qual ninguém pode escapar leva o processo de modernização aos mais remotos cantos do mundo e transforma ainda mais as cidades em terra estrangeira para seus citadinos. O espaço urbano foi eleito por Baudelaire como locus de interpretação do social. A cidade natal do poeta, Paris aparece em suas poesias como musa e objeto. Em sua escrita, a cidade transforma-se no material mais poético dentre todos. Baudelaire tem, sobre o material, uma perspectiva tipicamente modernista.
Baudelaire revela, em sua obra, sintonia com a época, com o país, com a cidade. Ele viveu intensamente os anos da revolução burguesa, participou dela, viu a cidade – Paris –ser remodelada: o solo sob seus pés parecia se mover. A lírica do poeta francês tem como personagem a cidade.

Baudelaire, em sua criação literária, confessa-se desejoso de maldisser, ou melhor, zombar de todos. É uma critica mordaz a sociedade de seu tempo, tempo que inaugura o capitalismo. Em carta enviada a mãe Baudelaire anuncia de Les Fleurs du mal faz sobre o mesmo o seguinte comentário:

Porém, este livro, cujo título Les Fleurs du mal diz tudo, esta revestido, como se verá, de uma beleza sinistra e fria. Foi feito com furor e paciência [...] O livro põe todos em furor [...] Zomba de todos, ficará gravado na memória do público letrado, ao lado das melhores poesias de Victor Hugo, de Théophile Gautier e até Byron. 39

Neste trecho fica clara a intenção do poeta, não só escandalizar a mãe, mas a toda “boa” sociedade burguesa que rejeitava o artista. Para os acadêmicos ele é o pós-romântico degenerado, apesar de guardar traços da poesia de Hugo, mas parecia deformá-las pelo péssimo gosto de “cantor das prostitutas” e da decomposição fúnebre, gosto patológico de uma boemia já mórbida. Baudelaire é, em Tableaux parisiens, o primeiro poeta da grande cidade moderna – o amor lésbico e a decomposição fúnebre – todos esses novos mundos Baudelaire conquistou para a poesia. A pressão mental da época burguesa e capitalista, cuja imagem aparece nos grandiosos tableaux perisiens: não uma “divine comêdie de Paris” mostra um poeta mestre de toda poesia moderna, até e inclusive do surrealismo.

Na França, modernismo tem o sentido de modernização e começa com Baudelaire e compreende, pois, o niilismo; este modernismo foi ambivalente, desde sua origem, nas suas relações com a modernização. Sempre desconfiou do progresso; e é essencialmente estético. A partir de Baudelaire ou Flaubert este modernismo se definiu como “antiburguês”. O que nos atrai e ao mesmo tempo nos choca na leitura de Les Fleurs du mal é, com certeza, já de pronto, a violência temática dos poemas. O livro todo, do primeiro ao último verso, apresentasse como confissão de uma pessoa original vacilando entre luz e trevas. Da mesma forma, seu vigor formal rompendo com a tradição romântica francesa surpreende. Suas formulas são breves, sua prosódia é burilada. A linguagem do dia-a-dia, intervindo no canto profundo do poema, confere-lhe uma singularidade. Não há para ele mais termos proibidos ou nobres.

Em Baudelaire, a poesia não jorra mais da unidade que se instaura entre a poesia e um determinado homem, como queriam os românticos. Renunciando à expressão de sentimento, a poesia torna-se vontade formal isto é, artificial. Essa conquista é um dos essa liberdade de falar de tudo em poesia precedeu à liberdade de falar de tudo no romance (conquista de Zola) e precedeu de muito à liberdade de falar de tudo na prosa da vida cotidiana (conquista de Freud). Com essa conquista, Baudelaire tornou-se um verdadeiro libertador da poesia, libertando-a do monopólio tirânico dos termos petrarquescos e românticos – amor ideal, lua e o resto. Baudelaire é o Petrarca da poesia moderna.40

No final do século Baudelaire era o literato mais venerado da França. Ele é considerado o mais importante predecessor da poesia moderna. A rejeição de Baudelaire ao campo tem seguidores e a cidade, a cultura urbana, as diversões urbanas, a vie factice e os paradis artificiel parecem não só incomparavelmente mais atraentes, mas também muito mais espirituais e vívidos do que os chamamos “encantos” da natureza.

A imaginação do artista produz continuamente coisas boas, sofríveis e ruins – diz Nietzsche – e é seu discernimento que primeiro rejeita, seleciona e organiza o material a ser usado. Essa idéia, como toda filosofia da vie factice, promana fundamentalmente de Baudelaire, que deseja “transformar seu prazer em conhecimento” e deixar o crítico no poeta tenha sempre a oportunidade de manifestar-se, e em quem o entusiasmo por tudo é artificial chega, de fato, a ponto de leva-lo, inclusive, a considerar a natureza moralmente inferior.41

Diferente dos românticos, Baudelaire não está à procura do país dos sonhos da “flor azul”. Para ele les vrais voyagenrs sont ceux-là seuls qui partent pous partir... (os verdadeiros viajantes são somente aqueles que partem)




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37 MURICY, Kátia. Benjamin: Política e Paixão. In: CARDOSO, Sérgio. (Org.).Os Sentidos da Paixão. São Paulo: Companhia das
Letras, 1987, p. 502.
38 BAUDELAIRE, Charles. Projéteis. Poesia e prosa: Op. Cit., p. 515.
39 TROYAT, Henri. Baudelaire. São Paulo: Scrita, 1995, p. 195.
40 CARPEAX, Otto Maria. História da Literatura Ocidental. Vol. V. Edições de Cruzeiros, 1959, p. 2256.
41 HAUSER, Arnold. História social da arte e da literatura. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 911-912.

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