terça-feira, 7 de setembro de 2010

FCCV - VIOLÊNCIA POR DENTRO DOS FIOS

Leitura de fatos violentos publicados na mídia

FCCV - Forum Comunitário de Combate à Violência
Ano 10, nº 29, 06/09/10
VIOLÊNCIA POR DENTRO DOS FIOS

Sábado, 28 de agosto de 2010. Como pêndulo no mostruário da banca de revista, vê-se o jornal O Globo chamando a nossa atenção para um fato: “Capitão que julga PMs é preso roubando”. Ao chegar mais perto daquela vitrine urbana de notícias, letras menores tornam-se visíveis e detalham a “promoção do dia” informando que oficial “que investiga policiais em caso de corrupção dava proteção, com colega de farda, a ladrões de cabos de telefonia”.

Retornando à distância de antes para observar outras ofertas contidas nos títulos dos demais periódicos, se chega à conclusão de que diante das opções expostas nas bancas não há motivos para júbilo no sábado.

O olhar é devolvido ao “caso do capitão” e dele se faz uma dupla leitura. Neste nosso tempo, quando se sofre de um trauma coletivo ante a impunidade, é bom ficar sabendo que ao menos uma autoridade de patente intermediária, como a de um capitão, é detida quando constatado seu envolvimento em ação criminosa. Por outro lado, multiplicam-se, em nossos dias, descobertas relativas a estes feitos e isto tem provocado o descrédito da população nas instituições públicas responsáveis pelas garantias da ordem legal. O próprio jornal O Globo invoca a metáfora do galinheiro vigiado por raposa. E este tipo de caso tem se alastrado, superando a imaginação de leitores que restam pasmos e repetitivos em exclamativos coros: “Mas não é possível! Onde vamos parar?”

Em relação à situação noticiada no sábado, há uma pequena margem de manobra visando uma especial distinção em comparação com as freqüentes histórias do gênero. E essa leitura pretende se apegar a este laivo para apostar em um naco de atenção maior sobre o evento. Aliás, cabe recordar que é este o procedimento adotado pelo noticioso ao evidenciar que o capitão acusado de participação em quadrilha de roubo de fios é o mesmo que julgou os policiais que estão sendo acusados “de corrupção no caso do atropelamento do filho da atriz Cissa Guimarães”. O referido capitão estava lotado como juiz em um órgão da Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro responsável por apurar os casos de desvios e crimes cometidos por policiais. Neste sentido, pode-se dizer que a circunstância ora em foco é a mais adequada à ficção da raposa guardando o galinheiro. E é possível, até, que o ímpeto do capitão por ocupar aquele cargo se deva à sua insólita condição de raposa em início de carreira querendo estar em lugar estratégico à sua secreta missão. Assim sendo, o objetivo de correção aplicável a policiais desviantes funcionaria como requintada fachada para o cometimento de ilegalidades.

Cabe ponderar, entretanto, sobre uma possível inquietação quanto à importância de um simples roubo de fios. É verdade que se está diante de um material que não assumiu status de produto que desperte o fascínio de ladrões, tal como celulares ou tênis. De fato, os cabos de transmissão não figuram como itens associados a assaltos, os quais, junto com os homicídios, constam como crimes que ocupam, majoritariamente, a agenda midiática quando da representação de delitos. Trata-se, agora, de uma modalidade na qual o produto roubado está subterraneamente disperso e é componente básico de serviços de natureza pública, tais como eletricidade e telefonia.
Esta ação delituosa, não obstante seu caráter discreto, não deve ser concebida como isenta de relevância. Nos últimos anos, têm surgido notícias que evidenciam que esta é uma área explorada pelo crime organizado. Em maio de 2008, a revista Teletime, associada à Oi, publicou matéria com o título Piratas da rede, na qual evidencia o problema e informa que só em 2007 “foram furtados aproximadamente 7,4 mil quilômetros de fios telefônicos”. Ainda segundo a matéria, as quadrilhas não furtam apenas os cabos das redes de telefone, também o fazem em relação aos fios de eletricidade os quais são mais grossos e têm mais cobre, entretanto, por representarem mais perigo passam a requerer “certo conhecimento técnico para que o ladrão não seja eletrocutado” e, diante desse “senão”, o cabeamento telefônico tem tido maior preferência pelas quadrilhas.

Além da versão baseada na exploração subterrânea, a publicação informa que “em 2007 foram roubadas 840 toneladas de cobre e de produtos de cobre no Brasil, entre assaltos a fábricas e roubos de carga”.
Como é possível observar pelos números, este é um ramo da atividade ilícita que movimenta grandes somas e envolve uma gama de ações em uma escala de produção iniciada com o roubo que conta com mão-de-obra de desempregados e pobres, passa por um processo de transformação e termina com a reintrodução do produto no mercado, devidamente legalizado. Trata-se, portanto, de um negócio que demanda cuidados de natureza técnica, de logística e de segurança. É dentro deste universo que se encaixa a figura do capitão, desempenhando papel de mentor e encarregado da proteção às ações do empreendimento que, conforme o noticiado, fatura 300 mil reais por mês.

As informações acessadas não permitem estabelecer, imediatamente, relação entre o tipo de crime indicado e a prática de homicídio ou de outras violências físicas e psíquicas, ao contrário, fica mais patente na denúncia a lesão de caráter patrimonial. É presumível, entretanto, que para o bom andamento da iniciativa, considerando-se a grandeza de sua ilegalidade, sejam necessários códigos regulatórios substitutos dos mecanismos previstos pela ordem estabelecida, afinal, estes grupos não podem recorrer, formalmente, aos serviços públicos garantidores de quaisquer tipos de direitos. Nesta condição, o poder paralelo adota procedimentos e códigos de garantia designados como leis do crime. Nestas regras, figuram o emprego da violência à guisa de penalidade contra aqueles que, de alguma maneira, podem comprometer a segurança da organização. As penas vão desde a “advertência” objetivada nas ameaças, passando pela tortura e outros expedientes perversos, até a adoção da pena de morte.

É verificada, comumente, a atuação desviante de alguns integrantes de forças policiais para dar segurança a este “mundo paralelo”. Este script já é distribuído sob forma de notícia, de obra cinematográfica, de livro ou de conversa cotidiana. Em torno dele circula o medo de raposas e rumores revelam histórias de vidas que estão sempre por um fio.

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