segunda-feira, 8 de novembro de 2010

FCCV - MENDIGOS DE MACEIÓ: A MORTE DOS MORTOS?

FCCV - Forum Comnunitário de Combate à Violência

Leitura de fatos violentos publicados na mídia
Ano 10, nº 38, 08/11/10

MENDIGOS DE MACEIÓ:
A MORTE DOS MORTOS?


Cinco de novembro de 2010 é ainda tempo de agenda midiática tomada pelos resultados das urnas, mas aos poucos assuntos corriqueiros começam a ocupar lugar no solo da mídia. Na horta de retomada semeia-se a notícia que dá conta da matança de mendigos em Maceió. O assunto se apresenta a partir de uma expressão numérica que evidencia o acúmulo das mortes que já chegam a 31 casos em 2010. De acordo com as informações noticiadas, até 21 de outubro o número de vítimas era 22, indicando-se um forte incremento entre esta data e o dia 31 de outubro, quando do último registro.

Algumas fontes classificam a situação como manifestação de crime de extermínio com suspeitas de envolvimento de policiais, ao passo que o Secretário de Defesa Social de Alagoas, Paulo Rubim, em entrevista concedida ao programa radiofônico “Educativa em Revista”, informou que não há evidências que comprovem a associação entre as mortes e o crime de extermínio. Rubim destaca o envolvimento das vítimas com drogas, acerto de contas e pequenos furtos praticados por eles como fatores que motivaram os assassinatos.

As declarações do Secretário se confrontam com as denúncias feitas pelo arcebispo de Maceió, a OAB e o Ministério Público. De acordo com carta do arcebispo “ninguém foi preso e os inquéritos não se concluem – em 90% deles, faltam até os laudos cadavéricos do Instituto Médico-Legal”.

Pelo contraste entre as duas posições é possível observar o uso da forma (fórmula) pela qual a autoridade executiva, diante de situações como estas, tem “optado”: um tipo de “esclarecimento” que minimiza o comprometimento do Estado através da acusação dirigida à vítima com base em seu perfil social. Assim, ainda com 90% dos casos sem laudo cadavérico, peça importante para a composição do inquérito policial, o Secretário garante que não se trata de crime de extermínio e, complementarmente, explica a série de assassinatos como resultante do envolvimento das vítimas em ações criminosas.

Nesta perspectiva, indefesas e “colocadas contra a parede”, as vítimas substituem os policias suspeitos de integrarem grupos de extermínio. Isto porque, simbolicamente, o recurso ao alegado “mecanismo de autodestruição” das vítimas opera uma limpeza institucional e, ao mesmo tempo, facilita o aniquilamento de outros moradores de rua, retirando dos peritos e representantes da ordem pública a responsabilidade ou a culpabilidade. A morte violenta assume dimensão endógena, incontrolável e típica daqueles corpos.

Esta opção tem assumido a grandeza de estratégia política no que se refere aos embaraços que certos tipos de crimes violentos trazem às instituições públicas. A aludida estratégia trata de desembaraçar o ente público das conseqüências de suas responsabilidades. E um dos anteparos usados no contexto atual para dar sustentação a esta atuação política é a acusação de envolvimento da vítima com o crime, em especial com a droga e, mais ainda, com o crack.

A prática acaba por respaldar a matança, posto que esta forma de crime passa a ser reconhecida como procurada pela vítima, a quem cabe a condição de responsável pelo seu próprio infortúnio. O Estado, diante desta representação, sai duplamente beneficiado, em termos pragmáticos: se distancia da condição de algoz e, em razão da natureza moral implícita no “esclarecimento”, não sofre as pressões no sentido de oferecer elucidação judicial para o problema, dando-se ao longo e incerto tempo o lugar de prazo para o julgamento. Segue, portanto, como uma espécie de condenação às vítimas a ocupação dos últimos lugares da fila de onde se espera a reparação. Isso evidencia que o lugar do morto se assemelha ao seu lugar na vida quando o assunto é a apreciação que as instituições fazem dos indivíduos, conferindo aos mesmos teores distintos de cidadania. Aos mendigos cabe o direito de serem protagonistas responsáveis pela ação de seus próprios assassinatos e terem a libertação de seus algozes como sentença.

Questões como estas merecem ocupar espaço prioritário na fila dos problemas nacionais, por isso é válido lembrá-las agora que é tempo de compromissos e de definições políticas gerais. É importante recordar, também, que nesse momento os moradores de rua de Maceió necessitam de apoio de todos para que as suas mortes não sejam vencidas pelas acusações que transferem para os falecidos a culpa pelos seus óbitos.

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