sábado, 20 de novembro de 2010

A CIDADE NA POESIA PORTUGUESA (2)

A CIDADE NA POESIA PORTUGUESA (2)

Praça da Figueira - Lisboa - Portugal
(commons.wikimedia.org)


Álvaro de Campos - Heterônimo de Fernando Pessoa - ("Poemas"):


A Praça

A praça da Figueira de manhã,
Quando o dia é de sol (como acontece
Sempre em Lisboa), nunca em mim esquece,
Embora seja uma memória vã.

Há tanta coisa mais interessante
Que aquele lugar lógico e plebeu,
Mas amo aquilo, mesmo aqui ... Sei eu
Por que o amo? Não importa. Adiante ...

Isto de sensações só vale a pena
Se a gente se não põe a olhar para elas.
Nenhuma delas em mim serena...

De resto, nada em mim é certo e está
De acordo comigo próprio. As horas belas
São as dos outros ou as que não há.


*****


Pedro Homem de Mello ("Grande, Grande Era a Cidade...":


Divórcio

Cidade muda, rente a meu lado,
Como um fantasma sob a neblina...
Há cem mil rostos. Tanto soldado
E tanto abraço desesperado
Nesta cidade tão masculina!

Cidade muda como um soldado.

Cidade cega. Todos os dias,
A nossa vida fica mais breve,
As nossas mãos ficam mais frias...
Todos os dias, todos os dias,
A morte paga, paga a quem deve.

Cidade cega todos os dias.

Cidade oblíqua. Sexo pesado.
Rio de cinza, lúgubre e lento...
Bandeira negra, barco parado,
Nunca o teu nome foi baptizado
Nem o teu beijo foi casamento!

Cidade minha, do meu pecado...

Cidade estranha, sabes que existo?
Os homens passam... Para onde vão?
Só tem amores quem não for visto.
Por isso canto, só porque insisto
Em dar combates à tentação.

Oh! a volúpia de não ser visto!


*****


Gastão Cruz ("O Pianista"):

O Teatro das Cidades

Qualquer tempo é um tempo duvidoso
assim o meu cercado de cidades
plataformas instáveis
praticáveis cobertos de infinita gente náufraga
que se inclina nas águas como um palco

Paro na convergência dos estrados
chove já sobre a raça ameaçada
Incertas multidões em volta passam
contemporâneas falam interpretam
a duvidosa língua das imagens

Assim no teatro abstracto das cidades
morrem palavras sobre um palco náufrago

O tempo cobre o céu que se enche de água


*****



Amanhã, domingo, terceira e última postagem)

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