segunda-feira, 29 de novembro de 2010

FCCV - FINALMENTE: O MEDO DE O MEDO PASSAR

FCCV - FORUM COMUNITÁRIO DE COMBATE À VIOLÊNCIA

Leitura de fatos violentos publicados na mídia
Ano 10, nº 41, 29/11/10

FINALMENTE: O MEDO DE O MEDO PASSAR

Nos últimos dias de novembro de 2010 experimenta-se a sensação de que o Rio de Janeiro chegou ao limite máximo no quesito violência. Nos meios de comunicação, o assunto avança pelas mais diversas modalidades e produtos à semelhança do medo que se espalha por todos os lugares já colocando em suspense a realização, na capital carioca, da Copa do Mundo de Futebol em 2014 e das olimpíadas programadas para 2016.

Com o medo é injetado um poder inconteste sobre o tema violência e, desse modo, os problemas relacionados com a insegurança aparecem como áreas de atenção prioritária. Dá-se a impressão de que não faltarão recursos políticos, econômicos, sociais, técnicos para o enfrentamento do problema. A boa vontade fica à tona gerando a impressão de que, finalmente, é chegada a hora de dar ao problema a atenção merecida e necessária.

Este “finalmente”, entretanto, tem percorrido o tempo como marcador simbólico de avanços no que se refere ao incremento da insegurança. A cada vez que é registrada uma contundente extrapolação das formas já incorporadas de violência é erguida a bandeira do “finalmente”, indicando que aquela modalidade apresentada ainda não foi devidamente “domesticada” e dela pode surgir uma reação social e institucional que coloque em causa as tantas outras maneiras de violência já estabelecidas como práticas regulares no convívio social. O “finalmente” é uma espécie de conta de somar cuja última parcela supera, amplamente, as previsões quanto ao total. Esse excesso assombra e gera, imediatamente, um clamor que é respondido com poderosas declarações de empenho político e institucional.

Durante alguns dias, é executada uma catarse com grande visibilidade midiática que tem como alimento o medo, suas imagens e seus mistérios. Grande parte do País é tragada pelo pavor e dele quer sair às pressas enquanto as chamas não se alastram sobre as suas peles amedrontadas. As imagens vão se repetindo nas bancas de revista, nos noticiários de rádio e de TV, na internet. Aos poucos, os inusitados assuntos vão adquirindo uma feição conhecida que, embora não almejada, vai como que escorregando para a vala das coisas comuns. Nesse momento, o medo excepcional cede espaço ao temor ordinário, perdendo, portanto, o poder que a falta de familiaridade e a excepcionalidade impõem ao mobilizarem “nervos” originais e amedrontadores ante a ordem estabelecida.

No lapso de tempo em que o medo inédito vige, todas as atenções são carreadas para a assombração e um coro pasmo se belisca procurando na própria carne a verdade: “será que estou vendo isto?” As provas afirmativas se repetem em imagens enquanto são aguardadas mais ocorrências que sustentam o clima de espanto. Não demora a surgirem novos registros colhidos nas ruas dos morros, afigurados como bélicos cenários. Escutam-se repetidamente a palavra guerra, enquanto são mostrados arsenais do Estado sob forma de volumosos corpos como tanques tal como um blindado com esteira que ilustrou a disposição da Marinha na ação.

Muitos cronistas tomam estas providências como elementos para a mensuração do conflito e comentam os equipamentos à moda de apresentação de coisa rara. Esta opção jornalística dá ao próprio maquinário uma ostentação pela qual se pode pensar em superioridade ante o poder bélico do inimigo que, por sua vez, também é mostrado como prova de radical disposição violenta e de sandice. Neste ínterim, cabe um “finalmente” caracterizado pela destacada presença do Estado no território ameaçado, dando-se a impressão de uma reintegração de posse.

O tempo presente é o corte temporal predominante. E quando o agora é duração única há uma tendência de se interpretar as saídas emergenciais como solução definitiva e completa, negligenciando-se os aspectos originais da crise aguda bem como as suas repercussões futuras. Eis outro campo para um “finalmente” que confunde o alívio imediato com a “cura”, comparável ao enfermo que deposita toda a sua crença no analgésico e decide tomá-lo arcando com os danos à saúde que não é tratada permanentemente. Interpretadas em sua dimensão analgésica, as forças da ordem são apresentadas sob forma mais aplicativa que explicativa, como é cabível nas situações de risco imediato.

Resta, quando passado o grande e poderoso susto, o medo decadente que apela às grades, aos seguros, às várias formas de evitação do estranho e torce para nunca ser assaltado, estuprado, seqüestrado, assassinado e, finalmente, nunca ter o seu acesso à casa interrompido por ônibus incendiados com o propósito de impedir a chegada de policiais a espaços urbanos controlados pelo crime organizado.

É estranha a situação a que se chega a propósito do valor dos temores. Ser portador de um medo que é, “finalmente” reconhecido, alardeado e consensualmente validado por uns dias de aguda aflição pode ser uma chance de conquistar um pouco mais de paz. Nesse sentido, como fazer para, no desassossego máximo, ter pernas para correr e para fincar um “finalmente” que não seja passageiro, finalmente.

Cabe lembrar que, na circunstância em curso no Rio de Janeiro, não convém esperar que a mídia mantenha o realce sobre o assunto causando constrangimentos à ordem vigente a ponto de se alterar os hábitos institucionais e superar as anomalias sociais. É necessário que o problema assuma relevância junto à sociedade civil no se refere à sua mobilização com vistas a uma pressão política mais consistente e duradoura. Quem sabe, assim, finalmente...

Nenhum comentário:

Postar um comentário