sábado, 25 de setembro de 2010

VERDE GENTE, Vicente D. Moreira

VERDE GENTE


Quero ver o sol atrás do muro
Quero um refúgio que seja seguro
Uma nuvem branca sem pó, nem
fumaça
Quero um mundo feito sem porta ou
vidraça
Quero uma estrada que leve à verdade
Quero a floresta em lugar da cidade
Uma estrela pura de ar respirável
Quero um lago limpo de água potável

Quero voar de mãos dadas com você
Ganhar o espaço em bolhas de sabão
Escorregar pelas cachoeiras
Pintar o mundo de arco-íris

Quero rodar nas asas do girassol
Fazer cristais com gotas de orvalho
Cobrir de flores campos de aço
Beijar de leve a face da lua


(“Quero”, de Thomas Roth)


Vicente D. Moreira



Este é o primeiro fim de semana da Primavera de 2010. Das quatro estações a Primavera se oferece, com mais vigor, como arquétipo da renovação dos tempos, da natureza, da vida enfim.

Renovação sim,; não (re)fundação do Mundo. Pois é na plenitude do Verão (hemisfério Sul) ou do Inverno (hemisfério Norte) que a tarefa de ‘(re)inaugurar’ o Mundo mobiliza os humanos do Ocidente. Mobilizam-se para cumprir a imitação dos mitos e deuses criadores do Universo. Como acontece no Ocidente, humanos se entregam às vestes brancas e aos fogos de artifício (Luz), e aos comes e bebes (Pães e Águas) no eterno retorno do Ano Novo (31 de dezembro/1º de janeiro) à imitação do “Fiat Lux” (“Faça-se a Luz!”) ... a palavra ‘mágica’ utilizada por Deus para fazer nascer a luz, fazê-la prevalecer sobre as trevas ... fazer enfim nascer o Universo ... este nosso “Mundo vasto Mundo” como o mediu, com a régua e o compasso do lirismo, o poeta Carlos Drummond de Andrade.

A chamada, com toda razão, “estação das flores” tem merecido a especial atenção dionisíaca de poetas e, também, de músicos, compositores e poetas. O universo da música erudita não é apenas sonoro. É também visual, às vezes gris, às vezes colorido; para que, de joelhos, bebamos este universo por todos os poros. Dois cálices primaveris: a pictórica “As Quatro Estações” de Vivaldi e “A Sagração da Primavera”, de Istravinsky; a “A Sagração da Primavera”, e seu deslumbrante conjunto sagrado de oito trompas em meio às divindades de trinta e oito instrumentos de sopro.

Quem os ouvir os verá. Quem os beber se embriagará como um Dionísio secular.

A Primavera faz concessões, de alta e altiva dignidades, aos saudosistas e aos nostálgicos do Inverno e, outrossim, aos ansiosos pelo Verão. E pinta colorido e sorridente campos e cidades.

As cidades recebem a Primavera com festas, cabelos floridos, passeios, “dias da árvore”, “semanas ambientais” concertos a céu aberto … enfim com uma alegria mais serena mas não menos ruidosa que o alvoroço e a nudez dos corpos com que ela faz sala para a chegada do Verão.

‘”Que triste não saber florir” – lamenta Alberto Caeiro/Fernando Pessoa (“O guardador de Rebannhos" – XXXVI):

E há poetas que são artistas
E trabalham nos seus versos
Como um carpinteiro nas tábuas!…
Que triste não saber florir!
Ter que pôr verso sobre verso, como quem constrói um muro
E ver se está bem, e tirar se não está!…
Quando a única casa artística é a Terra toda
Que varia e está sempre bem e é sempre a mesma.
Penso nisto, não como quem pensa, mas como quem respira,
E olho para as flores e sorrio…
Não sei se elas me compreendem
Nem se eu as compreendo a elas,
Mas sei que a verdade está nelas e em mim
E na nossa comum divindade
De nos deixarmos ir e viver pela Terra
E levar ao colo pelas Estações contentes
E deixar que o vento cante para adormecermos
E não termos sonhos no nosso sono.


“Que triste não saber florir”, lamentamos ao lado de Caeiro/Pessoa, mas a vida continua e as cidades pensam - como quem tem dificuldade de respirar e como em nenhuma outra estação – suas questões ambientais. São tantas: fumaça produzida por indústrias, ônibus (autocarros) e automóveis, esgotamentos avant la lettre de rios, lagoas, nascentes, a cegueira de tanto ver escândalos visuais hediondos … a “cidade em lugar da floresta” e não “a floresta em lugar da cidade”.

O verde “que te quiero verde” (Lorca), “a floresta em lugar da cidade” (na composição de Roth imortalizada por Ellis Regina) fazem a (justa) apologia do “verde”. O que são o “verde”? São as árvores, arbustos, gramas, folhas e flores multicores … Não raras vezes, no (meio) ambiente urbano o verde faz sombra a outros problemas; é como se apenas uma única árvore impedisse a visão das outras árvores da floresta.

Sinto falta do retorno de uma discussão em que urbanistas, arquitetos, autoridades políticas, planejadores … discutiam mais environnement que ambiente. Quero o retorno dessa discussão não em lugar de outros temas e abordagens. Environnement era (continuará sendo?) traduzido, não sem imperfeições - “Traduttore tradittori” / “Todo tradutor é um traidor” – por ambiência. Por um conteúdo humano – diríamos sustentável (?!) – do (meio) ambiente urbano.

Sei de cidades brasileiras que fecharam, a sete chaves, e à visitação pública imensos e riquíssimos parques florestais e animais. Fechar esses ‘paraísos’ urbanos, impedindo que jovens e idosos possam aprender, na prática e sob a luz do sol, o que é Educação Ambiental, não me parece uma boa prática. Que verde é esse que não tem gente? Onde gente não pode entrar?

Do outro lado da rua, qualquer praça de qualquer tamanho que se construa ou se reforme pode até não oferecer à comunidade equipamentos de lazer ativo (balanços, pranchas para abdominais, gangorras, argolas para exercícios físicos, escorregadeiras, mesas de jogos …) ou contemplativo (bancos, muradas, ‘para corpos’ …) …

… mas ai de quem não oferecer algum verde aos nossos olhos e aos nossos pés !!!

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