FCCV (Forum Comunitário de Combate à Violência)
- O VALOR IMPAGÁVEL DA PENA
Leitura de fatos violentos publicados na mídia
Ano 10, nº 30, 13/09/10
Valer a pena é uma expressão corriqueira que indica valiosos ganhos posteriores aos sacrifícios. Nela está presente a idéia de que não é possível se alcançar um objetivo sem dor, sem esforço, sem dispêndio. Neste sentido a pena é vista como inevitável e justa. Todos, de modos diferentes, pagam penas ao longo da vida e encaram estes obstáculos de modo natural.
“Tudo vale a pena se a alma não é pequena” talvez seja uma das frases mais conhecidas do poeta Fernando Pessoa, muitas vezes empregada em ocasiões solenes a exemplo dos discursos em cerimônias de formatura. A mensagem tem alta adesão junto ao público, assumindo a condição de conteúdo indiscutível e de pensamento elevado que resume o espírito de uma grande e nobre conquista.
Até aqui estão vislumbradas as penas que elevam e que portam a uma condição melhor aos indivíduos que as enfrentam. Depois de ultrapassá-las, eles as têm como parte do currículo e as ostentam como evidências de valores como coragem, persistência, equilíbrio, confiança que são traduzidos em bagagem ou experiência, conteúdo que enobrece o sujeito. É a partir desta espécie de acúmulo de dificuldades ao longo das trajetórias que os indivíduos se orgulham ao afirmarem que nada do que conquistaram veio de graça. As duras penas que valem, entretanto, não cobrem as penalidades judiciais, especialmente as que conferem ao sujeito o rótulo de criminoso comum que paga duras penas no sistema prisional.
O ex-presidiário ordinário carrega para si a pena como prova de um ser definitivamente avesso à confiança da sociedade. Este critério está presente nos padrões através dos quais grande parte do jornalismo representa o sujeito envolvido em algum fato criminoso. A “ficha policial” é ingrediente básico para tomada de decisão editorial quanto ao tratamento a ser conferido a um acusado de crime. Esta prática coloca o ex-presidiário em total conformidade com acusações que lhes são dirigidas, é como se ele adquirisse um status de culpado virtual, bastando apenas que novas acusações lhes sejam dirigidas para reaver a condição de réu. Trata-se, pois, de um papel semelhante a um cargo que vem associado à idéia de provisão.
Na “oficina das penas”, ele é uma peça disponível na prateleira pronta a ser encaixada quando da necessidade de um culpado.
A reincidência é projetada como uma questão de tempo e neste sentido, em relação ao ex-preso, não convém “facilitar”, ao contrário é prudente desconfiar. O ex-presidiário cumpre, definitivamente, a pena por ter pagado a pena. Eis um problema a ser enfrentado pela democracia: os custos sociais e psicológicos sofridos pelos ex-apenados sob forma de estigma.
Há um outro aspecto merecedor de atenção e diz respeito ao modo como têm sido executadas as penas no interior das prisões. Também neste particular a mídia tem evidenciado irregularidades que remetem à idéia de que a prisão está muito distante de ser o prometido espaço de ressocialização. A imagem de último lugar, associada ao papel de segregação para o bom funcionamento da ordem estabelecida tem prevalecido, em termos práticos, sobre a noção de ambiente propício à integração social. Talvez, por haver conformidade entre esta imagem e as condições prisionais reais, não se verificam manifestações de constrangimento por parte dos gestores quanto à desconfiança generalizada em torno dos ex-apenados. Não são nem mesmo insinuadas frustrações, muito menos reconhecidas as responsabilidades.
Pelo que se nota neste campo, as penas não têm valido e se tornaram intermináveis. Há que se perguntar, a partir das palavras do poeta: de quem são as almas pequenas?
terça-feira, 21 de setembro de 2010
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