sexta-feira, 12 de novembro de 2010

MALANDRO, MORRO E CIDADE ... (6)

MALANDRO, MORRO E CIDADE: passado e atualidade de uma trilogia carioca na MPB (6)

Vicente Deocleciano Moreira


Nem só de lugares, bairros e subúrbios viveu o 'carioquismo' de Noel. Tipos sociológicos deram o tom e as cores do Rio de Janeiro, através da escritura poética noelina. O malandro é apenas um destes tipos.

Aliás, o malandro é um tipo sociológico urbano - ao menos o do Rio de Janeiro. É difícil pensar num malandro nascido das entranhas socio-culturais do campo, do mundo rural; um mundo em que ou se trabalha ou dificilmente haverá alguém (mulheres, por exemplo) para sustentar aquele que tem horror ao trabalho .. .e por esta razão o malandro sobrevive de expedientes ao arrepio da lei (vigarice, estelionato, pequenos furtos ..), da ética (exploração de mulheres ...) e dos bons costumes (jogatina, inadimplência generalizada e proposital, calote, exploração da boa fé de incautos e otários ...). São expedientes que não frutificam no solo conservador, às vezes ingênuo mas fortemente adubado de valores tradicionais ... como é o caso do universo rural.

O malandro não se confunde necessriamente com o criminoso, com o homicida. Ele tem até uma idumentária clássica: terno branco deixando à mostra uma camisa esporte litrada ou social colorida, sapatos brancos ou de duas cores,chapeu panamá ... muita ginga, muita loquacidade, bom de samba, de gafieira, de cerveja e cachaça. Sexo masculino (existe malandra?, gosta de brigar, de boemia e, apesar de toda a esperteza, nem sempre se dá bem, nem sempre leva vantagem em tudo.

Não gosta de trabalhar.

O malandro não é uma exclusividade do texto e do contexto histórico-cultural de Noel. Vários outros compositores, da primeira metade do século XX< criaram e cantaram o malandro. Senão vejamos e cantemos:


Noel Rosa / Vadico - Conversa de Botequim

Seu garçom, faça o favor de me trazer depressa
Uma boa média que não seja requentada,
Um pão bem quente com manteiga à beça,
Um guardanapo e um copo d'água bem gelada.
Feche a porta da direita com muito cuidado
Que eu não estou disposto a ficar exposto ao sol.
Vá perguntar ao seu freguês do lado
Qual foi o resultado do futebol.
Se você ficar limpando a mesa
Não me levanto nem pago a despesa.
Vá pedir ao seu patrão
Uma caneta, um tinteiro,
Um envelope e um cartão.
Não se esqueça de me dar palitos
E um cigarro pra espantar mosquitos.
Vá dizer ao charuteiro
Que me empreste umas revistas,
Um isqueiro e um cinzeiro.
(Refrão)
Seu garçom faça o favor de me trazer depressa...
Telefone ao menos uma vez
Para três quatro, quatro, três, três, três
E ordene ao seu Osório
Que me mande um guarda-chuva
Aqui pro nosso escritório.
Seu garçom me empresta algum dinheiro,
Que eu deixei o meu com o bicheiro.
Vá dizer ao seu gerente
Que pendure esta despesa
No cabide ali em frente.
(Refrão)
Seu garçom, faça o favor de me trazer depressa
Uma boa média que não seja requentada,
Um pão bem quente com manteiga à beça,
Um guardanapo e um copo d'água bem gelada.
Feche a porta da direita com muito cuidado
Que eu não estou disposto a ficar exposto ao sol.
Vá perguntar ao seu freguês do lado
Qual foi o resultado do futebol.


*****


Noel Rosa, Orlando Luiz Machado e Ismael Silva - "Escola de Malandro".

A escola do malandro
É fingir que sabe amar
Sem elas perceberem
Para não estrilar...
Fingindo é que se leva vantagem
Isso, sim, que é malandragem
(Quá, quá, quá, quá...)
[-Isso é conversa pra doutor?]
Oi, enquanto existir o samba
Não quero mais trabalhar
A comida vem do céu,
Jesus Cristo manda dar!
Tomo vinho, tomo leite,
Tomo a grana da mulher,
Tomo bonde e automóvel,
Só não tomo Itararé¹
(Mas...)
Oi, a nega me deu dinheiro
Pra comprar sapato branco,
A venda estava perto,
Comprei um par de tamanco.
Pois aconteceu comigo
Perfeitamente o contrário:
Ganhei foi muita pancada
E um diploma de otário.
(Mas)


*****

Assis Valente – “Camisa Listrada”


Vestiu uma camisa listrada e saiu por aí
Em vez de tomar chá com torrada ele bebeu parati
Levava um canivete no cinto e um pandeiro na mão
E sorria quando o povo dizia: sossega leão, sossega leão
Tirou o anel de doutor para não dar o que falar
E saiu dizendo eu quero mamar
Mamãe eu quero mamar, mamãe eu quero mamar
Levava um canivete no cinto e um pandeiro na mão
E sorria quando o povo dizia: sossega leão, sossega leão
Levou meu saco de água quente pra fazer chupeta
Rompeu minha cortina de veludo pra fazer uma saia
Abriu o guarda-roupa e arrancou minha combinação
E até do cabo de vassoura ele fez um estandarte
Para seu cordão
Agora a batucada já vai começando não deixo e não consinto
O meu querido debochar de mim
Porque ele pega as minhas coisas vai dar o que falar
Se fantasia de Antonieta e vai dançar no Bola Preta
Até o sol raiar



*****

Assis Valente – “Fez Bobagem”

Meu moreno fez bobagem
Maltratou meu pobre coração
Aproveitou a minha ausência
E botou mulher sambando no meu barracão

Quando eu penso que outra mulher
Requebrou pra meu moreno ver
Nem dá jeito de cantar
Dá vontade de chorar
E de morrer

Deixou que ela passeasse na favela com meu peignoir
Minha sandália de veludo deu à ela para sapatear
E eu bem longe me acabando
Trabalhando pra viver
Por causa dele dancei rumba e fox-trote
Para inglês ver



*****

Geraldo Pereira – “Pedro do Pedreghulho”

Pedro dos Santos vivia no Morro do Pedregulho
Quebrando boteco, fazendo barulho
Até com a própria polícia brigou
Vivia do jogo e quando perdia só mesmo muamba
Rasgava pandeiro, acabava com o samba
Parece mentira, Pedro endireitou.

Estelinha, orgulho do morro, mulher disputada
Que quando ia ao samba saía pancada
Ao Pedro dos Santos deu seu grande amor
E ele trocou o revólver que usava, fingindo embrulho
Por uma marmita
E sobe o Pedregulho
De noite, cansado do seu batedor.



*****

(Amanhã, domingo, mais ...)

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