MALANDRO, MORRO E CIDADE: passado e atualidade de uma trilogia carioca na MPB (5)
“Ninguém cantou o Rio melhor do que ele”
(Tom Jobim)
Vicente Deocleciano Moreira
Noel Rosa recebeu, de Tom Jobim, a condecoração de melhor tradutor, melhor cantor de um Rio de Janeiro. Um Rio de Janeiro que, na época de Noel, era a capital do Brasil, e um dos mais pulsantes centros culturais do país. Noel não apenas nasceu, viveu e morreu na mesma casa em Vila Isabel ... mas, também, se afastou poucas vezes da então capital brasileira. Nada mais que uma visita a São Paulo, uma estada em Belo Horizonte e, com a mesma brevidade, passagens pelo Sul, Espírito Santo e Norte fluminense.
Mas, apesar de ter sido a Vila Isabel a outorgante de seu aposto "Poeta da Vila", seus sambas falaram mais da Penha que de seu bairro de nascimento. É o caso de, por exemplo, de "Eu agora fiquei mal", de 1931, que Noel compôs com Antenor Gargalhada:
Eu agora fiquei mal
Tenho vontade de ir à Penha
Mas me falta o principal:
A mulher que me ajudava tanto
Ela deu o fora!
Eu agora fiquei mal
Esta mulher foi-se embora
Me deixou bem arruinado
Eu que estava tão sadio
Agora estou acabado
Mas agora eu peço muito
Para não escorregar
Leve o meu pedido
À Santa que está no altar
Tou vendo as coisas feias
Talvez nem possa alcançar
O final da escadaria
Que sobe pro seu altar
Nossa Senhora da Penha
Vai fazer o que puder
Se ela me livra
De toda mulher...
Mereceram também destaque o Estácio, Matriz, Meier, Salgueiro,Osvaldo Cruz, Mangueira, Cascadura, Gamboa, Pavuna, Copacabana e, com especial destaque, a Lapa.
Eu Vou Pra Vila
Não tenho medo de bamba
Na roda de samba
Eu sou bacharel
(Sou bacharel)
Andando pela batucada
Onde eu vi gente levada
Foi lá em Vila Isabel...
Na Pavuna tem turuna
Na Gamboa gente boa
Eu vou pra Vila
Aonde o samba é da coroa.
Já saí de Piedade
Já mudei de Cascadura
Eu vou pra Vila
Pois quem é bom não se mistura
Quando eu me formei no samba
Recebi uma medalha
Eu vou pra Vila
Pro samba do chapéu de palha.
A polícia em toda a zona
Proibiu a batucada
Eu vou pra Vila
Onde a polícia é camarada.
Dama do Cabaré
(1936)
Foi num cabaré na Lapa
Que eu conheci você
Fumando cigarro,
Entornando champanhe no seu soirée
Dançamos um samba,
Trocamos um tango por uma palestra
Só saímos de lá meia hora
Depois de descer a orquestra
Em frente à porta um bom carro nos esperava
Mas você se despediu e foi pra casa a pé
No outro dia lá nos Arcos eu andava
À procura da Dama do Cabaré
Eu não sei bem se chorei no momento em que lia
A carta que recebi, não me lembro de quem
Você nela me dizia que quem é da boemia
Usa e abusa da diplomacia
Mas não gosta de ninguém
Foi num cabaré na Lapa...
A paixão pelos subúrbios no lado oposto de uma certa indiferença pelos bairros cariocas de classe média. Porém à cidade não poupou homenagens. É o caso de "Cidade3 Mulher" (1936), letra e filme:
Cidade Mulher
Cidade de amor e aventura
Que tem mais doçura
Que uma ilusão
Cidade mais bela que o sorriso,
Maior que o paraíso
Melhor que a tentação
Cidade que ninguém resiste
Na beleza triste
De um samba-canção
Cidade de flores sem abrolhos
Que encantando nossos olhos
Prende o nosso coração
Cidade notável,
Inimitável,
Maior e mais bela que outra qualquer.
Cidade sensível,
Irresistível,
Cidade do amor, cidade mulher.
Cidade de sonho e grandeza
Que guarda riqueza
Na terra e no mar
Cidade do céu sempre azulado,
Teu Sol é namorado
Da noite de luar
Cidade padrão de beleza,
Foi a natureza
Quem te protegeu
Cidade de amores sem pecado,
Foi juntinho ao Corcovado
Que Jesus Cristo nasceu
(Continua amanhã, sábado)
sexta-feira, 12 de novembro de 2010
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