quinta-feira, 11 de novembro de 2010

MALANDRO, MORRO E CIDADE ... (4)

MALANDRO, MORRO E CIDADE: passado e atualidade de uma trilogia carioca na MPB (4)

Vicente Deocleciano Moreira


Depois do artigo de Márcia Cristina Roque Corrêa Marques (Malandro carioca e o “Maloqueiro” paulista em diálogo através da canção) que ocupou, para honra e alegria deste Blog, suas três últimas postagens, como não iniciar nossas postagens autorais .. a não ser com Noel Rosa? E isto não só poruqe se vivo fosse o "poeta da Vila" estaria completando de hoje a um mês (11 de dezembro/2010) cem anos de idade. E, outrossim, não apenas porque prometemos homenagear, neste Blog, seu centenário.

Há uma terceira (e não menos forte) razão. As escrituras poética, musical e sociológica de Noel Rosa inspiraram o título principal desta série de postagens: a tão carioca trilogiaMALANDRO, MORRO E CIDADE.

Noel de Medeiros Rosa nasceu em 11 de dezembro de 1910 no Rio de Janeiro (Brasil) e sempre viveu no mesmo modesto chalé, à Rua Teodoro da Silva - bairro Vila Isabel - onde vioria a falecer em 4 de maio de 1937. Este conhecido bairro carioca e seu filho Noel viveram com energia, junto com Noel, oa anos 1930 ... considerado a 'época áurea' da Música Popular Brasileira (MPB). Bairro boêmio, Vila Isabel era meio caminho, "ponte cultural musical" entre os subúrbios do samba, da seresta, do choro e o centro da cidade. O próprio Noel Rosa, se me permitem, também era - ele mesmo - essa "ponte".

Ora, se Vila Isabel e Noel, Noel e Vila Isabel eram essa "ponte", sobre essa zona liminar de transição, também a obra de Noel aí transitava ... numa época em que quem morava e/ou trabalhava no(s) morro(s) exercia seu cotidiano num lugar e numa ecologia localizados fora da cidade ou de seu (então) perímetro urbano. Descia-se do morro para ir à cidade. Subia-se o morro deixando para trás a cidade. Na sociedade carioca de então e na obra de Noel - e de vários outros comppositores da MPB - não havia um pertencimento claro entre morro e cidade e entre esta e aquele. A ausência de tal pertencimento colocava em questão e sob riso os laços identitários entre morro e cidade e entre moradores do morro e residentes na cidade ... "cidade maravilhosa, cheia de encantos mil" ...

Vamos, pois, cantar e nos encantar com Noel Rosa (e Vadico):

Feitio de oração

Quem acha vive se perdendo
Por isso agora eu vou me defendendo
Da dor tão cruel desta saudade
Que, por infelicidade,
Meu pobre peito invade

Batuque é um privilégio
Ninguém aprende samba no colégio
Sambar é chorar de alegria
É sorrir de nostalgia
Dentro da melodia

Por isso agora lá na Penha
Vou mandar minha morena
Pra cantar com satisfação
E com harmonia
Esta triste melodia
Que é meu samba em feito de oração

O samba na realidade não vem do morro
Nem lá da cidade
E quem suportar uma paixão
Sentirá que o samba então
Nasce do coração.


(prossegue amanhã, sexta-feira)

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