quarta-feira, 10 de novembro de 2010

MALANDRO, MORRO E CIDADE ... (3)

MALANDRO, MORRO E CIDADE: passado e atualidade de uma trilogia carioca na MPB (3)


O Malandro carioca e o “Maloqueiro” paulista em diálogo através da canção (III - FINAL)

Márcia Cristina Roque Corrêa Marques


O homem humilde de Adoniran, ao contrário, ao ser excluído da cidade em evolução, conformou-se, buscou consolo e foi “pegá as paia nas grama do jardim”. Não se vê neste homem, que viveu a mesma situação do carioca, a atitude combativa do outro. A linguagem usada pelo compositor marca bem a identidade deste homem, colocando em oposição o rural e o urbano e demarcando o lugar daqueles que vinham à cidade grande buscar melhores condições. Esta mesma cidade, que antes havia sido seu sonho e a promessa de uma vida melhor, torna-se seu algoz e o coloca à margem, lugar onde ele permaneceu placidamente, sofrendo em silêncio e cantando para espantar a tristeza. É bem verdade que hoje podemos ler esta canção como uma denúncia da situação da época (MATOS, 2001), mas este é o olhar de quem recebe a canção com olhos críticos e atuais. A imagem posta pela canção é a do homem humilde que se submeteu e foi devorado pela cidade e pelo progresso.

Canções diferentes e de épocas diferentes, encontram um ponto de convergência ao
retratarem o mesmo processo vivido pelas duas cidades, ressaltando as peculiaridades da forma como os acontecimentos foram registrados pelos artistas. Como forma peculiar de expressão popular estas obras permanecem até hoje no repertório das canções populares brasileiras como marcas de identidade de um Brasil que, longe de abrigar as formas de expressão popular, as coloca à margem. Contudo, é neste processo que elas ganham voz, retratando, denunciando e fixando paradigmas, como é o caso da figura do malandro carioca e do “maloqueiro” paulista.

A partir dessa análise vemos a importância dos estudos cada vez mais difundidos da
canção popular brasileira como parte do movimento literário nacional. Sua caracterização como produto da intelectualidade e da cultura de nosso povo nos faz repensar sua inserção no campo dos estudos literários. Cavalcante (2004) em seus estudos sobre a canção popular urbana de Porto Alegre afirma que a canção, através de seus compositores e intérpretes, representa importante papel na sociedade, pois, assim como a literatura, é uma forma de manifestação histórica e cultural de um determinado período ou grupo social.

A canção popular brasileira é reconhecida por críticos e especialistas como uma das mais diversificadas do mundo. Não só surgem novos ritmos e interpretações em um determinado período, como convivem diversos movimentos poético-musicais ao mesmo tempo.(CAVALCANTE, 2004, p.7) Em seus estudos, aproxima a canção à poesia e afirma que dar voz às manifestações literárias tem se tornado ponto fundamental para o desenvolvimento da literatura. A canção se insere nesse universo exigindo legitimidade, argumentando em seu favor a qualidade da elaboração das letras e o aumento de um público que vem intercalando cada vez mais o hábito de ouvir ao da leitura. Como bem percebeu Jorge Furtado “as letras de música suprem parte da necessidade que todos nós temos de ouvir e dizer poesia.” (CAVALCANTE, 2004, p.8) Assim, tomada como parte de um conjunto de produções artísticas de uma sociedade, motivada por esta e para esta, da qual é produto e alimento, a canção tem a capacidade, assim como a literatura, de trabalhar com assuntos que necessitam ser trazidos à cena do debate.

Também operando com a matéria escrita, mas tendo a musicalidade aliada à sua produção, a canção é ao mesmo tempo semelhante e diferente da literatura como tradicionalmente a reconhecemos. No caso das canções em estudo, toda uma formação de tipos e costumes foi retratada em verso e sons, denunciando num primeiro instante uma formação social para depois conformar o tipo social retratado como um dos tipos freqüentes e de importância fundamental para a compreensão do funcionamento de nossa sociedade atual.

Referências

CAVALCANTE, Rita de Cássia. Porto Alegre em canto e verso:vinte e poucos anos de
canção popular urbana. Dissertação de Mestrado. Porto Alegre: UFGRS, 2004.

COELHO, Márcio. A Paixão e a Passionalização em Saudosa Maloca. Cadernos de Semiótica
Aplicada. Vol.1, no 2, dezembro 2003.

DAMATTA, Roberto. O que faz o brasil, Brasil?. Rio de Janeiro: Rocco, 1984.

DANTAS, André. Malandro que é malandro... Morpheus – Revista Eletrônica em Ciências
Humanas. Ano 02, número 03,2003.

LIMA, Hildrebando de & BARROSO, Gustavo. Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua
Portuguesa. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1949.

MATOS, Maria Izilda Santos de. A Cidade que mais Cresce no Mundo: São Paulo território de Adoniran Barbosa. São Paulo Perspec. Vol. 15 no3 São Paulo July/Sept. 2001. Vol. 03 N. 01 jan/jun 2007

TATIT, Luiz. O Cancionista. São Paulo: Edusp, 2002.
_______. Elementos para a Análise da Canção Popular. Cadernos de Semiótica Aplicada.
Vol.1, no 2, dezembro 2003.

TINHORÃO, José Ramos. História Social da Música Popular Brasileira. São Paulo: Editora 34, 1998.

SEVERIANO, Jairo & MELLO, Zuza Homem. A Canção no Tempo: 85 Anos de Músicas
Brasileira. Vol 1: 1901-1957. São Paulo: Editora 34, 1998.

Referências eletrônicas

Malandragem. http://pt.wikipedia.org/wiki/Malandragem. Acesso em 12/03/2007.

ROSA, Noel. Rapaz Folgado (letra). Acesso em 02/03/2007
http://www.mpbnet.com.br/musicos/ione.papas/letras/rapaz_folgado.htm

BATISTA. Wilson. Lenço no Pescoço (letra). Acesso em 02/03/2007
http://www.lyricsspot.com/wilson+batista-len+o+no+pesco+o-lyrics-658647.html

BARBOSA, Adoniran. Saudosa maloca (letra). Acesso em 02/03/2007.
http://www2.uol.com.br/cante/lyrics/Adoniram_Barbosa_-_Saudosa_maloca.htm

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