MALANDRO, MORRO E CIDADE: passado e atualidade de uma trilogia carioca na MPB (9 - FINAL)
Vicente Deocleciano Moreira
Comparece, agora, para a honra do nosso Blog, um panteão formado por Noel Rosa,Cartola, Ataulfo Alves, Braguinha (João de Barros), Herivelto Martins, Sinhô, Sílvio Caldas / Orestes Barbosa, Carlos Cachaça/Cartola/Herminio Bello de Carvalho ... e Chico Buarque
De que lugar Eles cantaram o morro carioca?
Temos um morro idealizado e invadido pela felicidade ... não a felicidade da feliz cidade e seus felizes arranhacéus com tetos de laje e avessos à luz da lua, à solaridade da nossa estrela de quinta(!) grandeza. Mas a felicidade de uma mãe que acolhe contra a orfandade das marquizes da cidade .. . que está lá embaixo sob o olhar do morro que também é visto pela cidade; um entreolhar urbano na busca do "quero ver o que você diz".
A Favela Vai Abaixo
Sinhô
Minha cabocla, a Favela vai abaixo
Quanta saudade tu terás deste torrão
Da casinha pequenina de madeira
que nos enche de carinho o coração
Que saudades ao nos lembrarmos das promessas
que fizemos constantemente na capela
Pra que Deus nunca deixe de olhar
por nós da malandragem e pelo morro da Favela
Vê agora a ingratidão da humanidade
E o poder da flor sumítica, amarela
que sem brilho vive pela cidade
impondo o desabrigo ao nosso povo da Favela
Minha cabocla, a Favela vai abaixo
Arruma as "troxa", vamo embora pro Bangú
Buraco Quente, adeus pra sempre meu Buraco
Eu só te esqueço no buraco do Caju
Isto deve ser despeito dessa gente
porque o samba não se passa para ela
Porque lá o luar é diferente
Não é como o luar que se vê desta Favela
No Estácio, Querosene ou no Salgueiro
meu mulato não te espero na janela
Vou morar lá na Cidade Nova
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Alvorada no Morro
Carlos Cachaça/Cartola/Herminio Bello de Carvalho
Alvorada
Lá no morro, que beleza
Ninguém chora, não há tristeza
Ninguém sente dissabor
O sol colorindo
É tão lindo, é tão lindo
E a natureza sorrindo
Tingindo, tingindo
Você também me lembra a alvorada
Quando chega iluminando
Meus caminhos tão sem vida
Mas o que me resta
É bem pouco, quase nada
Do que ir assim vagando
Numa estrada perdida
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Ave Maria No Morro
Herivelto Martins
Barracão
De zinco
Sem telhado
Sem pintura lá no morro
Barracão é bangalô
Lá não existe
Felicidade
De arranha-céu
Pois quem mora lá no morro
Já vive pertinho do céu
Tem alvorada
Tem passarada
Ao alvorecer
Sinfonia de pardais
Anunciando o anoitecer
E o morro inteiro
No fim do dia
Reza uma prece
À ave maria
E o morro inteiro
No fim do dia
Reza uma prece
À ave maria
Ave maria
Ave
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Chão de Estrelas
Silvio Caldas / Orestes Barbosa
Minha vida era um palco iluminado
Eu vivia vestido de dourado
Palhaço das perdidas ilusões
Cheio dos guizos falsos da alegria
Andei cantando a minha fantasia
Entre as palmas febris dos corações
Meu barracão no morro do Salgueiro
Tinha o cantar alegre de um viveiro
Foste a sonoridade que acabou
E hoje, quando do sol, a claridade
Forra o meu barracão, sinto saudade
Da mulher pomba-rola que voou
Nossas roupas comuns dependuradas
Na corda, qual bandeiras agitadas
Pareciam estranho festival!
Festa dos nossos trapos coloridos
A mostrar que nos morros mal vestidos
É sempre feriado nacional
A porta do barraco era sem trinco
Mas a lua, furando o nosso zinco
Salpicava de estrelas nosso chão
Tu pisavas os astros, distraída,
Sem saber que a ventura desta vida
É a cabrocha, o luar e o violão
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O morro, apartado da cidade, com a ajuda Noel Rosa e Araci de Almeida:
Palpite Infeliz
Noel Rosa / Araci de Almeida
Quem é você que não sabe o que diz?
Meu Deus do Céu, que palpite infeliz!
Salve Estácio, Salgueiro, Mangueira,
Oswaldo Cruz e Matriz
Que sempre souberam muito bem
Que a Vila Não quer abafar ninguém,
Só quer mostrar que faz samba também
Fazer poema lá na Vila é um brinquedo
Ao som do samba dança até o arvoredo
Eu já chamei você pra ver
Você não viu porque não quis
Quem é você que não sabe o que diz?
A Vila é uma cidade independente
Que tira samba mas não quer tirar patente
Pra que ligar a quem não sabe
Aonde tem o seu nariz?
Quem é você que não sabe o que diz?
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Ecce Morro!Da romantização edulcorada da miséria da miséria ... um teto de zinco ... imprestável de tão rico em orifícios ... que deixa passar tanto a luz da lua como a água da chuva, como o sol tórrido do meio dia. Glamourização da pobreza. Dark is beautiful
Por derradeiro, o choque de realidade real da "Estação Derradeira" (Chico Buarque), de 1987, que traz 23 anos de passado, de cidadania e de atualidade para a trilogia carioca MALANDRO, MORRO E CIDADE.
Rio de ladeiras
Civilização encruzilhada
Cada ribanceira é uma nação
À sua maneira
Com ladrão
Lavadeiras, honra, tradição
Fronteiras, munição pesada
São Sebastião crivado
Nublai minha visão
Na noite da grande
Fogueira desvairada
Quero ver a Mangueira
Derradeira estação
Quero ouvir sua batucada, ai, ai
Rio do lado sem beira
Cidadãos
Inteiramente loucos
Com carradas de razão
À sua maneira
De calção
Com bandeiras sem explicação
Carreiras de paixão danada
São Sebastião crivado
Nublai minha visão
Na noite da grande
Fogueira desvairada
Quero ver a Mangueira
Derradeira estação
Quero ouvir sua batucada, ai ai
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